O choro de Lindolfo, a paixão de Luiz Gonzaga e as confusões que revelam a atual falta de amor ao boi bumbá

O Festival Folclórico de Parintins, a mais expressiva festa popular do Amazonas, deitou bases sólidas ao longo de quase 50 anos, mas bebeu nas origens dos bumbás Caprichoso e Garantido, que este ano comemoram centenário. O amálgama do evento foi a paixão dos fundadores, entre os quais Lindolfo Monteverde, pelo Garantido, e Luiz Gonzaga, pelo Caprichoso.

Lindolfo, homenageado pelo Garantido no CD “Quem manda é a galera”, numa gravação resgatada dos arquivos do ex-apresentador Paulinho Faria, solta alguns versos e chora. Ele estava se recuperando de um derrame e canta num fio de voz.

Luiz Gonzaga, que durante mais de 30 anos “botou” o Caprichoso nas ruas, doente e proibido pelos médicos de participar da brincadeira, não tomou conhecimento do impedimento e dançou a noite inteira debaixo de Dona Aurora, a boneca de pano gigante do bumbá. Saiu, de madrugada, para falecer.

O fundador do Garantido chora. Quantas lembranças passaram por aquela cabeça encanecida, dos tempos em que o bumbá desfilava pelas ruas, com ele à frente, atraindo atenções, distribuindo alegria. Como deve ter sido difícil ouvir a própria voz, famosa pela potência, num registro quase incompreensível, frágil, fraco.

Um dos fundadores do Caprichoso, Luiz Gonzaga fazia enorme esforço para não deixar morrer a brincadeira. Mas tinha no desfile, embaixo da Dona Aurora, o grande momento pessoal. Era seu passatempo predileto. Deixar isso de lado era pior que a morte e ele exerceu seu direito de brincar, brincar e brincar… até o fim.

O choro de Lindolfo Monteverde e a paixão de Luiz Gonzaga são exemplos da paixão pelos bumbás. A festa chegou a um impasse na transmissão. O Garantido deve ter sua apresentação no bumbódromo transmitido pela Rede Calderaro/ Record News e o Caprichoso pela TV Amazonas/ Amazonsat. Interesses individuais e orgulho pessoal se misturaram para levá-la a esse gargalo, que pode prejudicar a divulgação nacional do Festival Folclórico.

Os bumbás sobrevivem aos indivíduos. Isso é história. A mesma história que tornou eternos os que souberam usar o esforço individual para torná-los ainda maiores e tudo fizeram para trazer mais e mais colaboradores para dentro da festa.

O exemplo está aí. É só seguir.

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8 comentários

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  1. Adanilson Lopes disse:

    “A festa chegou a um impasse na transmissão”

    Essas idiotices de orgulho e interesses pessoais financeiros, pode sim acabar com esse grande espetáculo, a rivalidade é linda, mas só pode ser aplicado na arena. A união dos bumbas é algo crucial para o grande desenvolvimento da festa. Em minha opinião, a escolha de emissoras e outros protocolos voltados para o interesse geral do festival, devem ser dirigidas pela prefeitura e governo de estado. Deixar algo tão valioso em mãos de pessoas tão mesquinhas… prejudica nossa linda Cultura.

  2. claudio pimentel disse:

    Eu como grande apaixonado pela cultura dos bumbás, fico muito entristecido ao ver que a cada dia nossa cultura vem sucumbindo, a falta de identidade nas agremiações, os grupinhos formados somente para atender interesse pessoais que em detrimento da grande maioria dos torcedores. Um ano especial o ano do centenário, ate mesmo os dias por grande coincidência retornam a 28 29 e 30. Mas creio que essas gestões fracassadas dos bumbás não ficaram mais e pessoas realmente compromissadas com a cultura conduziram os rumos da nossa cultura riquíssima de beleza e conteúdo.

  3. Adriana disse:

    Melhores férias de minha vida: 15 a 30/6/1991, em Parinitins. Participei dos ensaios nos currais, assisti as apresentações dos bois mirins. Quanta saudade…

  4. Oscar Penha Filho disse:

    Tens que entender que Roque fundou o caprichoso, quando ele faleceu o Luiz Gonzaga assumiu e assim foi, morre Luiz, assume seu Luiz morador da cordovil, são pessoas abnegadas que não deixaram a peteca cair.
    Hoje, o que muda são os presidentes, mas o fundador chama-se Roque Cid. Vc queira ou não queira foi ele. OK?
    Um abraço.

    RESPOSTA:

    Oscar, pra você ver como são as coisas.
    Depois dos fundadores, ainda teve pelo meio o Nilo Gama, antes de tio Luiz Gonzaga assumir o comando solitário, entre 1937 e 1967, quando faleceu. E depois dele, antes de “seo” Luizinho, veio minha tia Osmarina, esposa de Santarém, que cedeu o terreno da Sá Peixoto para a mudança do bumbá da Rio Branco, o berço do Caprichoso. Vieram o Élcio Cruz, o Zazá e, depois, vários outros, como Acinélcio Vieira e Dodozão e Dodozinho carvalho, que foram, igualmente, padrinhos do bumbá. Como esquecer, na formação do que hoje é o Caprichoso, de Raimundo Dejard Vieira, o Didi Vieira, e de Elias Assayag, pai de Simão, Zezito e Élcio, avô da eterna cunhã-poranga Daniela Assayag, os financiadores da brincadeira ao longo de tantos anos – exatamente como o foi Antônio Maia, pai de Emerson Maia, no Garantido?
    Como você vê, mais do que eu quero ou deixo de querer, é a História do Caprichoso que grita para não simplificar o que é belíssimo, em sua variedade e complexidade.

    1. Alcimar "Solares" França disse:

      Ao Oscar Penha!
      Roque Cid fundou o Galante…. Que mais tarde viria a ser Caprichoso!

  5. Sinara Rosa disse:

    Sou louca pelo garantido, pra vcs terem uma ideia não uso nada azul de tanto amor ao meu boi, mas sou uma torcedora pé no chão, quando ta bom, tá bom… elogio e dou méritos, mas quando não tá… sem criticar também!
    No ano do centenário meu boi ganhou, clero que era isso nossa nação queria, mas pra falar a verdade não me convenceu, alias nenhum dos bois me convenceu. Você vai contar uma história de 100 anos e esquece toda a trajetória dessa caminhada, faltou muita coisa, um vazio tão grande que as vezes tava chato de assistir, de todos os dois lados. Os irmãos apresentadores muito chatos, um queria gritar mais que o outro, os amos levaram tudo pro pessoal, alguns ítens acho que já fizeram sua parte. Em fim… nossa cultura é linda, emocionante não existe em lugar nenhum do mundo torcidas como as nossas é de arrepiar tanto uma quanto a outra, mas os bois precisam de inovação e urgente, se não tudo isso pode ter prazo de validade!!! paz e bênçao a todos…..

  6. Jose Santos Neto disse:

    …è o capitalismo cruel meu camarada. Os bois tem que fazer como a Liesa no Rio de Janeiro organizar tudo sem interferencia do Governo.Os bois são os donos da festa, mais se o Sr. Roberio Braga não estiver no comando nada se realiza. Os bois tem que: Encontrar Patrocinadores, Transmissão pela TV/Radio, vender os ingressos, 100% do arrecadado tem que ser dos bois e não 90% para os atravessadores e 10% para dividir entre os que realmente fazem a festa – GARANTIDO E CAPRICHOSO

  7. sonia memoria disse:

    A verdade que o tempo não deve apagar.
    Apesar de nao ser adepta do Boi, justiça deve ser feita. O amigo Marcos Santos escreveu muito bem acerca do nome do senhor Luiz Gonzaga, que recebu medalha Ruy Araujo in memoriam pela resolução Legislativa 311, cujo n° PL que deu origem de n° 10, publicada D.Of n° 29679 de 27/06/01, e foi a sansão governamental em 06/06/01, e hoje tem seu nome praticamente apagado na memoria como fundador do boi. pelas relevantes contribuições prestadas à cultura popular do Estado do Amazonas e, em especial, ao Municipio de Parintins, sua esposa Maria Jose Gonzaga, recebeu justa medalha do entao presidente que na época era o senhor Deputado Lupercio Ramos.