O Festival de Parintins, que acaba de concluir a 53ª edição, virou um senhor maduro, mas continua usando fraldas. O evento está no topo de elementos como criatividade, brilho, inventividade, alegria. Faz pouquíssimo por coisas como atratividade, divulgação, estrutura e organização. Atingiu o auge como festa. Precisa fazer mais pelo produto ou sofrerá ciclos de crises, como aconteceu recentemente. Este ano, espera-se pelo menos, ninguém atirou no próprio peito e pagou facínoras conhecidos para fraudar o resultado.
Fraldas? Sim. A festa levou um soco de pugilista peso-pesado quando o governador José Melo anunciou que não haveria patrocínio governamental. Quase não acontece. Só aconteceu porque, no final, Melo caiu em si e forneceu a estrutura básica de saúde, segurança e até patrocínio. Anunciou em entrevista coletiva que não daria e deu na surdina. Fez o oposto do proposto por Maquiavel, para quem o bem deve ser ministrado em conta-gotas e o mal de uma só vez.
A dependência governamental é terrível. Traz males que vão do engessamento da organização às indefectíveis escaramuças com prepostos. O mal humor transita pelos bastidores do Bumbódromo, como se fosse um fantasma da ópera. Isso não teria razão de ser, se os bumbás estivessem maduros e organizassem a própria festa.
O governo do Estado ou a própria Prefeitura de Parintins são, porém, muletas indispensáveis ao Festival. Os dois bumbás, afinal, até hoje não entenderam a premência de profissionalismo organizacional. Parecem, em termos gerenciais, crianças brincando com o enorme talento do artista parintinense. É por isso que, sem um gerentão, mandando e desmandando, a coisa seria pior ainda.
Repercussão do Festival de Parintins na economia parintinense e potencial turístico da festa, num Amazonas sem produto turístico, são enormes. Sem produto turístico? Sim. Sem evento ou lugar estruturado turisticamente e capaz de provocar no consumidor o desejo de voltar e impulso de convidar. A Festa dos Bumbás é a que chega mais perto disso.
O governo do Estado ganha. O investimento – este ano fala-se em R$ 40 milhões – retorna no ICMS recolhido. Bebidas, combustíveis, produtos de supermercados, mercados etc. recolhem o imposto.
Prefeituras ganham, inclusive as demais 61 do Estado inteiro. Porque parte do ICMS recolhido com o Festival de Parintins é rateado entre elas.
A iniciativa privada ganha. Tem os donos de portos em Parintins, que oferecem energia e água de poço para os barcos ancorados. Bares, lanchonetes, restaurantes, hotéis, pousadas, donos de suítes no projeto cama e café da manhã. Os recreios regionais, ajatos e companhias aéreas. Todos ganham.
Mas isso não é estrutura? É. Mas falta amarrar as pontas dos nós. Falta um item por item, o checklist profissional de cada coisa. Só então é possível oferecê-las num pacote para o turista e fiscalizar se o produto está sendo entregue como prometido.
Item por item? Vamos a alguns:
Internet
A frase “ninguém vive sem internet” se tornou um axioma moderno. Imagine um social influence embasbacado pela beleza de alegorias e itens, querendo conectar milhares de seguidores… e esbarrando na pane de Vivo, Claro, Tim e Oi no Festival 2018.
O Bumbódromo deveria ter Internet grátis, em troca de cadastro muito simples (e-mail e telefone). Todo telefone se transformaria em veículo de comunicação. Imagine milhares de stories no Instagram, posts no Face e Twitter ou compartilhamentos no WhatsApp.
O planeta estaria online. Caprichoso e Garantido figurariam facilmente nos trend topics das mídias sociais. A divulgação, com linguagem moderna e antenada, superaria até a da TV, sem concorrer diretamente com ela. O investimento seria bem menor.
Infraestrutura de transporte
O Festival de Parintins é abastecido de público por Manaus, Belém, Santarém e Municípios amazonenses e paraenses vizinhos. A oferta se dá pelo gargalo da acomodação – pouquíssimos se aventuram à viagem sem ter onde ficar na Ilha.
O desafio da organização é melhorar o conforto do viajante e procurar diminuir o tempo de viagem. As lanchas, tipo Ajato, fizeram uma parte importante. A viagem Manaus-Parintins diminuiu das antigas 18 para oito horas. Subindo o rio, sentido Parintins-Manaus, caiu de 36 para 10, 11 horas. Ainda é possível, no entanto, fazer mais.
Itacoatiara pode se tornar um porto de saída, uma espécie de hub. Recolheria passageiros de Manaus, Municípios da calha do rio Madeira etc. De Manaus, via AM-010 – basta dar asfaltamento decente. O tempo no rio cairia pela metade e a viagem ficaria mais rápida.
Preços
Os preços do Festival de Parintins são europeus. Em euro. Ou em libra. Está caro. Beirando o risco de transformar a festa em evento elitista. Isso a afasta do caráter popular, que é a própria alma dos bumbás – a explosão da torcida é o melhor momento.
O povo pena na famigerada fila. Este ano, este portal registrou, os primeiros torcedores chegaram na quarta-feira. Tomaram chuva e sol, sol e chuva, até as 21h30 da sexta (29/06).
Parte do valor cobrado em camarotes e arquibancadas de turistas deveria ser revertido, obrigatoriamente, para conforto do torcedor de arquibancada.
Tempo
O tempo de apresentação dos bumbás, duas horas e meia a cada noite, mais meia hora de intervalo, é demasiado. Faz tempo. Mesmo a beleza, em overtime, é capaz de cansar.
Aqui cabe breve explicação da estratégia de demanda reprimida. A Apple, por exemplo, quando lança iPhone novo, manda fabricar milhões. As lojas, porém, são abastecidas uma vez por dia com número limitado. Às 10h, invariavelmente, acabaram-se os telefones. Aí começa o fenômeno da “demanda reprimida”: o mercado negro vende pelo dobro do preço; as filas começam no dia anterior; o iPhone se torna um produto raro e cobiçado.
Com menos tempo de apresentação – uma hora por noite, cada boi, é o ideal – e começando mais cedo, o torcedor deixaria o Bumbódromo com um “gostinho de quero mais”. Abandonaria o “amanhã não venho, tô quebrado”. Eliminaria o pesadelo dos bumbás, logo cedo, quando as arquibancadas demoram a ser preenchidas. Ou, idem, para o que se apresenta por último.
Imagine o cenário: começa às 19h, cada boi se apresenta uma hora, com meia hora de intervalo. Às 21h30, o Bumbódromo estaria encerrado.
A noite seria uma criança. Bares, lanchonetes, restaurantes, clubes esperariam abertos e estruturados os 50 mil ocupantes do Bumbódromo. A cidade lançaria mão de faceta econômica diferente. O dinheiro giraria.
Os bumbás, por outro lado, tornariam as apresentações mais enxutas. Não haveria espaço para encher linguiça. O gasto seria menor. Novas tecnologias seriam desenvolvidas, como quando Simão Assayag criou os módulos e revolucionou os tamanhos das alegorias.
Divulgação
Sim, os bumbás estão pecando na divulgação. A publicidade está dividida em institucional e de varejo (venda).
Claro que o Festival de Parintins não precisa ser anunciado para juntar público. Não neste momento.
Precisa criar a imagem correta e dizer a mensagem cultural que pretende transmitir.
A publicidade institucional serve, ao mesmo tempo, para posicionamento da festa e balizamento dos roteiros.
O público “lê” o que vê, o que lhe é apresentado. O fanático “vê” o que lhe parece mais favorável ao objeto do fanatismo.
Um torcedor do Garantido, fanático, dizia, no aeroporto: “É evidente a diferença do poder econômico do Caprichoso para o Garantido”. Como? Ambos recebem os mesmos patrocínios, divididos meio a meio. As doações voluntárias de antigamente acabaram faz tempo. Os “doadores”, hoje, são agiotas à espreita das necessidades de diretorias incautas para emprestar a juros. Estão aí os leilões de currais e armazéns demonstrando isso.
O “boi do povão” e “boi da sociedade”, muito útil na discussão de bar, é um obstáculo à fiscalização da aplicação correta dos recursos. Mascara brigas internas, que este ano engessaram o Garantido e no passado já engessaram o Caprichoso.
O Amazonas, com esse tamanhão todo, recebe menos turistas/ano (1,2 milhão, mais ou menos, em 2017), que Gramado (RS). A cidade gaúcha, com 35 mil habitantes, recebeu ano passado 1,5 milhão de turistas.
Playlists
Os bumbás ainda falam em “gravar CD” e “filmar DVD”. Isso os deixa algumas gerações tecnológicas atrás.
Chegaram ao Spotify e ao iTunes. Ótimo. Agora falta mirar nos exemplos de Justin Beaber e do “Trem Bala”, de Ana Vilela. O fenômeno que os dois criaram no YouTube, curvando a mídia tradicional, é ideal para Caprichoso e Garantido.
A era é do playlist. E o clip, grátis, sem amarras, ancorado apenas nos patrocinadores, é o caminho da toada.
Os canais dos bumbás nas mídias sociais deveriam compartilhar tudo, o ano inteiro. Os playlists seriam disponibilizados, videoclipe a videoclipe, toada por toada, à medida que fossem concluídos. Algo como faz a cantora Anita, com enorme sucesso internacional.
Parintins tem potencial para ser uma dessas cidadezinhas xodós do turismo receptivo. Como chegar a 1 milhão? A ilha ia afundar😂? Não, se a festa, bem divulgada e posicionada, tivesse “filhotes” espalhados pelo ano inteiro: festivais de toadas, shows, disputas para escolhas de itens etc.
Por que ignorar a Festa do Carmo, no Bumbódromo, quando se trata do maior evento religioso do Estado? E ela começa nesta sexta (6/7), indo até 16/7, com público semelhante ao do Festival.
Um lugar agradável, como a Ilha Tupinambarana, é bom para visitar a qualquer hora. Falta prepará-la, empacotá-la devidamente. E dizer isso ao interessado, o turista.
O Festival de Parintins é produto valioso. O parintinense precisa dele. O Amazonas, como se vê, também.
Festival de Parintins “ainda é um evento administrado e gerenciado por amadores???”
Parabéns ao portal! Muito feliz a colocação de vocês. Nunca tinha pensado desse ponto de vista.
A ideia está aí, completa, basta quererem seguir.
serio mesmo.. e o que os críticos apresentam como formula…poe exemplo este portal… sabem qual e a coisa mais fácil do mundo……………………… e falar… seja pela escrita ou seja pelos proferis………………………………………………………………………….. se vocês conseguirem ter a formula.. venda afinal e uma prestação de serviços… agora se não tem… nao vendam sensacionalismo… pois e muito facillllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll continuem… apresentando escritas sensacionalistas… pra gera o que gerou em mim.. uma maneira de manifestar o sentimento , acho que e hora de voces estrategistas pararem de venderem falacias e venderem soluções……………………..
Você está correto em sua análise , porém uma das únicas coisas que discordo é do tempo de apresentação dos bumbas para apenas 1 hora . É importante sim que se comece mais cedo pois evitaria tudo isso que vc citou como cansaço , entre outros aspectos . Eu e minha família somos frequentadores do festival de Parintins e passamos por todas essas dificuldades , inclusive enfrentar aquela fila “maravilhosa”. Acredito que enquanto o interesse for apenas de uma minoria , nosso festival vai ficar na mesmice com preços abusivos e acomodação precária. Quanto às embarcações , tem que haver uma fiscalização mais seria pois este ano um grupo de 150 pessoas foram enganados p dono de uma lancha , noque boa deixou ainda mais no prejuízo .
👏👏👏👏
Falta de visão, sempre dependem dos governos estadual e municipal, ou seja, “do jeito que está, por muitos anos está bom”, toda mudança gera desconforto, esse desconforto é necessário para não acontecer o mais do mesmo. Parabéns pelo artigo.
O que um não credenciamento feat. passe vip mascarando a falta de grana pra assistir o festival na faixa não fazem, né? Camuflar a falta de empatia por uma das maiores demonstrações folclóricas do mundo a troco de um ranço criado pela falta de organização da “empresa credenciadora” demonstra total falta de consideração com cada um dos trabalhadores que se empenham para o evento. Publicar uma opinião sem assinatura também já foi algo que se levasse em consideração, mas nos dias de hoje só confirma a falta de caráter e de profissionalismo do portal que leva o nome, inclusive, de um parintinense da gema. E vale ressaltar, o compositor de umas das toadas mais belas do boi negro.
Enfim, os comentários sobre a economia são extremamente válidos porém, não descalificam a grandiosidade e magia do evento.
Desculpa, Rodrigo, não entendi. O texto não fala em credenciamento. E, se lhe interessa, o portal não teve qualquer problema com isso, nem com acesso a camarotes do Bumbódromo. As portas sempre estiveram bem abertas para a gente🙏. Assinatura? Dê uma olhada na parte de cima da homepage e você verá o nome e a foto que aparecem. Como você mesmo reconhece, o portal está longe, muito longe, de qualquer possibilidade de desqualificar o Festival. A ideia, ao contrário, é justamente qualificar ainda mais. A festa está no mundo e como tal ou se aprimora ou corre riscos desnecessários. Veja o título: “… fora do Bumbódromo”. Tradução: na arena é tudo muito bonito, mas faltam medidas para melhorar aproveitamento econômico, atratividade e abrangência da festa. Parintinense da gema🙌? Com muito orgulho. E manauara também, pela vontade unânime dos 41 vereadores, graças a Deus👍🤝. Obrigado por participar.
Caramba!!! Como somos acomodados e nao conseguimos ver isso até alguem nos fazer ver, parabens a quem fez esse texto 👏👏👏👏👏
Também deveria haver durante todo o ano, poderia ser um dia na semana, onde os turistas e mesmo os manauaras pudessem assistir uma apresentação dos bois. Algo não extenso, com alguns itens do boi. Em Recife mesmo toda Quinta feira tem a quinta do galo. Esse espaço poderia ser na ponta negra.
Crítica justíssima. Só discordo do tempo das apresentações sugerido.
Caro Marcos Santos,
Concordo com quase tudo aqui descrito, a única discordância é quanto o tempo de apresentação, a comparação com um produto comercial, não foi legal. Penso que o nosso produto, por se tratar de uma ópera a céu aberto, requer tempo, para as apresentações de todos os itens, além de outras disputas, portanto uma hora seria desestimulante e desrespeitoso com o sacrifício de quem vem de tão longe prestigiar este espetáculo.
No mais, concordo com suas colocações.