Prefeito, pelo critério Jaime Lerner

Torna-se cada vez mais axiomática a resposta do ex-prefeito e ex-governador Jaime Lerner, que é arquiteto de formação, sobre sua fórmula para se tornar o melhor prefeito da história de Curitiba (PR): “Prefeito tem que, antes de mais nada, gostar da sua cidade”. As entrelinhas do que ele disse, porém, são bem mais profundas que imagina a maioria.

Qual a forma como um prefeito de Manaus, por exemplo, deve amar a cidade?

Não pode ser de forma convencional. Tem que conhecer, como a palma da mão, a história de Georges-Eugène Haussmann. Nomeado prefeito de Paris por Napoleão II, entre 1853 e 1870, ele revolucionou o traçado urbano da cidade, entrando para a história como “O barão Haussmann” ou “O artista demolidor”.

Paris era um intrincado de vielas. Quem viu a versão cinematográfica de “Os miseráveis” tem uma noção da precariedade sanitária e urbana, tão bem retratada por Victor Hugo. Haussmann pôs quase tudo abaixo e preparou as vias com tal clarividência que até hoje tornou a nova Paris um exemplo de urbanismo para o mundo.

Manaus precisa de alguém disposto a meter a mão na enorme cumbuca que é o Centro. A área ao redor do Douro, no Centro da cidade do Porto, em Portugal, tem as mesmas características da parte central de Manaus, mas, ao contrário do que se vê por aqui, onde há muitos prédios abandonados ou subutilizados, na congênere portuguesa tudo está vivo e funcionando – embora com igual aparência de velho e abandonado.

Uma cidade moderna não se pode dar ao luxo de possuir tantas ruas bruscamente cortadas por prédios. Eduardo Ribeiro, que para na Praça do Congresso, e Djalma Batista, “distribuída” entre Comendador Clementino e Joaquim Nabuco, são bons exemplos do quanto isso engargala o trânsito.

Na capital amazonense, parque é sinônimo de obra. Apresento, abaixo, foto de um dos parques mais conhecidos do mundo, nos arredores da Fortaleza de Milão. É o fim da primavera. Ganha um doce quem encontrar um prédio nesse local. O bosque e o gramado, porém, são perfeitos. As pessoas se jogam no chão para saudar a chegada do sol.

Milaneses se jogam no parque para saudar a chegada do sol da primavera

 

Sei que temos problemas para fazer uma obra assim. Estamos carentes de espaços amplos e ainda capazes de abrigar um parque com essas características.

O Parque do Mindu, que tem muita mata e água, virou mais uma área de preservação natural (com os méritos dessa opção), que um local para ser frequentado, para utilização pela comunidade. Locais assim, no meio da cidade, tendem a sofrer contínua pressão imobiliária – basta ver que até posto de gasolina foi construído dentro da área demarcada.

Perdemos a excelente oportunidade de criar algo parecido – com fonte natural, lago e até um criatório bem fornido de tambaqui e quelônios – nas terras onde hoje se localiza a antiga Invasão do Carbrás, hoje Parque São Pedro. A Prefeitura e o INSS tinham aquilo nas mãos, por dívidas com o IPTU, previdenciárias e trabalhistas, mas a desapropriação só se impôs depois que tudo estava (mal) arruado e (mal) habitado.

Resta-nos o Parque Sauim Castanheiras, na Estrada do Aleixo, após a antiga Escola Agrícola. Ali está se tornando um refúgio de vida selvagem que pode muito bem oferecer à cidade um local diferente, bem ao gosto do turista e do morador.

Temos ainda as matas do Centro de Instrução de Guerra na Selva (Cigs). Algum dia, algum prefeito que ame de verdade a cidade, ainda vai negociar com as Forças Armadas para oferecer outra terra, devidamente estruturada, em troca daquela, cuja cobertura florestal o próprio Exército vai, paulatinamente, retirando.

Vejo com muita alegria o esforço do Roberto Moita e outros arquitetos em tentar mexer com a cara da cidade. Ele tem viajado e, com o conhecimento técnico que possui, certamente olha as coisas de uma forma diferente. A comunidade que criou no FaceBook tem sido frequentada por gente com boas ideias.

Manaus, enfim, está assistindo à enorme reforma feita pelo Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (Prosamim). Retira milhares de famílias das margens dos igarapés. É hora de alguém pensar em fazer uma mexida assim nas ruas do Centro. Criar, como diz a arquiteta Patrícia Padilha, uma landscape, uma paisagem, que seja a cara de Manaus, nosso cartão postal, na margem do rio Negro.

No São Raimundo, área privilegiada pela natureza, os terrenos estão sendo engolidos pela erosão. Com uma boa negociação, qualquer proprietário com juízo aceitará mudar para um apartamento, em área contígua, que mantenha a visão, enquanto a Prefeitura ou o Governo do Estado poderão revitalizar toda a área, devolvendo-lhe a vocação turística.

Gosto muito das praças, cheias de pequenos restaurantes, que povoam as cidades europeias. Seriam excelente substitutas, quando e se organizadas, para as barriquinhas dos vendedores ambulantes que oferecem comida sem qualquer controle sanitário.

Prefeito de Manaus precisa amar de verdade a cidade. Como o de qualquer outra. Com a diferença que esse amor será cheio de renúncia e sacrifício. Talvez o fim de uma trajetória política. Com certeza, nada que abrigue o carreirismo, que, aliás, é o grande responsável por tudo de ruim que nossa cidade acumulou até hoje.

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1 comentário

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  1. maria jose disse:

    Isso aí, amar a cidade! nossa cidade é carente de pessoas que a amem e a respeitem como merece! Nós precisamos ajudar, com nossa arma: O VOTO! vamos acordar Manauaras..