Lei do Estacionamento, Lei de Mercado e a força da cidadania diante do aumento de preços praticado em Manaus

A Lei do Estacionamento, que entrou em vigor dia 09/09 e está causando tanta polêmica em Manaus, pretendia evitar que o usuário pagasse por três horas e usasse apenas entre 15 minutos e 2h45. Os estacionamentos cobravam por uma fatia o valor de um bolo inteiro. A prática mostrou que os proprietários desses locais reagiram de forma organizada e decidiram peitar usuários e legisladores, buscando transformar o limão numa limonada, isto é, o que poderia ser uma redução no faturamento em uma forma de aumentar os lucros.

O resultado é que a maioria dos estacionamentos passou  a cobrar mais pela hora, R$ 6 em média, que os R$ 5 que cobravam anteriormente pelas três horas.

A queda de braço está estabelecida.

O perigo reside em transformar a questão num problema do autor da lei, o vereador Wilker Barreto, que para muitos já se transformou no vilão da história. Não está nele apenas, no entanto, o cerne da polêmica.

A diretoria da Câmara Municipal de Manaus e os vereadores que lavaram as mãos na história cometem um erro brutal, talvez imaginando que, jogando Wilker às feras, conseguirão salvar o patrimônio individual de votos. Esquecem que uma lei, quando aprovada, torna-se instituição da sociedade, com todos os pros e contras. Se for ruim, que se lute para revogá-la, mas esse não é o caso. O que se repõe, afinal, é parte do status quo de uma cidade onde o estacionamento passou, rapidamente, da gratuidade para R$ 5, no mínimo, com reação muito tímida. Ou ninguém mais lembra que, há até bem pouco tempo, os shoppings nada cobravam por esse serviço?

O empresariado brasileiro é aviltado de todo jeito. Paga uma carga de impostos cavalar, o que torna a sonegação quase institucional e o risco de uma fiscalização inviabilizar o negócio a repetição da Espada de Dâmocles da cultura grega clássica. Um dos poucos bastiões de defesa do patrimônio empresarial e da possibilidade de lucro, fator inerente ao capitalismo em que vivemos, é justamente a liberdade para estabelecer preço.

Por que então tanta reclamação, se é prerrogativa do empresário precificar seu negócio? Simples: o que está havendo nesse caso é voracidade e, como não dizer?, uma grande dose de cinismo.

Muitos veem no fato de o legislador – termo que envolve todos os vereadores de Manaus porque todos tiveram em mãos a possibilidade de emendar a lei – não estabeleceu critérios de preço ou mesmo de tolerância nos estacionamentos? A resposta é que a jurisprudência mostra que, se entrasse nessa seara, a Lei seria inconstitucional e o empresariado do setor facilmente conseguiria uma liminar para derrubá-la.

A questão central, porém, não é ainda nada do que foi dito até aqui. A Lei do Estacionamento colocou diante da sociedade manauara um desafio de cidadania. O usuário, na prática, está sendo confrontado pelo abuso do aumento de preço e tem a obrigação de reagir à altura, sob pena de abrir uma era de exploração da bolsa popular sem precedentes.

O comércio já deu, recentemente, péssimo exemplo, emudecendo diante do reajuste de impostos pelo Governo do Estado. Os comerciantes estão pagando o ICMS na retirada da mercadoria, antes de vendê-la, o que contraria qualquer lógica legal ou de mercado. O capital de giro das empresas vai sendo, progressivamente, transferido para o caixa estadual. O que faz o pequeno comerciante? Simplesmente manda o burro adiante e repassa o reajuste para o preço da mercadoria. Ninguém, nenhuma liderança desse setor empresarial, diz absolutamente nada.

Agora vem o caso dos preços nos estacionamentos. Os proprietários parecem ter dito: “Ah é? Querem mexer no nosso lucro? Pois então aguentem que eu vou cobrar mais caro”.

Cadê a nossa capacidade de ir para a rua e mostrar a esse pessoal que não aguentamos mais abusos? Para alguns, inclusive com poder de mando, é mais fácil cruzar os braços. Ou culpar o vereador Wilker Barreto. Ou pode abusar à vontade?

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6 comentários

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  1. Humberto Silva disse:

    trabalho na semef ha anos verificamos que as empresas de fachada que os shopping utilizam para gerir os estacionamentos vem sistematicamente sonegando ICMS porem nada posso fazer pois ha pessoas ….

  2. João Lúcio disse:

    Fala sério! Essa lei deve ser revogada em nome dos interesses coletivos.

  3. carlos disse:

    Na verdade as pessoas deviam se mobilizar e com a ajuda das redes sociais, determinarem qual shopping numa determinada semana nao frequentariam. Queda na procura, queda no preço. Só assim da pra fazer frente com esses empresários.

  4. David disse:

    O shopping ponta negra já encontrou uma alternativa ao imbróglio. Resolveu cobrar a primeira hora por 5 reais (1,25 a cada 15 minutos) e bonificar (isentar) a segunda e terceira. Desta forma, até a 3a hora fica tudo como dantes no quartel de Abrantes, mas a partir da quarta hora…

  5. Dino disse:

    Ao optar por adentrar nos estacionamentos privados com seus veículos, os consumidores recebem o ticket e firmam volitivamente com os estabelecimentos gardiões um contrato de prestação de serviços – guarda de seus veículos – cuja relação jurídica é qualificada como de consumo. A partir daí passam a ter a garantia de responsabilizar os guardiões por danos ou furtos ocorridos.

    O custo dessa segurança precisa ser compartilhado com os próprios beneficiários, então consumidores, especialmente com a cobrança de estacionamento. O valor cobrado deve ser suficiente para cobrir todas as despesas advindas da manutenção da segurança do estacionamento e da responsabilidade pela prática de ilícitos.

    Assim, nao poderia o Poder Público Municipal se imiscuir nessa relação jurídica e estabelecer limites, parâmetros e gratuidade pelo uso de estacionamento, já que não possui quaisquer responsabilidades por danos ocorridos nos automotores quando estão sob a guarda dos estacionamentos privados. Pela seara jurídica, prevê a Constituição Federal, em seu art. 22, I, que cabe à União legislar sobre Direito Civil, podendo inclusive através de Lei Complementar autorizar os Estados (não os Municípios) a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas no supracitado artigo (parágrafo único do art. 22 da Carta Magna).

    Aos Municípios, a Constituição Federal não outorgou essa faculdade nem em caráter comum (art. 23), nem em caráter privativo (art. 30). Essa competência permite aos entes federativos, União e Estados, o disciplinamento das obrigações e deveres no contrato de prestação de serviço firmado entre as partes envolvidas, não podendo, contudo dispor sobre a “gratuidade de estacionamento”.

    Calha mencionar que mesmo para aqueles que defendem a possibilidade de tal intervenção do Poder Público Municipal, a pretexto de tratar de uma limitação urbanística para os imóveis que dependam de autorização para funcionamento, tal argumento não prospera, pois o Direito Urbanístico cuida de impor restrições apenas no tocante ao uso do terreno (arruamento, alinhamento, nivelamento, circulação, funcionalidade, estabelecimento de número máximo de pavimentos ou de número mínimo de vagas a serem oferecidas), não tendo qualquer interferência, contudo, quanto a uma prerrogativa de se cobrar pela utilização da propriedade particular.

    Poderia se invocar vários ramos do Direito para tentar abrir caminho na seara interpretativa, pois inexistente previsão legal, para se permitir àqueles entes a concessão de gratuidade. Nesse diapasão, os princípios constitucionais da livre iniciativa, da livre concorrência e do consagrado direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CF/88), diante da Supremacia do Texto Constitucional, não sucumbem diante da legislação infraconstitucional que dispõe sobre quaisquer parâmetros para fixação de valores relativos à cobrança de estacionamentos nos estabelecimentos privados.

    Volvendo a relação de consumo, poder-se-ia questionar: Direito do Consumidor não é uma garantia fundamental? E as garantias ao consumidor reconhecido como vulnerável, hipossuficiente, reclamando boa-fé e equilíbrio nas relações firmadas entre consumidores e fornecedores tendo por base o estabelecido na Política Nacional das Relações de Consumo?

    Respondo, a cobrança de estacionamento não vulnera o direito do consumidor, na medida em que o mesmo não é obrigado a contratar o serviço de estacionamento prestado pelas propriedades privadas, podendo inclusive utilizar as ruas próximas para estacionar.

    No plano infra-constitucional, as limitações ao uso lícito da propriedade constituem ocupação do Direito Civil, matéria sobre a qual somente a União pode legislar (art. 22, inc. I, da CF). A discussão não alcança, portanto, o direito do consumidor.
    A Lei municipal nº 1.752/2013 padece de inconstitucionalidade formal (competência privativa da União) e material (restrição indevida ao uso da propriedade), como, aliás, já proclamou o Supremo Tribunal Federal em casos relacionados à imposição da gratuidade dos estacionamentos privados:
    “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL. ESTACIONAMENTO EM LOCAIS PRIVADOS. COBRANÇA. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 22, I DA CONSTITUIÇÃO. Esta Corte, em diversas ocasiões, firmou entendimento no sentido de que invade a competência da União para legislar sobre direito civil (art. 22, I da CF/88) a norma estadual que veda a cobrança de qualquer quantia ao usuário pela utilização de estabelecimento em local privado (ADI 1.918, Rel. Min. Maurício Corrêa; ADI 2.448, rel. Min. Sydney Sanches; ADI 1.472, rel. min. Ilmar Galvão). Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (ADI nº 1623, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, j. em 17/03/2011, DJe-072, p. 15/04/2011).
    “Não compete ao Distrito Federal, mas, sim, à União legislar sobre Direito Civil, como, por exemplo, cobrança de preço de estacionamento de veículos em áreas pertencentes a instituições particulares de ensino fundamental, médio e superior, matéria que envolve, também, direito decorrente de propriedade” (STF, ADI nº 2.448/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, j. em 23/04/03).
    “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 2º, §§ 1º E 2º, DA LEI Nº 4.711/92 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. ESTACIONAMENTO DE VEÍCULOS EM ÁREAS PARTICULARES. LEI ESTADUAL QUE LIMITA O VALOR DAS QUANTIAS COBRADAS PELO SEU USO. DIREITO CIVIL. INVASÃO DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO.
    1. Hipótese de inconstitucionalidade formal por invasão de competência privativa da União para legislar sobre direito civil (CF, artigo 22, I).
    2. Enquanto a União regula o direito de propriedade e estabelece as regras substantivas de intervenção no domínio econômico, os outros níveis de governo apenas exercem o policiamento administrativo do uso da propriedade e da atividade econômica dos particulares, tendo em vista, sempre, as normas substantivas editadas pela União. Ação julgada procedente” (STF, ADI nº 1.918/ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. em 23/08/01).

    Estes mesmos princípios foram utilizados pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para declarar a inconstitucionalidade de lei municipal que, em caso rigorosamente idêntico, obrigava o fracionamento da cobrança pelo uso de estacionamento:

    “ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. GARAGENS E ESTACIONAMENTOS. VEDAÇÃO DE COBRANÇA DE VALOR INTEGRAL DA HORA. Lei Municipal que proíbe garagens e estacionamentos de cobrar dos usuário o valor integral da hora quando utilizado por menos tempo. Intervenção da municipalidade nas relações privadas. Incompetência do município para legislar sobre a matéria. Violação dos artigos 170, 174, 24, V, todos da Constituição Federal. Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 8.539/99 e do Decreto nº 15.457/99, que a regulamentou. JULGARAM PROCEDENTE A ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNÂNIME” (TJRS, Incidente de Inconstitucionalidade nº 70041210154, Tribunal Pleno, Rel. Des. : Carlos Rafael dos Santos Júnior, j. em 18/04/2011).
    “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL. ESTACIONAMENTO EM” SHOPPING CENTERS “. REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é inconstitucional a lei municipal que dispõe sobre os preços de bens e serviços privados. Hipótese em que a Lei nº 1590/07 do Município de Novo Hamburgo regula o preço cobrado pelo uso de estacionamento em shopping center. Violação aos artigos 8º, 13, incisos I e II, e 158 da Constituição Estadual. Ação julgada procedente. Unânime” (TJRS, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70020029880, Tribunal Pleno, Rel. Des. Maria Isabel de Azevedo Souza, j. em 08/10/2007).

    Como visto acima esta lei é inconstitucional.

  6. joao souza silva disse:

    Um verdadeiro absurdo!!!! Primeiro por sancionar uma lei interferindo em um negócio particular (que, ao que parece, não recebe 1 centavo de subsidio do governo e que paga muitos impostos) e depois por regulamentar uma lei congelando preços!! (pode regulamentar um lei por decreto inserindo artigos diferentes da lei original??). Estamos voltando no tempo… além de abrir um precedente perigoso para qualquer negócio nessa cidade. Uma cidade como Manaus precisa se esforçar, até mais que as outras do país, para atrair investimentos, e não afastá-los. O que houve com o Manauara para “aderir” à lei?? Depois do fechamento do shopping…muita coincidencia, não acha? Ele está mais seguro agora?
    Vc duvida que o Manauara foi chantageado? Onde se quer chegar? pq ninguém vai a imprensa rebater? é medo do prefeito? Qualquer estudante de 1º período de direito sabe que essa lei é inconstitucional.
    E a população, em sua maioria ignorante, acha legal pq vai “economizar” R$2 ou R$3 reais…Economizar entre aspas mesmo, pq se a receita não pagar o custo da operação será cobrado de outra forma, afinal isso faz parte do negócio, gera emprego, etc. caso contrario o empresário fica em casa.
    Um tiro no pé!! Infelizmente.
    em tempo: qualquer pessoa que tenha viajado um pouco sabe que os valores dos estacionamentos do centro e de shoppings de Manaus estão entre os mais baixos se comparado com as outras capitais do país.
    Antes da “lei” quem ficava 31min já pagava R$5, portanto essa falácia de R$1,67 (5/3h)a hora é mentira!! Sinceramente, me parece estranho e demonização dos shoppings. O que espanta é que pessoas esclarecidas caiam nessa. E a imprensa caia junto.
    Estranho, muito estranho…
    Em resumo: Populismo barato com o dinheiro dos outros!! Por isso esse pais, em especial algumas regiões, não se desenvolve. Pq eles não começam a enxugar os custos das secretarias, verdadeiros cabides de empregos e exemplos de ineficiência e reduzem essa carga tributária estratosférica que pagamos em TODOS os produtos que compramos?
    Se pegarmos um onibus e andarmos 1km pagamos a mesma tarifa de quem anda por 15km! Pq o poder publico não faz o mesmo, visto que é uma concessão publica?????????? Esse sim é assunto de interesse coletivo, e não estacionamento de shopping.