Ataques do crime organizado em Manaus, os detalhes do Panavueiro que parou o Amazonas

Ataques do crime organizado em Manaus

Ataques do crime organizado em Manaus, que teriam sido deflagrados por causa da morte de Dadinho (foto), em tiroteio com a polícia, têm muito mais coisa por trás

O dia em que o Amazonas parou. Sábado (05/06), quando policiais das Rondas Ostensivas Cândido Mariano (Rocam) responderam ao fogo e mataram Erick Batista Costa, o Dadinho, o estopim acendeu. Os criminosos do Comando Vermelho (CV) atenderam ao apelo de Ton Costa, irmão de Dadinho, buscando vingança. Os dois estão entre os 13 “conselheiros” do CV no Amazonas. Ônibus e diversos outros veículos foram incendiados. Até delegacias sofreram ataques. Os atentados ocorreram em Manaus, Careiro Castanho, Parintins e Iranduba, em maior escala. Em todo o interior, algum criminoso, da maior à menor expressão, quis mostrar serviço ao comando. O resultado é que domingo (06/06) e segunda ficou perigoso sair de casa. As aulas foram suspensas, nas redes pública e privada, do Ensino Fundamental ao Ensino Superior. Como isso aconteceu? Vamos tentar entender o panavueiro.

 

O básico

É preciso olhar a árvore, mas pensar na floresta. O Amazonas é a fronteira brasileira com os maiores produtores de maconha, Bolívia, e coca, Peru. O maior produtor de cocaína, Colômbia, e Venezuela, tida como um dos espaços mais permissivos para o tráfico internacional, também estão na borda brasileira amazonense. O resultado é que o Estado se tornou um corredor de internação (para dentro do Brasil) e exportação (exterior) de cocaína e skunk, a maconha industrializada.

 

O básico (2)

Outro fator importante é que o consumo de drogas aumenta cada vez mais. E, como todo produto da cadeia econômica, elas dependem de consumidor. O mais rico segmento econômico do mundo, o tráfico de drogas, que tem como rival apenas o tráfico de armamentos, é inflado diariamente. Quem dá um “tapa” num cigarro de maconha ou cheira uma carreira de cocaína estimula a violência e contribui para as mansões, lanchas e carrões dos traficantes.

 

Prisões

O CV não reagiu à prisão do gerente financeiro do grupo, Ocimar Prado Júnior, o Coquinho, em maio, pela Polícia Federal (PF). Ele estava numa mansão de luxo, no Rio de Janeiro. Tampouco se mexeu com a prisão de Emmanuel da Silva Teles, o Ling, em Porto Alegre, em fevereiro. Ling era “o cara” do arsenal de armas dos criminosos. Os dois, também integrantes dos tais 13 conselheiros, foram alvos da Operação Nômade. A PF agiu em conjunto com a Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas (Seap).

 

Morte e presídio

O problema é que nenhum dos chefões, presos anteriormente, foram mortos, como Dadinho, mas apenas presos. O CV, como todo o crime organizado, dos rivais Primeiro Comando da Capital (PCC) até a combalida Família do Norte (FDN), se alimenta dos presídios. É por isso que só a morte elimina a liderança.

 

Entenda a cadeia

As autoridades dividem os presídios em “raios” (pavilhões). Se facções rivais ficarem juntas acabam se matando. É assim em todo o Brasil. As regras prisionais não oferecem instrumentos para parar esse, sem trocadilho, encadeamento.

 

Ordem não veio da cadeia

A ordem para os ataques não veio da cadeia, como supunham as autoridades. Ton Costa foi solto, em 26/03/2019, e está em liberdade provisória, por decisão do Tribunal do Júri. A ordem, além dele, teria vindo de “comandantes” do Rio de Janeiro. Os criminosos conhecidos como Caio, Jhonson Playboy e Salão teriam participado.

 

Fragilidade

Os ataques mostraram fragilidades do sistema de segurança. O crime age por princípios muito claros, a ousadia e o inusitado: quem imaginaria a ousadia de queimarem ônibus nas garagens – onde a segurança das empresas deveria agir? Ou a Bola das Letras, iluminação feérica, no meio de uma das rotatórias mais movimentadas de Manaus e recém-reformada? Ou até delegacias?

 

Lealdade

Um dos especialistas ouvidos pela coluna explica a razão de a ordem do CV ser obedecida cegamente: lealdade. Mas esta se reveste de uma ética, digamos, diferente. Ton e os demais acionaram os “tenentes”, que acionaram os “soldados”. Estes precisam cumprir a ordem para manter “privilégios” oferecidos pela cúpula. Que privilégios? Os principais são fornecimento de drogas, proteção na cadeia e apoio aos familiares. E se o “soldado” não cumprir a ordem (“vai lá e toca fogo!”) pode pagar com a própria vida. Não é difícil angariar “lealdade”, num contexto assim.

 

Erros do CV

O CV, porém, antes que se imagine ter se transformado na “força superior das coisas”, demonstrou pelo menos dois erros crassos nas ações de domingo e segunda:

1) deixou vazar que estava reagindo a possível achaque da segurança pública, mas não apresentou prova nenhuma. Valeu-se, claramente, da propagação de “salves”, como são chamadas as ordens enviadas do presídio, por internautas desavisados ou querendo posar de “informados” nas redes sociais. Isso significa que, com todo o poder do tráfico, as lideranças não foram capazes de cunhar provas claras do achaque. O fato de terem lançado mão da violência significa que não possuem tais provas. E os meios tecnológicos atuais permitem obtê-la, com relativa facilidade. Ficou a palavra dos criminosos contra a das autoridades;

2) nomearam como alvo, nesses mesmos “salves”, o secretário estadual de Segurança, Louismar Bonates. Se os atendesse com a demissão do secretário, Wilson Lima podia passar também as chaves da sede do governo para o CV. O papel de Bonates, por outro lado, é justamente incomodar os criminosos. E acabaram passando para a opinião pública uma ideia há muito cristalizada: ninguém pede para sair, alguém que não esteja incomodando.

 

Policiais presos e o MPE-AM

As recentes prisões de policiais Militares (PM) e Civis (PC), por envolvimento com o tráfico de drogas, mostram que o achaque existe. Cabe agora ao Ministério Público Estadual do Amazonas (MPE-AM) investigar, aclarar e buscar punição para os culpados. Isso é imediato.

 

Presos libertados

Quem acabou se beneficiando da confusão toda foram os cinco presos na Operação Sangria 4. Sairiam às 6h, o nascer do sol, de segunda (06/06). Saíram meia-noite, longe dos holofotes, diante do evidente risco nos presídios.

 

Troféu

Os cinco possíveis autores da ordem para os ataques estão sendo cassados, na periferia de Manaus e no morro do Rio de Janeiro. As prisões deles são o troféu que a polícia amazonense pretende exibir, após a crise. “Ton, Caio, Jhonson Playboy, Salomão e Barriga não vão mais dormir até caírem”, disse uma fonte policial. As outras 35 prisões, já efetuadas, seriam apenas o começo.

 

Política

Na política, os pré-candidatos de 2022 se assanharam. Amazonino Mendes, por exemplo, derrotado em 2018 por Wilson Lima e sumido logo depois, reapareceu. Primeiro para dizer que foi vacinado em São Paulo, onde está morando – sem que tenha dado sequer pêsames aos milhares que morreram no Amazonas, durante a pandemia. Depois fazendo críticas, com aquelas famosas afirmações feitas com a cabeça acenando negativamente, ao modo como a segurança está sendo conduzida – como se o Estado fosse um paraíso nas cinco vezes em que foi governador, quando podia ter cortado esse mal pela raiz.

 

Política (2)

A coluna andou lendo pesquisas. O “preditor de voto” de 2022 chama-se proposição. Isso mesmo. Como o Amazonas enfrentará a crise pós-pandemia? Como enfrentar o alagamento, cada vez mais comum, provocado pela enchente no Centro de Manaus e de quase todos os Municípios amazonenses? Ideias factíveis, inclusive do ponto de vista do financiamento, são o pulo do gato. Críticas do tipo bate-estaca não dão voto. Até enfraquecem os alvos, mas não beneficiam os que lançam mão delas. Basta ver o que conseguiram os “Ferrabrás” (clique no link para entender) nas últimas eleições. #fica a dica.

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