O ‘julgamento’ do Festival Folclórico de Parintins e a criatividade dos artistas vivem em planetas diferentes

O Festival de Parintins, que este ano completa 50 anos, tem algumas coisas que contando ninguém acredita. A festa adquiriu características únicas a partir da Ilha Tupinambarana, sede de Parintins, e hoje atrai paixões no mundo inteiro. Os artistas locais são também responsáveis pelo que há de mais, digamos, novidadeiro, no Carnaval do Rio de Janeiro, a maior festa popular do Brasil. Mas, contudo, todavia, porém, o que os artistas produzem em um ano de trabalho – entre criação e galpão – os políticos levam cerca de duas semanas para dilacerar, embora nem eles consigam destruir totalmente.

Sábado (20/06) acontece o sorteio dos Estados de onde poderão ser escolhidos os jurados. O festival acontece dias 26, 27 e 28 de junho. Ou seja, a escolha precisará ser feita em seis dias, no máximo, sob pena de se repetir o vexame daquele ano em que os bois estavam prontos para entrar e os jurados sendo escolhidos num camarote do Bumbódromo, com os ânimos exaltados. A festa só aconteceu porque Eduardo Braga, então governador do Amazonas, diante da estrepitosa vaia do público, após quase duas horas de atraso, mandou o comandante da PM exigir que Garantido e Caprichoso entrassem.

Por que a escolha se dá em cima da hora? Porque, teoricamente, os bumbás têm menos tempo para “manobrar” os jurados e viciar o julgamento. O que se vê na prática? Julgamentos viciados, ferindo de morte a credibilidade da promoção.

Vai tudo bem com a preparação do festival, apesar das dívidas que corroem os bumbás – R$ 36 milhões no Garantido, R$ 3 milhões no Caprichoso. Quem entrar nos galpões, hoje (17/06), ficará maravilhado com as alegorias e fantasias já prontas. O espetáculo de Marujada e Batucada, quando entram na arena, é um delírio, uma catarse.

É isso que, apesar de tudo, se impõe e atrai o público. Mas é preciso muito estômago e sangue de barata para ver um bumbá brilhar na arena e ser derrotado no julgamento.

Por entre os desvãos, o Festival Folclórico vai perdendo público.

Outra coisa que precisa ser corrigida é o monopólio na cobertura da festa. É erro crasso, uma estultice, do ponto de vista da festa. As demais emissoras jamais terão o mesmo empenho, no período que antecede à festa e nos eventos de divulgação da mesma, sob o óbvio argumento de que isso significará colocar azeitona na empada da concorrente. Nada a ver com a TV A Crítica, Rede Calderaro, hoje detentora dos direitos exclusivos de transmissão. Até porque quando a TV Amazonas e depois a Band foram detentoras da mesma exclusividade esse estado de coisas se repetia.

O Festival de Parintins, como qualquer produto econômico-cultural, precisa de divulgação e patrocínio. Quanto paga a TV aos bumbás pelo monopólio? Na fase atual, com o publico diminuindo, o valor é irrisório. O próprio Governo do Amazonas pagava mais para a Band, a título de divulgação nacional da festa.

Os bumbás, é histórico e é sabido, curvam-se aos interesses superiores e atendem ao grande patrocinador da festa, o Governo do Estado. Não têm força – ou não a usam – para dizer não a um pedido do governador. Cabe então um apelo ao espírito público para que, encerrada esta fase de exclusividade, o mandatário atenda aos interesses maiores do Festival Folclórico e abra a cobertura a qual TV estiver interessada. De graça? Não. Cobre-se uma quantia simbólica, algo tipo R$ 300 mil, de quem se dispuser a transmitir, e abra-se a salutar e democrática concorrência, na luta para ver quem cubra mais e melhor a festa.

Acertado com a TV, só faltará ao Festival sabedoria para resolver a questão dos jurados. Que tal usar a experiência vitoriosa no Carnaval do Rio de Janeiro, onde há um banco de especialistas fixo, que faz reciclagem específica sobre a festa, a cada ano, e julga a festa? Isso acabaria de vez com essa história do “julgamento ideológico”, onde os bumbás são julgados pelo que cada jurado imagina que devam ser e não pelo que são.

É inadmissível que um só jurado julgue Caprichoso e Garantido sem conhecê-los. E nada nos autoriza a deixar de imaginar que vários ou até todos os desconheçam.

Imaginemos um grande especialista, vitorioso profissionalmente, com férias familiares programadas para o mês de julho. Vai deixar tudo para vir julgar o Festival de Parintins? Difícil.

A festa dos bumbás cresceu e apareceu pelo esforço do povo parintinense. Os agregados, que vieram a seguir, tornaram-na ainda maior, mais espetaculosa, consagrada. É, portanto, patrimônio público inestimável. Cuidar dela é dever de todos.

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1 comentário

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  1. Crisley Linhares disse:

    Infelizmente tudo isso que foi exposto é uma consequência da completa falta de capacidade das diretorias em gerir os bumbás. Em algum momento a política bovina se misturou com a política municipal e estadual. Hoje se valoriza muito mais o que uma empresa pode pagar para um boi (como no exemplo da venda dos direitos de transmissão para a Tv A Crítica em 2013). Outro ponto a ser refletido é a forma nebulosa como se dá todo o processo de escolha dos jurados. Hoje, como já é notadamente sabido, existe pessoas que agem nos bastidores para tentar manipular o resultado da disputa e que estão muito mais a serviço de interesses politiqueiros e eleitorais do que a serviço da cultura popular e da festa propriamente dita.