Ataque à Zona Franca: o panavueiro político e técnico da mudança no IPI

Ataque à Zona Franca

Ataque à Zona Franca mostra que superintendentes da Suframa, como o general Polsin (foto, em frente ao letreiro “Suframa”), são meras figuras decorativas para o governo Bolsonaro. Foto: Márcio Gallo/ Suframa

Há muito, na década de 1990, um mote recorrente nas redações de jornais era a “defesa da Zona Franca de Manaus” (ZFM). Havia repórteres especializados na questão. Um espirro em Brasília já causava pneumonia em Manaus. O repórter setorista arrumava a mala. “Líderes empresariais” formavam caravana, a tiracolo dos políticos. Três tapinhas nas costas e meio lobby na capital federal e todos voltavam triunfantes, ufanistas, comemorando mais uma vitória do modelo. Não mudou nada até a crise atual, após o presidente Jair Bolsonaro emitir o famigerado Decreto 10.979/ 2022, na calada da Sexta Feira de Carnaval. A exceção é que, pela primeira vez, além das tradicionais “caravanas de defesa da Zona Franca”, há políticos, empresários e técnicos amazonenses defendendo o ataque presidencial. Entenda o panavueiro.

 

Nomes aos bois

Década de 1990? Estamos falando do terceiro governo de Amazonino Mendes, mais de 20 anos atrás. Passamos por Eduardo Braga (oito anos), Omar Aziz (cinco anos), José Melo (três anos) e novamente Amazonino (um ano e dois meses), no mandato tampão. Nada de alternativa econômica ao modelo e o Amazonas permanece no berço esplêndido, totalmente dependente da ZFM.

 

Matriz econômica

Desde que foi criada pelos militares, na década de 1960, a Zona Franca oferece oportunidades para desenvolvimento do Amazonas. Biotecnologia, mercado de carbono, extrativismo, turismo etc. etc. etc., nada aconteceu. O Estado continua dependente, de forma vital, desse modelo de desenvolvimento.

 

Dubai

Dubai, em 2000, dependia 100% do petróleo. Hoje, o petróleo representa de 6% a 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. As alternativas implementadas foram, pela ordem, mercado financeiro, Zona Franca Jebel Ali e turismo.

 

Governo estadual X governo federal

Implantar a tal “alternativa econômica” à ZFM é tarefa para todos. Até pode aparecer uma Zona Franca Verde aqui ou uma ou outra iniciativa no turismo acolá. Tudo fogo fátuo. Alternativa para valer mesmo, só será possível com parceria e vontade política de um presidente da República que pense o Brasil como um todo.

 

O Decreto do IPI

Bolsonaro passeou e andou para promessas e juras de manutenção da Zona Franca, feitas por ele e seus aliados no Amazonas. Decidiu que sua reeleição depende mais do combate à inflação. Daí resolveu diminuir o Imposto sobre a Produção Industrial (IPI) na tora, de uma hora para outra, sem conversar com ninguém.

 

O Decreto do IPI (2)

Os técnicos divergem sobre as consequências para a Zona Franca. O portal ouviu vários deles. As conclusões:

1) Uma indústria se instala em Manaus se as compensações de impostos forem mais atrativas (custarem menos) que a logística (e preço, custo) do envio de mercadorias para outros Estados;

2) Alguns técnicos dizem que o impacto na planilha de custo da Zona Franca, com a redução de 25% do IPI, será irrelevante. Outros revelam que as empresas da ZFM trabalham com uma margem de lucro mínima – um contêiner Manaus-São Paulo custava US$ 4,5 mil e hoje custa US$ 28 mil;

3) Paulo Guedes é contra a Zona Franca e tem lá suas razões – como, por exemplo, o enriquecimento de meia dúzia e a favelização de Manaus. Mas desde quando o melhor remédio contra a doença é matar o doente?

 

Bolsonaro e Guedes, quem manda?

Os partidários do presidente Jair Bolsonaro, no Amazonas, dizem a boca pequena que “o inimigo da Zona Franca” é o ministro Paulo Guedes. Bolsonaro, nesse caso, precisa decidir: ou Guedes manda mais que ele no governo ou ele manda e pode cumprir as promessas de “Zona Franca intocável” que fez reiteradas vezes.

 

Quintas colunas

O tributarista Thomaz Nogueira, que foi superintendente da Zona Franca naqueles tempos em que o cargo era relevante, denuncia amazonenses “quintas colunas”, isto é, traidores da causa estadual. São os que justificam o ato do presidente como necessário ao equilíbrio fiscal nacional. Esquecem, diz Thomaz, preservação da Floresta Amazônica, substituição de importações e competitividade na atração de investimentos (se não ficarem em Manaus, essas indústrias vão para outros países, como ocorreu com a Pepsi-Cola), os pilares da Zona Franca.

 

Política

Há políticos, prestes a perder os mandatos, que viram o papagaio de papel pegar vento e estão de carona na defesa da Zona Franca. Não fazem mais que a obrigação. E há também os que, mesmo sem ter mandato, já estão contra o modelo, ignorando que se trata do oxigênio da economia estadual. Imagina se forem eleitos.

 

UEA e interior

Há várias consequências imediatas da redução do IPI – e da competitividade da Zona Franca. Cabe mais uma lista:

1) A Universidade Estadual do Amazonas (UEA), cuja briga pela reitoria provoca uma guerra sangrenta, depende quase 100% do faturamento do Polo Industrial de Manaus (PIM). É de um percentual disso que vem todo o sustento da instituição. Se o PIM morrer, acaba a verba e os estudantes vão reclamar pro bispo.

 

2) Caindo o faturamento do PIM cai também a arrecadação de ICMS. A redução de 25% do IPI diminui a arrecadação desse imposto na mesma proporção. Isso significa menos Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e ICMS, ou seja, queda de arrecadação das prefeituras do interior, que já vivem de pires na mão.

 

Exemplos

Há vozes se levantando contra a Zona Franca, como sempre, em todo o País. É gente que não estudou história e não sabe que todos os países desenvolveram regiões mais pobres com incentivos fiscais. E o próprio Brasil impulsionou São Paulo isentando de impostos a indústria automobilística. Idem para os repasses a fundo perdido aao Sul/ Sudeste.

 

Omar, Braga e Marcelo

O presidente Jair Bolsonaro tem demonstrado obsessão pelo combate aos senadores Omar Aziz e Eduardo Braga, além do deputado federal Marcelo Ramos. Vai acabar ajudando os três.

 

O exemplo de Lula

Lula, presidente, teve Arthur Virgílio (PSDB-AM) como principal opositor no Senado. Na hora da eleição, silenciosamente, derramou grana e moveu a ampla coalizão estadual que detinha para derrotá-lo. Inventou, com sucesso, a candidatura de Vanessa Grazziotin, que virou senadora. Agora, sem nomes, Bolsonaro tenta inviabilizar os adversários com um “se estão a favor sou contra”. Há 500 mil empregos, diretos e indiretos, no caso da Zona Franca, que sofrem com essa briga insana. Leva eles todos pra casa, presidente!

 

Conclusão

Falta de planejamento é a marca da emissão do Decreto que reduziu o IPI em 25%. Não dá para mudar uma matriz econômica da noite para o dia, mas é possível começar e não há o menor sinal disso. Há compensações, dentro dos Processos Produtivos Básicos (PPBs), que podem ser adotadas sem traumas e com a concordância de todos. A medida se deu como um elefante que entra numa vidraçaria. Ao Amazonas só resta reagir como puder, inclusive com ajuda dos aproveitadores de todas as latitudes. Na guerra como na guerra.

 

Inimigo meu

Bolsonaro não podia pensar em nada pior, para os seus aliados amazonenses, que uma medida contra a Zona Franca em ano eleitoral. Quem tem um parceiro como esse já pode dispensar os adversários.

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