Razões para se orgulhar do novo senador do Amazonas, Arthur Virgílio Filho, que teve o mandato devolvido postumamente

Saiu num canto de página, nos jornais de ontem, a devolução simbólica do mandato do Senador Arthur Virgílio Filho. Não, não estamos falando do prefeito de Manaus, que é Arthur Virgílio Neto. Foi o filho, herdeiro do nome do saudoso desembargador Arthur Virgílio, integrante da leva de imigrantes pernambucanos que implantou o Direito no Amazonas – o curso da Ufam e a magistratura –, falecido em 1987, quem recebeu essa significativa homenagem do Senado Federal.

Arthur Virgílio é, portanto, ainda que postumamente, o quarto senador do Amazonas na atual legislatura.

A homenagem é merecida.

Arthur Virgílio Filho, candidato a deputado federal, incentivou, apoiou e pediu votos para o recém-formado advogado Almino Afonso. Almino regressava ao Amazonas, depois dos anos de estudo, sem nenhuma base eleitoral. Arthur Filho, ao contrário, tinha a eleição dada como certa. Convencido do talento do amigo, Arthur conduziu as duas candidaturas, sem fazer um comício em que não pedisse votos para os dois e acabou elegendo o depois brilhante ministro do Trabalho de João Goulart e vice-governador de São Paulo de Orestes Quércia, que hoje mora na capital paulista.

Os dois, Arthur Filho e Almino Afonso, bolaram centenas de emendas ao Orçamento da União, aproveitando os cinco minutos oferecidos pelo regimento da Câmara Federal, por cada emenda, para o autor defendê-la na tribuna. Quando tinham discursado algumas dezenas de vezes, o presidente da Casa, Ranieri Mazzili, percebeu a manobra e chamou os dois à mesa. “Desse jeito não vamos votar o orçamento e o País vai parar. O que vocês acham que estão fazendo?” Foi então que os dois traquinas confessaram que Manaus, após ter sido a primeira cidade brasileira a ter iluminação pública, no Período Áureo da Borracha, estava às escuras (década de 1960) e precisava de uma usina de energia. E arrancaram o dinheiro para construir a Central Elétrica de Manaus (CEM).

Foi Arthur Filho, também, na condição de deputado federal, o autor da emenda que criou a Universidade do Amazonas, hoje Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Ele mesmo pode concretizar a iniciativa, em seguida, como Senador e líder do Governo João Goulart. Parênteses: da Escola Universitária Livre de Manaós, fundada em 1909, pioneira no Brasil, restou apenas o curso de Direito.

Como presidente do INSS, durante o Governo Sarney, integrou a equipe, comandada pelo ministro da Previdência Waldir Pires, que deu o único superávit da História para a previdência social brasileira.

Mas o principal legado de Arthur Virgílio Filho é a coragem cívica.

Outro dia, dirigindo no trânsito engarrafado de Manaus, ouvia a Voz do Brasil e fui surpreendido por aquela voz meio apagada pela qualidade da gravação e ainda assim firme, dura, grave, num discurso contundente. Atacava a ditadura. Defendia a Democracia como conquista civilizatória. Vi-me conduzido ao cenário da época, com tanques nas ruas, prisões, deportações e cassações pipocando a torto e a direito, no momento da edição do Ato Institucional Nº 5, o AI-5. Era a hora da votação. A voz encaminhava o voto da bancada do PTB, que liderava, liberando os que sabia temorosos e, mesmo sob ameaças, deixando claro que votaria “não”.

Enfrentou a ditadura de frente. Veja um trecho de discurso proferido, em 1965, na tribuna do Senado, àquela altura sitiada pelas tropas:

“Eu me sentiria mal comigo mesmo se não marcasse a minha posição nesta hora, se não dissesse aquilo que acho que é dever de cada um de nós dizer, neste momento, se não afirmasse alto e em bom som, quando se aproxima a implantação da ditadura, que não aceito, porque toda ditadura é infame, é vil, é ignóbil. E aquilo que é infame, que é vil, que é ignóbil, o homem de bem não pode aceitar. O homem que preza a liberdade, que ama a liberdade, não pode tolerar nem admitir. Porque, sob uma ditadura – que é sempre vil, ignóbil e infame –, se o homem se rebaixa, se diminui, se degrada à mais ínfima condição”.

E, mais à frente, no mesmo pronunciamento:

“Cada um de nós já decidiu até quando aguentará isto, como eu o fiz, Sr. Presidente, para declarar que o meu dia de resistência já cessou. É humano o medo e eu devo ter tido medo ontem, devo ter tido medo ainda há pouco. Hoje, não tenho mais medo, Sr. Presidente. Já me sobrepus a mim mesmo, já me sobrelevei a mim mesmo, já marquei a minha condição humana para declarar, perante o Senado, que não tenho mais medo. Enfrentarei a situação que vier, seja ela qual for, arrostarei as consequências do que vier para o nosso País, sejam elas quais forem, para poder voltar à minha casa de cabeça erguida, para encarar os meus eleitores de fronte levantada, para dizer a meus filhos, amanhã, pelo menos, que dei o exemplo de ter superado o medo.”

“Quero apenas repetir, como exemplo, as palavras do líder da libertação dos Estados Unidos da América do Norte, quando, na convenção da Filadélfia, dirigia-se aos seus patrícios declarando: ‘Deem-me a liberdade ou deem-me a morte’. De fato, Sr. Presidente, que sentido poderá ter a vida sem liberdade?”

É este homem, Arthur Virgílio Filho, que o Amazonas hoje volta a se orgulhar de ter como Senador, mesmo após 35 anos de sua morte.

O desembargador Arthur Virgílio (de preto), ao lado do senador Arthur Virgílio Filho, que carrega no colo o futuro senador e prefeito eleito de Manaus, Arthur Virgílio Neto

O desembargador Arthur Virgílio (de preto), ao lado do senador Arthur Virgílio Filho, que carrega no colo o futuro senador e prefeito eleito de Manaus, Arthur Virgílio Neto. Foto: Álbum de família

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5 comentários

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  1. Francisco C R Cruz disse:

    Pelas ruas de Manaus, num velho Jeep, no início da adolescência fiz campanha para esses dois guerreiros. Quanta bravura e Dignidade!

  2. Jivago Alencar disse:

    Tenho 26 anos, ouvir e ver quem foi Arthur Virgílio filho é surpreendente, nobre senador que honrou seu estado com dignidade e coragem. parabéns ao senado federal justa homenagem.

  3. elizabeth sa disse:

    Sinto muito orgulho de ser sobrinha desse admir,avel ser humano e pude gracas a DEUS com ele conviver.Homenagem mais que justa.

  4. Carla disse:

    É sangue bom.

  5. Acompanho sua matéria jornalística a muito tempo, e cada palavra que você escreve é salutar aos olhos atento do amigo que fui e conheci quando eu era jovem.As palavras descritas me dá saudade e emoção ao lembrar do velho amigo “SENADOR”.