Festival de Parintins chega aos 53 anos ainda usando fraldas e precisando de profissionalismo fora do Bumbódromo

Festival de Parintins chega aos 53 anos ainda usando fraldas

Festival de Parintins chega aos 53 anos ainda usando fraldas, fora do Bumbódromo, sem acompanhar o talento dos artistas e dos itens como as cunhãs. Fotos: Marcos Santos

O Festival de Parintins, que acaba de concluir a 53ª edição, virou um senhor maduro, mas continua usando fraldas. O evento está no topo de elementos como criatividade, brilho, inventividade, alegria. Faz pouquíssimo por coisas como atratividade, divulgação, estrutura e organização. Atingiu o auge como festa. Precisa fazer mais pelo produto ou sofrerá ciclos de crises, como aconteceu recentemente. Este ano, espera-se pelo menos, ninguém atirou no próprio peito e pagou facínoras conhecidos para fraudar o resultado.

Fraldas? Sim. A festa levou um soco de pugilista peso-pesado quando o governador José Melo anunciou que não haveria patrocínio governamental. Quase não acontece. Só aconteceu porque, no final, Melo caiu em si e forneceu a estrutura básica de saúde, segurança e até patrocínio. Anunciou em entrevista coletiva que não daria e deu na surdina. Fez o oposto do proposto por Maquiavel, para quem o bem deve ser ministrado em conta-gotas e o mal de uma só vez.

A dependência governamental é terrível. Traz males que vão do engessamento da organização às indefectíveis escaramuças com prepostos. O mal humor transita pelos bastidores do Bumbódromo, como se fosse um fantasma da ópera. Isso não teria razão de ser, se os bumbás estivessem maduros e organizassem a própria festa.

O governo do Estado ou a própria Prefeitura de Parintins são, porém, muletas indispensáveis ao Festival. Os dois bumbás, afinal, até hoje não entenderam a premência de profissionalismo organizacional. Parecem, em termos gerenciais, crianças brincando com o enorme talento do artista parintinense. É por isso que, sem um gerentão, mandando e desmandando, a coisa seria pior ainda.

Repercussão do Festival de Parintins na economia parintinense e potencial turístico da festa, num Amazonas sem produto turístico, são enormes. Sem produto turístico? Sim. Sem evento ou lugar estruturado turisticamente e capaz de provocar no consumidor o desejo de voltar e impulso de convidar. A Festa dos Bumbás é a que chega mais perto disso.

O governo do Estado ganha. O investimento – este ano fala-se em R$ 40 milhões – retorna no ICMS recolhido. Bebidas, combustíveis, produtos de supermercados, mercados etc. recolhem o imposto.

Prefeituras ganham, inclusive as demais 61 do Estado inteiro. Porque parte do ICMS recolhido com o Festival de Parintins é rateado entre elas.

A iniciativa privada ganha. Tem os donos de portos em Parintins, que oferecem energia e água de poço para os barcos ancorados. Bares, lanchonetes, restaurantes, hotéis, pousadas, donos de suítes no projeto cama e café da manhã. Os recreios regionais, ajatos e companhias aéreas. Todos ganham.

Mas isso não é estrutura? É. Mas falta amarrar as pontas dos nós. Falta um item por item, o checklist profissional de cada coisa. Só então é possível oferecê-las num pacote para o turista e fiscalizar se o produto está sendo entregue como prometido.

Item por item? Vamos a alguns:

 

Internet

A frase “ninguém vive sem internet” se tornou um axioma moderno. Imagine um social influence embasbacado pela beleza de alegorias e itens, querendo conectar milhares de seguidores… e esbarrando na pane de Vivo, Claro, Tim e Oi no Festival 2018.

O Bumbódromo deveria ter Internet grátis, em troca de cadastro muito simples (e-mail e telefone). Todo telefone se transformaria em veículo de comunicação. Imagine milhares de stories no Instagram, posts no Face e Twitter ou compartilhamentos no WhatsApp.

O planeta estaria online. Caprichoso e Garantido figurariam facilmente nos trend topics das mídias sociais. A divulgação, com linguagem moderna e antenada, superaria até a da TV, sem concorrer diretamente com ela. O investimento seria bem menor.

 

Infraestrutura de transporte

O Festival de Parintins é abastecido de público por Manaus, Belém, Santarém e Municípios amazonenses e paraenses vizinhos. A oferta se dá pelo gargalo da acomodação – pouquíssimos se aventuram à viagem sem ter onde ficar na Ilha.

O desafio da organização é melhorar o conforto do viajante e procurar diminuir o tempo de viagem. As lanchas, tipo Ajato, fizeram uma parte importante. A viagem Manaus-Parintins diminuiu das antigas 18 para oito horas. Subindo o rio, sentido Parintins-Manaus, caiu de 36 para 10, 11 horas. Ainda é possível, no entanto, fazer mais.

Itacoatiara pode se tornar um porto de saída, uma espécie de hub. Recolheria passageiros de Manaus, Municípios da calha do rio Madeira etc. De Manaus, via AM-010 – basta dar asfaltamento decente. O tempo no rio cairia pela metade e a viagem ficaria mais rápida.

 

Preços

Os preços do Festival de Parintins são europeus. Em euro. Ou em libra. Está caro. Beirando o risco de transformar a festa em evento elitista. Isso a afasta do caráter popular, que é a própria alma dos bumbás – a explosão da torcida é o melhor momento.

O povo pena na famigerada fila. Este ano, este portal registrou, os primeiros torcedores chegaram na quarta-feira. Tomaram chuva e sol, sol e chuva, até as 21h30 da sexta (29/06).

Parte do valor cobrado em camarotes e arquibancadas de turistas deveria ser revertido, obrigatoriamente, para conforto do torcedor de arquibancada.

 

Tempo

O tempo de apresentação dos bumbás, duas horas e meia a cada noite, mais meia hora de intervalo, é demasiado. Faz tempo. Mesmo a beleza, em overtime, é capaz de cansar.

Aqui cabe breve explicação da estratégia de demanda reprimida. A Apple, por exemplo, quando lança iPhone novo, manda fabricar milhões. As lojas, porém, são abastecidas uma vez por dia com número limitado. Às 10h, invariavelmente, acabaram-se os telefones. Aí começa o fenômeno da “demanda reprimida”: o mercado negro vende pelo dobro do preço; as filas começam no dia anterior; o iPhone se torna um produto raro e cobiçado.

Com menos tempo de apresentação – uma hora por noite, cada boi, é o ideal – e começando mais cedo, o torcedor deixaria o Bumbódromo com um “gostinho de quero mais”. Abandonaria o “amanhã não venho, tô quebrado”. Eliminaria o pesadelo dos bumbás, logo cedo, quando as arquibancadas demoram a ser preenchidas. Ou, idem, para o que se apresenta por último.

Imagine o cenário: começa às 19h, cada boi se apresenta uma hora, com meia hora de intervalo. Às 21h30, o Bumbódromo estaria encerrado.

A noite seria uma criança. Bares, lanchonetes, restaurantes, clubes esperariam abertos e estruturados os 50 mil ocupantes do Bumbódromo. A cidade lançaria mão de faceta econômica diferente. O dinheiro giraria.

Os bumbás, por outro lado, tornariam as apresentações mais enxutas. Não haveria espaço para encher linguiça. O gasto seria menor. Novas tecnologias seriam desenvolvidas, como quando Simão Assayag criou os módulos e revolucionou os tamanhos das alegorias.

 

Divulgação

Sim, os bumbás estão pecando na divulgação. A publicidade está dividida em institucional e de varejo (venda).

Claro que o Festival de Parintins não precisa ser anunciado para juntar público. Não neste momento.

Precisa criar a imagem correta e dizer a mensagem cultural que pretende transmitir.

A publicidade institucional serve, ao mesmo tempo, para posicionamento da festa e balizamento dos roteiros.

O público “lê” o que vê, o que lhe é apresentado. O fanático “vê” o que lhe parece mais favorável ao objeto do fanatismo.

Um torcedor do Garantido, fanático, dizia, no aeroporto: “É evidente a diferença do poder econômico do Caprichoso para o Garantido”. Como? Ambos recebem os mesmos patrocínios, divididos meio a meio. As doações voluntárias de antigamente acabaram faz tempo. Os “doadores”, hoje, são agiotas à espreita das necessidades de diretorias incautas para emprestar a juros. Estão aí os leilões de currais e armazéns demonstrando isso.

O “boi do povão” e “boi da sociedade”, muito útil na discussão de bar, é um obstáculo à fiscalização da aplicação correta dos recursos. Mascara brigas internas, que este ano engessaram o Garantido e no passado já engessaram o Caprichoso.

O Amazonas, com esse tamanhão todo, recebe menos turistas/ano (1,2 milhão, mais ou menos, em 2017), que Gramado (RS). A cidade gaúcha, com 35 mil habitantes, recebeu ano passado 1,5 milhão de turistas.

 

Playlists

Os bumbás ainda falam em “gravar CD” e “filmar DVD”. Isso os deixa algumas gerações tecnológicas atrás.

Chegaram ao Spotify e ao iTunes. Ótimo. Agora falta mirar nos exemplos de Justin Beaber e do “Trem Bala”, de Ana Vilela. O fenômeno que os dois criaram no YouTube, curvando a mídia tradicional, é ideal para Caprichoso e Garantido.

A era é do playlist. E o clip, grátis, sem amarras, ancorado apenas nos patrocinadores, é o caminho da toada.

Os canais dos bumbás nas mídias sociais deveriam compartilhar tudo, o ano inteiro. Os playlists seriam disponibilizados, videoclipe a videoclipe, toada por toada, à medida que fossem concluídos. Algo como faz a cantora Anita, com enorme sucesso internacional.

Parintins tem potencial para ser uma dessas cidadezinhas xodós do turismo receptivo. Como chegar a 1 milhão? A ilha ia afundar😂? Não, se a festa, bem divulgada e posicionada, tivesse “filhotes” espalhados pelo ano inteiro: festivais de toadas, shows, disputas para escolhas de itens etc.

Por que ignorar a Festa do Carmo, no Bumbódromo, quando se trata do maior evento religioso do Estado? E ela começa nesta sexta (6/7), indo até 16/7, com público semelhante ao do Festival.

Um lugar agradável, como a Ilha Tupinambarana, é bom para visitar a qualquer hora. Falta prepará-la, empacotá-la devidamente. E dizer isso ao interessado, o turista.

O Festival de Parintins é produto valioso. O parintinense precisa dele. O Amazonas, como se vê, também.

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12 comentários

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  1. Carlos Antonio Conceição disse:

    Festival de Parintins “ainda é um evento administrado e gerenciado por amadores???”

  2. Samara Fernandes disse:

    Parabéns ao portal! Muito feliz a colocação de vocês. Nunca tinha pensado desse ponto de vista.
    A ideia está aí, completa, basta quererem seguir.

  3. erick disse:

    serio mesmo.. e o que os críticos apresentam como formula…poe exemplo este portal… sabem qual e a coisa mais fácil do mundo……………………… e falar… seja pela escrita ou seja pelos proferis………………………………………………………………………….. se vocês conseguirem ter a formula.. venda afinal e uma prestação de serviços… agora se não tem… nao vendam sensacionalismo… pois e muito facillllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll continuem… apresentando escritas sensacionalistas… pra gera o que gerou em mim.. uma maneira de manifestar o sentimento , acho que e hora de voces estrategistas pararem de venderem falacias e venderem soluções……………………..

  4. Janeida Garcia de Oliveira disse:

    Você está correto em sua análise , porém uma das únicas coisas que discordo é do tempo de apresentação dos bumbas para apenas 1 hora . É importante sim que se comece mais cedo pois evitaria tudo isso que vc citou como cansaço , entre outros aspectos . Eu e minha família somos frequentadores do festival de Parintins e passamos por todas essas dificuldades , inclusive enfrentar aquela fila “maravilhosa”. Acredito que enquanto o interesse for apenas de uma minoria , nosso festival vai ficar na mesmice com preços abusivos e acomodação precária. Quanto às embarcações , tem que haver uma fiscalização mais seria pois este ano um grupo de 150 pessoas foram enganados p dono de uma lancha , noque boa deixou ainda mais no prejuízo .

  5. Gracy Campos disse:

    👏👏👏👏

  6. Castro disse:

    Falta de visão, sempre dependem dos governos estadual e municipal, ou seja, “do jeito que está, por muitos anos está bom”, toda mudança gera desconforto, esse desconforto é necessário para não acontecer o mais do mesmo. Parabéns pelo artigo.

  7. Rodrigo disse:

    O que um não credenciamento feat. passe vip mascarando a falta de grana pra assistir o festival na faixa não fazem, né? Camuflar a falta de empatia por uma das maiores demonstrações folclóricas do mundo a troco de um ranço criado pela falta de organização da “empresa credenciadora” demonstra total falta de consideração com cada um dos trabalhadores que se empenham para o evento. Publicar uma opinião sem assinatura também já foi algo que se levasse em consideração, mas nos dias de hoje só confirma a falta de caráter e de profissionalismo do portal que leva o nome, inclusive, de um parintinense da gema. E vale ressaltar, o compositor de umas das toadas mais belas do boi negro.
    Enfim, os comentários sobre a economia são extremamente válidos porém, não descalificam a grandiosidade e magia do evento.

    1. Marcos Santos disse:

      Desculpa, Rodrigo, não entendi. O texto não fala em credenciamento. E, se lhe interessa, o portal não teve qualquer problema com isso, nem com acesso a camarotes do Bumbódromo. As portas sempre estiveram bem abertas para a gente🙏. Assinatura? Dê uma olhada na parte de cima da homepage e você verá o nome e a foto que aparecem. Como você mesmo reconhece, o portal está longe, muito longe, de qualquer possibilidade de desqualificar o Festival. A ideia, ao contrário, é justamente qualificar ainda mais. A festa está no mundo e como tal ou se aprimora ou corre riscos desnecessários. Veja o título: “… fora do Bumbódromo”. Tradução: na arena é tudo muito bonito, mas faltam medidas para melhorar aproveitamento econômico, atratividade e abrangência da festa. Parintinense da gema🙌? Com muito orgulho. E manauara também, pela vontade unânime dos 41 vereadores, graças a Deus👍🤝. Obrigado por participar.

  8. Elma disse:

    Caramba!!! Como somos acomodados e nao conseguimos ver isso até alguem nos fazer ver, parabens a quem fez esse texto 👏👏👏👏👏

  9. Maria jose disse:

    Também deveria haver durante todo o ano, poderia ser um dia na semana, onde os turistas e mesmo os manauaras pudessem assistir uma apresentação dos bois. Algo não extenso, com alguns itens do boi. Em Recife mesmo toda Quinta feira tem a quinta do galo. Esse espaço poderia ser na ponta negra.

  10. Leo Brandão disse:

    Crítica justíssima. Só discordo do tempo das apresentações sugerido.

  11. José Hamilton disse:

    Caro Marcos Santos,

    Concordo com quase tudo aqui descrito, a única discordância é quanto o tempo de apresentação, a comparação com um produto comercial, não foi legal. Penso que o nosso produto, por se tratar de uma ópera a céu aberto, requer tempo, para as apresentações de todos os itens, além de outras disputas, portanto uma hora seria desestimulante e desrespeitoso com o sacrifício de quem vem de tão longe prestigiar este espetáculo.
    No mais, concordo com suas colocações.