O erro histórico dos responsáveis pelo desmonte-canibalismo do Festival Folclórico de Parintins

Muitos dizem que a briga atual, no Caprichoso, se deve apenas às facções comandadas por Márcia Baranda (abraçada com David Assayag) e Joilto Azedo, que tem como candidato à sucessão o artista e vice-presidente do bumbá, Rossy Amoedo (esquerda). Mas a coisa vai além

Muitos dizem que a briga atual, no Caprichoso, se deve apenas às facções comandadas por Márcia Baranda (abraçada com David Assayag) e Joilto Azedo, que tem como candidato à sucessão o artista e vice-presidente do bumbá, Rossy Amoedo (esquerda). Mas a coisa vai além

A História nem sempre premia os visionários, aqueles que conseguem antever os fatos antes que os demais, mas não perdoa a falta de visão. Ainda mais aquela causada pela falta de alcance cultural. O Festival Folclórico de Parintins está vivendo um processo de desmonte, cujas causas e causadores vão ficando cada vez mais evidentes, embora os protagonistas não percebam o peso do julgamento histórico que lhes está reservado.

O desabafo do presidente do Caprichoso, Joilto Azedo, pode ter de tudo. Menos mentira. É a revelação – corajosa revelação – de um pedaço dos bastidores do evento.

Para salvar a festa é preciso esperar menos da Prefeitura de Parintins e do Governo do Estado e mais da criatividade do povo parintinense e dos torcedores de Caprichoso e Garantido – que devem ser respeitados e incentivados cada vez mais. Basta ver o que houve, na outra ponta, com o Festival de Ópera, jogado para escanteio sem mais nem menos, deixando estrangeiros, que se programam com anos de antecedência para eventos assim, a ver navios. Idem para o Fecani. Idem para a Ciranda de Manacapuru. O Governo Melo, definitivamente, considera os eventos culturais supérfluos, embora, a julgar pelo que está ocorrendo na saúde, tenha o mesmo pensamento em relação a esse setor, tão indiscutivelmente fundamental.

A festa dos bumbás Caprichoso e Garantido é única. Diferente do Carnaval, por exemplo, que ocorre em todas as cidades brasileiras, só existe em Parintins. É o caso único em que a excelência, embora competindo com congêneres de várias plagas – como o Sairé, em Santarém (PA) -, atingida na Ilha Tupinambarana, no lugar de incentivada e premiada, é golpeada.

O Governo do Estado cortou, em 2015, 20% dos R$ 2,5 milhões oferecidos aos bumbás em 2014, alegando a necessidade de reduzir os custos para fazer frente à crise econômica e à previsão de queda de receita. Caprichoso e Garantido receberam, cada um, R$ 2 milhões. Agora, em 2016, o governador José Melo e o secretário estadual de Cultura, Robério Braga, querem reduzir o valor para 50% daquilo que foi repassado em 2015, ou seja, R$ 1 milhão para cada boi.

Somem-se as inflações de 6,41% em 2014 e mais de 10% em 2016 e veja-se o tamanho do rombo no financiamento público do Festival de Parintins.

Ninguém desconhece a crise econômica estadual e nacional. No plano internacional, Estados Unidos e Europa já saíram do sufoco e a China diminuiu o ritmo de crescimento, mas continua rondando os dois dígitos. O que se discute é o “vire-se” repentino, sem que a enorme máquina estatal se coloque em campo para garimpar alternativas.

Lord John Maynard Keynes chegou a defender o déficit público, isto é, que os governos gastassem mais do que arrecadam, em investimentos, na promoção do desenvolvimento, abrindo mão de impostos, no combate à estagnação.

O desmonte do Festival Folclórico de Parintins, porém, não ocorre apenas por diminuição das verbas públicas. Os presidentes dos bumbás até estão correndo atrás de novos patrocinadores e José Melo ainda não confirmou que o corte será tão raso. A questão é que há amante do boi, que se declara apaixonado pela festa, de olho grande nos R$ 8 milhões que constituíam a verba anual das duas agremiações – e que este ano ameaçam minguar para algo próximo dos R$ 5 milhões.

Até a década de 1980, com a festa sendo tocada apenas pelo esforço dos parintinenses, sem patrocínio privado e o incentivo governamental mínimo, nenhum item recebia nada para se apresentar. Hoje, além de esteticista, personal stylist, guarda-roupa, salão de beleza e até cirurgião plástico – há quem tenha mexido em seios, bumbum, abdômen etc., – cada item recebe um cachê para se apresentar no Festival Folclórico. Um item feminino, no Caprichoso, custa em torno de R$ 30 mil/ ano, entre cachê e custos de preparação.

Apresentador, levantador, sinhazinha, rainha do folclore, cunhã-poranga, tripa do boi, artistas de tribo e alegoria, maestro da Marujada/ Batucada, que são os itens, alegam não ser justo entrar tanto dinheiro na festa e eles, que são os protagonistas, ficarem de fora do butim. Têm razão. Mas, agora que o bolo diminuiu, aceitarão diminuir os cachês?

É folclórico, mas vale lembrar o apresentador do bumbá que foi expelido por ser “exigente demais”. Um empresário investia “pesado” nele, encarregando-se de comprar tecido e mandar confeccionar a fantasia com que entraria no “tablado”. O maior problema residia na hora de escolher o sapato. Nosso herói exigia desfilar de sapato branco e o empresário ameaçava entregar o posto de mecenas porque não tinha sapato que atendesse ao exigente – e duvidoso – gosto do locutor. Feitas as contas, a preço de hoje, esse “alto” investimento seria hoje algo em torno de módicos R$ 500. Isso mesmo: quinhentos reais, se muito.

Dá para perceber a enorme diferença de Festival Folclórico, que saltou dos módicos “tempos românticos” para o milionário estágio atual, por muitos confundido com o bilionário mundo dos artistas globais.

Um professor, que se postava à porta dos eventos do Caprichoso, exigindo de todos o pagamento de ingresso “para demonstrar o amor pelo bumbá”, entrou na Justiça Trabalhista e colheu indenização de R$ 160 mil por supostos oito anos de trabalho. Contou, para isso, com o testemunho de um grupo que também professava o mesmo amor.

A autofagia ocorre, faz tempo, no Garantido. Tal desmonte, que também atende pelo nome de canibalismo, reduz a pó a economia de Parintins e joga seus 110 mil habitantes numa perigosa rota de “salve-se quem puder”. Não fosse a firme atuação das Igrejas Evangélicas e das paróquias da Igreja Católica, a cidade estaria entregue à marginalidade. Embora o cenário, no campo da segurança pública, a julgar pelos crimes recentes, não seja dos melhores.

Essas e outras coisas revelam a morte progressiva da galinha dos ovos de ouro.

Parintinenses, poetas, seresteiros, namorados, amantes, empresários, políticos, homens de boa vontade, parafraseando Gilberto Gil (Lunik 9), correi! É chegada a hora de agir ou o boi vai pro brejo.

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11 comentários

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  1. Dodo Carvalho disse:

    Muito bom!!!

  2. Gean disse:

    Prezado Marcos Santos,

    Em primeiro lugar Saudações Azuladas!
    Em segundo quero lhe parabenizar pela coragem de expor o seu sentimento e passar a limpo a História de Bastidores dos Bois, que vem a cada dia mais, “Matando” essa Festa Maravilhosa. Infelizmente hoje, quer dizer pelo menos – na minha opinião – desde de 97 (Episódio de Saudação ao governador), 2000 ( o tal 25,5) entre outros, a Festival passou a ser um Negócio, a Festa ficou em segundo plano. Muitos já passaram pelos Bois, mas nenhum deles fez e nem faz nada. por quê? É o que eu queria saber. Infelizmente hoje o Governo que aí está tem um outro pensamento sobre a Cultura do nosso estado, e com isso, acaba contribuindo muito para o Fim do Nosso Festival. Concordo plenamente com você. É hora de deixar as vaidades e egos de lado e as pessoas que estão à frente dos Bois procurarem se unir em busca de uma solução, não só para o Festival, mas também, para a Cultura e principalmente economia Parintinense.

    Boa Noite!
    Gean Souza

  3. Nilton Rodrigues de Lima disse:

    Marcos Santos, a bolha estouro no curral dos bois…já era previsível. Neguinho não queria mais trabalhar, queria empresariar, ganhar dinheiro fácil com os recursos oficiais destinados ao festival. Arranjavam jurados de tudo quanto era canto, apenas para justificar a gastância. Os famosos não fazem despesas na cidade, são convidados de patrocinadoras ou do próprio governo. As coisas boas que deixam pós festival são: meninas contempladas com a gravidez para terem acesso ao bolsa-família. O visitante não fica mais na cidade o dia todo, chega de avião à “buca da noite” e ao término da apresentação retorna à capital. O festival vai ter que se reinventar e isso a população de Parintins sabe muito bem fazer, pois é criativa…mesmo com parcos recursos continuará sendo o orgulho de Parintins.

  4. Efrem Ferreira disse:

    Caro Marcos é uma pena que uma festa única como os bois de Parintins esteja sendo tão fortemente afetada por questões políticas e pela ganância e falta de amor ao festival, situação existente a poucos anos atrás, que infelizmente parece não mais existir.

  5. CARLOS FREDERICO GUEDES DA SILVA disse:

    Muito Bom!!! O texto é belíssimo, os comentários mais ainda…..se todos acham que a festa se tornou política é EU também concordo que tal nos preocuparmos com o nosso BOI e deixar os milhões do governo para la vamos resgatar a festa pois esta sim e a maior finalidade.
    Vamos tirar das mãos do governo ou da politica como queiram, mais existem muitos milhões em jogo e nunca e bastante pois e só verificar as contas dos BOIS ambos devem em demasia tanto comercial quanto trabalhista ….VIVA A FARA DO DINHEIRO PUBLICO!!!!

  6. Lázaro Jurema disse:

    Marcos, ha muito tempo deixei de lado o meu boi azul, por ver de longe tanta gente ganhando em cima dos bois. A festa que antes era do povo, passou há ser dos ricos. Vejamos, você sair de Manaus e ir para Ilha, ficar os dias do festival, comendo e bebendo, ficou mais caro que uma viagem para o exterior.
    O boi, assim como qualquer outra festa popular deve procurar se manter sem a ajuda do Governo, e impossível o governo doar 8 milhões aos bois e enquanto isso as pessoas morrem por falta de medicamentos. Acho sinceramente que devido a crise que assola o nosso Estado, o boi e qualquer outra festa que não tenha recurso próprio deva ser cancelada, não estamos em momento de festa, estamos em um momento de refletirmos sobre a nossa delicada situação. Assim como algumas prefeituras pelo Brasil afora.

  7. jero sanches disse:

    Marcos realmente VC tem toda a razão ,parintins e uma mãe de partos de artistas todo dia nasce um , o boi ta pobre de poesias ta pobre de amor e paixão as musicas estão caídas sem refrão o ego a vaidade entraram no sangue daqueles que querem ser donos dos bois ,virou partidário onde se mistura política com alguma coisa acaba em destruição ,n gosto muito de boi por causa da vaidade que tomou conta n sou conhecedor apenas um mero espectador simples mas torço que a poesia e a paixão e a raiz volte para o coração dos que verdadeiramente amam parintins!

  8. Carlos disse:

    Esse ano o Festival se acontecer no último final de semana de Junho sera 24 25 e 26.Nessa data o Funcionanfitriõeslico não recebeu,com certeza quem.perde é o Festival pois muita gente deixará de ir esse ano.
    No que tange ao futuro do Festival só quem pode salvar é o povo Parintinense se redescobrindo como bons anfitrioes a começar pela saísa dos barcos que é uma verdadeira falta de respeito . Durante a viagem de Ida acontece coisas absurdas nos barcos,principalmente na volta que não há nenhum tipo de fiscalização.
    Outra coisa vergonhosa é a fila desumana para assistir ao espectáculo ou se preferir o verdadeiro assalto que é a compra e venda de ingressos na frente do bumbodromo livremente.

  9. Bem eu sou de muito longe , adoro esse povo de Parintins
    no ano de 2015 eu estive o maior prazer de realizar o meu sonho
    que era conhecer essa linda Ilha que e Parintins ,
    sou morador de Vitoria Es , divulga desde de 2007 essa festa . no ano passado que
    eu conseguir entrar em contato com algumas pessoas de Parintins e Manaus .
    o que eu eu não entendo no nosso país são os preços das passagens Aéreas . no inicio do ano
    eu aprecei as passagens , estava custando 5.000,00 cinco mil Vitoria ( vix ) x parintins AM
    ISSO DIFICULTA muito as pessoas conhecerem a festa e a ilha . tem um monte de colegas meu que
    curtem toadas . mas tem outros que nunca ouviu falar em toadas e em parintins . ano passado
    meus colegas de trabalho ficaram procurando . na TV band para assistir , mas não foi transmitida na Tv
    espero que esse ano o festival seja transmitido , porque não tem como eu ir ,
    tenho uma mãe doente , que não anda direito . e só eu que olho ela . ano passado eu consegui ir em parintins.
    porque Paulo Sergio Ex Goleiro Do Botafogo me deu de presente , como ele viaja direto , ele conseguiu uma passagem , para mim por 1.569.00 fui pela Azul – vitória x Confins x Manaus X Parintins viajei o dia inteiro .
    Hoje eu vejo um festival deferente . muito interesse em DINHEIRO . não vou criticar ninguém
    sou da paz . meu face sebastiao flavio santana flavinho link de uma musica que eu gostaria que estivesse no cd do caprichoso 2016 https://www.youtube.com/watch?v=FLNy5HWhuDY

  10. Rogerio disse:

    Perfeita análise da involução histórica pela qual passa o festival de Parintins, tocando por vários outros que já perderam sua majestade, tornando o Amazonas a terra do “já teve…”. Já teve vôo para Paris, já teve vôo para Lisboa, já teve Festival de Ópera, já teve ZFM, já teve liderança econômica na região norte, já teve ligação por terra pela BR319 com o Brasil, já teve Fecani, já teve … etc…
    Nada é estruturado consistentemente…tudo é sinecura e subsídio.
    O próprio parintinense canibaliza o que “já teve…”, com a utilização dos instrumentos legais e arcabouços arcaicos legais que peiam empresas e negócios no país.
    Duros tempos que estamos vivendo.

  11. Caro Marcos,
    Acompanho os bois desde que cheguei a Amazônia e lá se vão mais de três décadas. Sou do tempo em que disputávamos em Maués as fitas cassetes (Isto mesmo cassetes) com as novas toadas, contrabandeadas que eram das gravações oficiais.
    Nas festas, nas rádios, nas ruas, terminado o Carnaval, iniciava o tempo das toadas e todos nós estavámos no dois pra lá, dois pra cá… Cantávamos as toadas emocionados, nos programávamos para Parintins.
    Depois de “Vermelho” e de “Canoeiro” poucas toadas marcaram época. Há vários anos que mingua a ida de Mauesenses para a festa do Boi.
    Acompanho com pesar esta perda cultural de nossa Amazônia, como lamento a plastificação dos Bumbás.
    Bons tempos aqueles do romantismo, da disputa e da simplicidade da dança sem as coreografias de hoje…
    Tempos que não voltam…infelizmente.