Resumo da história do Festival de Parintins para principiantes e neofanáticos

Quando se fala na História dos bumbás Caprichoso e Garantido, os fatos propriamente ditos quase nunca são levados em conta. A rivalidade acaba prevalecendo. Há, porém, uma linha que ninguém contesta e é nessa que vamos trafegar.

Noves fora o “tapa olho” do fanatismo, há um “tronco” comum entre o azul do Caprichoso e o vermelho do Garantido que se chama Boi Galante.

Fundado por jovens estivadores e pescadores parintinenses, incentivados por José Furtado Belém, influente político da época (pai do deputado estadual Júlio Belém, nome do aeroporto de Parintins), o Galante reunia os festeiros da cidade. Lindolfo Monteverde atravessava a cidade, de sua casa, na Baixa da Xanda (Xanda era esposa dele, e o local foi depois transformado em Baixa do São José), local onde ainda existe o chamado “curral tradicional” do Garantido, até a avenida Rio Branco, para tirar versos nesse bumbá.

Parintins era praticamente uma vila. Não havia ruas, só veredas para serem percorridas a pé, no meio da mata. Para piorar, quando Lindolfo chegava ao curral do Galante, seu principal adversário, o pescador Nascimento, havia ocupado o lugar de amo e tirava os versos que eram o ponto forte do bumbá.

Chegou uma hora que Lindolfo e seus companheiros – a “viagem” da Baixa à Rio Branco era feita em grupo – decidiram criar o próprio bumbá. Nascia o Garantido. No ano seguinte, percebendo que o nome tinha apelo popular, os integrantes remanescentes do Galante decidiram mudar a denominação para Caprichoso. Estavam postos os rivais que fazem a história do Festival de Parintins.

A maior polêmica está no ano em que isso aconteceu.

O Garantido comemorou o centenário de Lindolfo Monteverde em 2002, ou seja, ele nasceu em 1902. A linha oficial adotada pelo bumbá é que a criação do mesmo ocorreu em 1913. Ora, isso significaria que Lindolfo o fundou aos 11 anos de idade.

Chico da Silva, na toada “Sonho de Liberdade”, de 2002, afirma: “Boi Garantido/ É histórico, é sabido/ que mestre Lindolfo Monteverde/ aos 18 anos de idade contigo sonhou/ Boi Garantido, sonho de Lindolfo Monteverde/ Do poeta a oitava maravilha/ Se realizou”.

Aí tudo vira uma questão matemática: 1902 + 18 = 1920.

O Galante deve ter sido fundado por volta de 1918, o Garantido em 1920 e o Caprichoso em 1921. É possível dizer, como o azul e branco é herdeiro do bumbá original, que ele é o pioneiro da cidade. Mas como o vermelho e branco foi o primeiro a adotar o nome atual, também ele pode afirmar ser o primeiro da Ilha Tupinambarana. Logo, essa história de 1912-1913, como datas de fundação dos bumbás, é mero fanatismo, sem qualquer base histórica.

O que não dá para ignorar é que, ambos, têm em suas raízes pescadores e estivadores, pessoas muito humildes, responsáveis por cultivar a semente da árvore frondosa que hoje é o Festival de Parintins.

Há ainda outros fatos que marcam a linha de tempo da festa parintinense.

A Igreja Católica de Parintins está na base de tudo. Disposta a arrecadar recursos para a construção da Catedral de Nossa Senhora do Carmo, imponente construção erguida na “Broadway” (trecho da Avenida Amazonas, a principal de Parintins), a Juventude Alegre Católica (JAC) criou o Festival Folclórico, em sua quadra de esportes. O local ficou pequeno e a festa “passeou” pela quadra do Ipasea, Parque das Castanholeiras e o estádio de futebol municipal Tupy Catanhede.

O bumbódromo teve a sua primeira versão em madeira. O aeroporto da cidade ficou bem no meio da área residencial e foi transferido para o local atual. Sobrou uma área de terra imensa, sem qualquer utilização, que o prefeito de então, Gláucio Gonçalves, conseguiu matricular no patrimônio da cidade.

Gláucio ofereceu a cabeceira que dá para o lado “de cima” da cidade ao Garantido, para a construção de seu curral, enquanto o “lado de baixo” foi ofertado ao Caprichoso. Fiel à toada que diz “Nunca mudou de fazenda/ nem de dono ou de curral”, o vermelho recusou. O Caprichoso aceitou na hora a área que hoje é o curral Zeca Xibelão. Mais tarde, percebendo o erro cometido, o Garantido recebeu ajuda dos seus simpatizantes mais endinheirados e governamental para comprar a Cidade Garantido, no local atual, onde antes funcionou a Fabriljuta, indústria de tecelagem de juta.

Em 1988, mesmo diante do ceticismo dos que achavam a obra faraônica, o governador da época, Amazonino Mendes, hoje prefeito de Manaus, construiu o Bumbódromo atual, com capacidade para 12 mil espectadores. O local recebeu mais de 30 mil pessoas e, depois da festa, os ferros retorcidos da estrutura mostraram como o Festival Folclórico de Parintins cresceu além das expectativas. Por pouco o Bumbódromo não caiu no ano da estreia.

O Garantido cultiva muito bem a memória de seu fundador, Lindolfo Monteverde. Ao Caprichoso falta um pouco mais de respeito às memórias de Boboí, dos Cid e de Luiz Gonzaga. Este, da década de 1930 até a de 1960, quando faleceu, embaixo da Dona Aurora, foi o grande responsável pela manutenção do bumbá.

Tire-se o fanatismo. E o resumo da História dos bumbás é isso aí.

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5 comentários

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  1. Aderaldo Reis disse:

    Os mais fanaticos torcedores do Boi Garantido, incluindo seus netos dizem que Lindolfo aos 9 anos fazia o Boi Garantido de Curuatá. Não dá pra acreidtar nessas histórias. Dona Mocinha sobrinha de Lindolfo contou que o Boi Caprichoso é bem mais veho do que o Garantido.Mas vai fazler isso na Baixa. O certo que é acabou a tradição na Baixa. Pra completar o Prefeito de Parintins Bi Garcia enviou um projeto a Câmara e foi aprovado. O nome da Baixa da Xanda que mudou pra Baixa de São José, agora é Bairro do Distrito Industrial. Durma com essa tradição.

  2. maria jose disse:

    Viva a tradição, vamos repassar para os filhos e netos, mas o garantido é o boi do povão!! e um bom festival para todos!!

  3. Celso disse:

    Cada vez aprendo mais quando leio este blog, valeu Marcos Santos!

  4. Jr. Monteverde disse:

    A verdade é que, meu bisavô de fato, deixou a história do bumbá por escrito. Mas muitos de nossa família ainda contestam, segundo ele a origem de tudo, realmente foi o Galante. E em relação ao que você postou, sobre “preservar a memória do fundador”, realmente acontece devido a muitos pedidos por parte da família, principalmente por filhos e netos. pois se dependesse da administração do bumbá, meu biso estava mais que esquecido.
    – Tudo acontece por insistência da família Monteverde.

  5. Silas Cabral de Lima Filho disse:

    Tive uma longa conversa por telefone e chat com o parintinense Basílio Tenório, que fez mestrado em historia pela universidade do Amazonas, estuda a fundo o folclore e recentemente publicou um livro sobre o assunto. Segundo ele, que é filho de um dos brincantes fundador do Caprichoso. a saber, Manduquinho Auzier, Emídio Vieira teria fundado o boi Galante em 1923 na qual brincava os filhos de Roque Cid chamado Pedro Cid e Nascimento Cid, além de Luiz Gonzaga entre outros. Em 1925 o chifre do galante teria caído e Emídio teria culpados os dois irmãos. Dessa Briga, uma ano mais tarde, em outubro de 1926, liderados pelos dois filhos de Roque Cid, juntamente com Luiz Gonzaga e outros brincantes, Fundaram o Boi Caprichoso. Outro irmão dos Cid, chamado Artur Cid, também conhecido como Feliz do Cid, com 13 anos de idade, também estava presente, O nome Caprichoso, segundo este historiador, não foi dado pelo Advogado José Furtado Belém, mas sim por Antonio Arigó que era oriundo de Manaus e que havia visto o Caprichoso da praça 14 por lá. Para concluir, segundo Basílio, Roque Cid só tem o mérito na narrativa de ser o pai dos quatro irmãos Cid, a saber, Pedro, Nascimento e Artur e ainda Raimundo, que segundo Basílio não brincava no galante nem no Caprichoso, mas sim foi co-fundador do Garantido junto com Lindolfo.

    RESPOSTA
    Temo que, eivada de paixões e interesses menores, a história dos bumbás de Parintins nunca seja esclarecida. Meu amigo Tenório tem razão em que o Caprichoso tenha sido fundado por um conjunto de forças. Roque Cid pode ter sido o amo, Luiz Gonzaga o “dono”, ao lado de Emídio Vaz e outros.
    É injusto com a memória do bumbá querer atribuir a um só um mérito que cabe a muitos. Fala-se tanto em Democracia, na preponderância da maioria, mas renega-se a beleza da origem múltipla do Caprichoso.
    Meu pai como fonte da data do Nascimento do Caprichoso? Ele viu o boi nascer e morreu em 2012. Quase presencia o centenário. Faça suas contas. E boa sorte.