Entre o requiem e o rebirth no Festival de Parintins ou três noites intermináveis

Entre requiem e rebirth

Entre requiem e rebirth, a análise do Festival de Parintins onde Patrick Araújo (foto), foi “o cara”. Foto: Marcos Santos

O 55º Festival Folclórico de Parintins foi anunciado como “o maior festival de todos os tempos”. De público, talvez. Pode ter beirado os antológicos dias do Chapão lotado e marinheiros brigando por vaga nos portos. Já na arena… Só o carisma individual de um Israel Paulain e o talento de outros, como Patrick Araújo, evitaram o pior. O que se esperava fosse um rebirth, após dolorosos dois anos sem a festa, está mais perto de um requiem. As três noites de 2022 insistem em não acabar.

(parênteses) Meu conhecimento de latim não chega nem a ser pífio. Mas requiem significa descanso e dá nome às celebrações religiosas fúnebres. E rebirth é renascimento. Pronto. Tudo latim (fecha parênteses).

O Caprichoso é campeão. Os artistas estão pagos ou, pelo menos, até agora, não houve reclamação. Isso apaga qualquer análise crítica, para muitos. Tanto que, se ganhasse, até o escândalo administrativo do Garantido seria removido para debaixo do tapete.

É preciso repetir: nota de jurado não reflete o Festival de Parintins. Nem é parâmetro para medir qualidade ou eficiência dos bumbás. Até o saudoso Paulinho Faria foi derrotado, numa das maiores aberrações da festa.

Não esqueça: os dois bumbás recebem os mesmos valores. As apresentações na arena refletem a capacidade administrativa de cada um.

 

Antônio Andrade

O presidente do Garantido, Antônio Andrade, deu entrevista lapidar ao radialista Gil Gonçalves, da Rádio Clube de Parintins. Está na berlinda, desde que os fogos de artifício da primeira noite não estouraram.

Fogos estão para os bumbás – e o parintinense em geral – como o vinho para enófilos. A justificativa: “Não tinha mais dinheiro”. O fato: a empresa responsável montou tudo, na Praça dos Bois, e ficou esperando o pagamento, que não veio. Recebeu na segunda noite e estourou os rojões. Na terceira, de novo, não recebeu. Bastava passar a sacola nos camarotes e esse dinheiro, raso, apareceria. Faltou comando, iniciativa.

Pior que isso, a quase completa imobilidade das alegorias espantou o Bumbódromo. Justo no Garantido, onde o movimento surgiu com o Boi Biônico, de 1976, do artista Jair Mendes. “Não deu tempo de chegar uma tecnologia ultramoderna que a gente ia usar”, justificou Andrade. Em Parintins? No lugar que concebeu Jairzinho Mendes, o cara que substituiu as gruas de Hollywood, implantou meia dúzia de fios e encantou o Carnaval Carioca com o movimento da Águia da Portela? Faça o favor!

 

Resultado

Sempre há os que, olhando o mapa de votação, encontrem pelos em ovos:

“Sem descarte, o Garantido teria ganho”. Descarte existe desde 2006 e já deu várias vitórias ao vermelho e branco.

“A gente perdeu, mas perdeu por pouco”. Verdade. E isso merece uma reflexão, na ficção de que as notas dos jurados sejam, como são para alguns, verdades absolutas.

O investimento mais pesado dos bumbás está nas alegorias. Entre elas, a cada noite, o que consome mais recursos é o ritual. São elas que dão o brilho e a grandiosidade que impressiona a todos.

Alegorias valem exatamente a mesma coisa que itens individuais, em termos de nota e para a decisão do espetáculo. A fantástica obra, da criação genial do artista parintinense, capaz de cobrir, inteirinha, a arena do Bumbódromo, é menosprezada no julgamento.

Daí que itens individuais comprometidos, sabendo que o bumbá foi mal administrado e enfrenta problemas, dando tudo de si, mais a experiência, talento, carisma e energia de apresentadores, como são Israel Paulain e Edmundo Oran, podem enfrentar e vencer a capacidade administrativa que fez o dinheiro dos patrocinadores chegar às alegorias.

Sim, o Garantido por pouco não venceu o Festival de Parintins de 2022. A diferença foi de 0,8 décimos (1.259,3 a 1.258,5). E, se tivesse vencido, seria um descalabro ainda maior, um prejuízo inimaginável à festa, depois do desmonte que se viu, com demissões e troca de acusações, antes mesmo da divulgação do resultado. Mas não seria tão absurdo assim, do ponto de vista do regulamento, dos critérios de julgamento.

Vencesse o Garantido e estaria pronta a receita do restaurante que gasta milhões divulgando a inauguração, entope a casa, mas oferece uma comida ruim, com péssimo atendimento. Foi por pouco.

É mais uma demonstração, se já não bastassem tantas, de que os critérios de julgamento precisam ser atualizados. Alegoria, ritual etc. não podem ter o mesmo peso que itens individuais. Essa correção é urgente.

O vencedor, Caprichoso, aquele que pagou as contas em dia e usou melhor a verba dos patrocinadores, não teve a mesma garra do Garantido. Faltou um pouco mais de sangue e suor na arena. Ainda bem que a galera azul e branca entendeu que a arquibancada rival estava carregando o vermelho e branco nas costas e fez sua parte, provocando um justíssimo empate no item.

 

Tempo é dinheiro

Outra coisa é o tempo de apresentação e o horário do início da festa. É pra repetir? Então lá vai: em Las Vegas, meca do show business, os shows iniciam às 19h. Até 23h, no máximo, todos os espectadores estão livres para gastar nos cassinos, bares, restaurantes e boates. É assim que a economia gira.

Em Parintins, o show começou, este ano, às 20h30. Com duas horas e meia para cada bumbá, mais meia hora de intervalo, o término ocorreu às 2h.

Mesmo quem vai para um confortável camarote não tem disposição para mais nada. Agora imagine o torcedor, as galeras, a alma da festa! É cruel. Eles chegam à fila na madrugada anterior, atravessam o dia e gritam, pulam, cantam, vibram durante o enorme tempo de seu bumbá. É por isso que, após a primeira apresentação, o saldo é uma melancólica arquibancada do Bumbódromo vazia.

Início às 19h. Duas horas para cada boi e intervalo de meia hora. Espetáculo encerrado às 23h30. A cidade ia bombar, com o dinheiro girando e os investimentos retornando para o sofrido empresário local.

Um empresário manauara colocou R$ 2 mil no bolso, disposto a gastá-los em Parintins. Chegou sexta, perto do início da festa, e foi direto para o Bumbódromo. Voltou exausto para o barco. Dormiu quase o dia todo e, ao acordar, tomou umas do estoque da embarcação. Foi assim nas duas noites, já que não ficou para a terceira. Os R$ 2 mil voltaram à capital, no bolso dele.

 

Patrick, David, Edilson, Márcia, Sebastião

Patrick Araújo, estreando com brilho, é “o cara” do 55º Festival de Parintins. Sebastião Jr, o segundo “cara”. Tio e sobrinho, ambos de Juruti (PA), foram os grandes protagonistas da festa.

Sabá, com sua despedida, ainda na passagem de som do dia 26/06, provocou toda a interminável crise no Garantido. Expôs os intestinos da má gestão de Antônio Andrade e companhia. E recebeu em troca um coro de “fica Sabá” e “fora Antônio Andrade” da galera. Uma vitória e tanto para o menino tímido que, anunciado como substituto de David Assayag, duas semanas antes, subiu as escadas do item, até atingir o topo da empatia com os torcedores.

Patrick estreou seguro e frio como um veterano, enfrentando, de igual para igual, três das maiores feras da toada em todos os tempos. Lembrou o saudoso Arlindo Jr. estreante de 1989. Um achado e tanto, que o Caprichoso deve tratar de cultivar.

Todos sabiam, desde o início, que não funcionaria essa combinação de quatro levantadores de toadas. Edilson Santana, que parece ter um afinador nas cordas vocais. Márcia Siqueira, uma das melhoras cantoras do País. Sebastião Jr. junto e misturado com a torcida. E David Assayag… Bem, esse merece um capítulo à parte.

Arthur Virgílio, então senador, havia sido criticado por Chico Buarque de Holanda. Foram pedir uma resposta dele ao autor de “Construção” e “Vai passar”. A resposta foi, mais ou menos, assim: “Depois de tudo o que já produziu, Chico Buarque pode dizer o que quiser e temos que respeitar”.

David Assayag, intérprete de “Vermelho”, representa mais até, para o Festival de Parintins, que Chico Buarque para a música brasileira. Tem que ser respeitado. Aquela imagem melancólica da Voz da Amazônia, no meio da arena, sem fazer nada, pajeando um Edilson Santana, que não precisa disso, foi de cortar o coração.

Respeitem o Rei. Ignore os ignorantes, Imperador. Você é maior que tudo isso.

Festival de Parintins é uma festa do povo. Nem Antônio Andrade, nem ninguém, será capaz de sufocá-la. Que venha 2023.

Veja também
1 comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Daniel Salles disse:

    Muito boa explanação.