Morre Luciano do Valle, um furacão do marketing e a mola propulsora do chamado ‘esporte amador’ no Brasil

O Brasil não sabe muito bem o que significa ocupar um posto de destaque nas redes nacionais de TV. Ou mesmo o que é ser um narrador de futebol reconhecido em São Paulo. Luciano do Valle, que acaba de falecer, deixando uma lacuna no esporte brasileiro, e Osmar Santos, retirado do ar com acidente inacreditavelmente cirúrgico, que os fados fizeram levar-lhe apenas a voz, atingiram o ápice nesses postos.

Osmar, vivo e dirigindo o esporte da rádio Globo-SP, elevou o nível da narração esportiva, na luta por penetrar na audiência cativa de Fiori Gigliotti (1928-2006), na Band, e José Silvério, na Jovem Pan, este ainda na ativa. O “pai da matéria” levava artistas para torcerem por seus times na cabine da emissora. E vivia criando vinhetas, codinomes e chavões, que iam parar na boca da torcida. O principal exemplo é “O garotinho”, como gostava de ser chamado, que provocou uma disputa judicial com José Carlos Araújo, da Globo-RJ, devidamente cultivada por ele – a contenda deu enorme ibope para ambos, que não disputavam audiência entre si.

Ainda hoje se fala na “gorduchinha” (bola) ou no gol cantado com o “chiruliluli, chirulilulá e queeeee gooool”, que Osmar imortalizou.

Luciano do Valle, falecido no sábado (19/04), era “o cara” na Globo. Transmitiu a Copa de 1982, quando a emissora teve exclusividade na competição, consagrando ainda mais a empatia com a população brasileira. De repente, porém, deixou a emissora líder e transferiu-se para a TV Record. Lá, com a audiência próxima do traço, investiu pesado no vôlei de prata do Brasil. O vice-campeonato mundial, contra a Rússia, em 1982, e “O grande desafio”, no Maracanãzinho, em 1983 (veja vídeo abaixo), tiveram a voz de Luciano do Valle e seu tino empreendedor como combustível. Foi o maior público do vôlei no mundo, com mais de 90 mil pessoas.

O Brasil via naquela voz segura e naquele jeito independente, que se juntaria a Juarez Soares, no Show do Esporte, o aliado certo para fazer do domingo um momento de lazer. Quantas churrasqueiras e piscinas ficaram lotadas naquele período, para deixar a TV ligada num canto, o churrasco assando e a cervejinha rolando, enquanto os eventos iam se sucedendo, numa profusão incrível de vôlei, basquete (a rainha Hortência e a magic Paula, de Prudentina e Unimep, estão aí para contar a História), futsal, handebol e, claro, muito futebol.

Luciano era do Valle, mas tinha um domínio de voz próximo à do Pavarotti. Jogava a emoção paro o alto, elevando o tom ao máximo, dosando o vozeirão e o domínio do microfone para sacudir sem agredir o telespectador.

Uma vez escrevi, na coluna “Bola ao alto”, que mantive durante quase cinco anos em A Crítica, uma nota um pouco mais longa sobre ele, fazendo justiça, quando o vôlei chegou à consagração e à hegemonia mundial: “Isso começou lá atrás, com Luciano do Valle…”, publiquei. A produção dele me ligou, conversou, rodeou e, em seguida, ele próprio falou comigo, ao telefone, agradecendo pela lembrança.

Quem faz isso hoje? Esse é o sentido mais profundo do marketing. Tudo o que Luciano do Valle fez, aliás, sempre teve um conjunto de patrocinadores sustentando o projeto, acreditando e, numa demonstração de eficiência e companheirismo, faturando alto com os resultados.

O marketing, o tino comercial e a capacidade para alavancar projetos são traços que Luciano tinha em comum com Osmar Santos. Sem contar, claro, o enorme talento, que ambos esbanjavam. Pena que a Globo tenha tentado trocar Luciano por Osmar, em 1986, na TV. Deixou um buraco no rádio, para tentar cobrir o rombo na TV, e acabou perdendo dos dois lados. Só para registrar: o talento de Osmar não faria feio, se ele não tivesse sido derrubado pela “maldição de Montezuma” e ficado num hospital mexicano a Copa inteira. A praga, de Montezuma contra o espanhol Hernán Cortéz, que dizimou o império asteca, afirma que quem vai à Cidade do México (2.235 metros de altitude) passa mal. E o locutor abusou do chili (pimenta).

Grande parte da antipatia que uma porção dos torcedores têm por Galvão Bueno, ainda hoje, se deve à lacuna que Luciano deixou na Globo. Mas, ontem (20/04), dia do enterro do antecessor, afirmou: “Fica muito mais pobre a comunicação desse país a partir de hoje com a morte de Luciano do Valle”.

Luciano, enfim, representou em sua trajetória uma época significativa da comunicação esportiva no Brasil. Registro, com muita alegria, um salutar movimento de novos talentos tentando alavancar o esporte amazonense, ocorrendo neste momento, nos bastidores da mídia. Tomara que o grande narrador, apresentador e marqueteiro sirva de inspiração para essa garotada. E que ela siga em frente, independente, resoluta, criativa e indiferente aos obstáculos. O esporte amazonense agradece, como é agradecido ao mestre que se foi.

Osmar diria, narrando a vida de Luciano:

“Ripa na chulipa, pimba na gorduchinha e queeeeeeeeee gooooooool!!!” Um golaço de vida e de sucesso.

Luciano do Valle, adeus, saudades e parabéns.

Veja aqui um rápido trecho de Brasil x Rússia, no Maracanãzinho, com um toque da narração de Luciano do Valle:

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