OAB/AM – 85 anos

Acabo de sair de uma sessão solene na Assembleia Legislativa do Estado, em homenagem aos oitenta e cinco anos de criação da Ordem dos Advogados do Brasil, no Amazonas. Como ex-presidente, recebi um simpático diploma de honra ao mérito, coisa que me surpreendeu porque mérito, se tive, foi muito pouco, ao passo que a honra de ter presidido a entidade é inexcedível. No claustrofóbico e escuro plenário “Ruy Araújo”, foi à tribuna a deputada Alessandra Campelo, autora da proposição de homenagem. A partir das saudações protocolares, Sua Excelência abordou tema da mais alta relevância, vinculado ao cuidado que devemos ter quanto à proliferação indiscriminada de faculdades de direito. De fato, elas estão dando mais que chuchu na serra, e isso é preocupante.

Trata-se, talvez, de apenas mais um aspecto do menosprezo com que tem sido tratada a educação em nosso país. Com professores mal remunerados e uma política que privilegia a quantidade em detrimento da qualidade, apresenta-se-nos um quadro em que, por exemplo, para mascarar a taxa de repetência, proíbe-se a reprovação, pura e simplesmente. Ora, como pode ser plausível um aluno “passar de ano” se não logrou apreender o que lhe foi transmitido na série que vem de cursar? Acontece que, para os governantes (a maioria deles, pelo menos) seria vexatório escancarar a deficiência do ensino, publicando estatísticas sobre reprovações. A coisa passa a funcionar, então, mais ou menos na base do eu finjo que ensino e você finge que aprendeu. É a hipocrisia no seu mais elevado grau e os resultados dessa catástrofe já estão aí, bem visíveis a olho nu.

Ora, se no ensino fundamental é possível constatar esse tipo de deficiência, parece mais do que lógico que, na sequência, os reflexos se façam sentir no nível médio e, com muito mais intensidade, no superior. Aqui mesmo neste espaço, tenho repetido à saciedade meu protesto contra algo que me parece revoltante: é inadmissível que, ao ingressar num curso superior (qualquer que seja ele, mas, principalmente, no de direito), a pessoa ainda necessite de aulas de língua portuguesa. Quem não sabe manejar a própria língua, não tem condições mínimas de penetrar nos meandros superiores da ciência e, se tentar fazê-lo, vai enfrentar uma carga insuportável (e insuperável) de dificuldades.

Mas a situação está posta. Só em Manaus, temos hoje pelo menos uma dezena de faculdades de direito, a despejar bacharéis a mancheias, assim como se a sociedade ou o mercado deles estivesse em premente necessidade. O Exame de Ordem, para os que optam pela advocacia, tem sido um filtro tentando conter essa enxurrada desmedida, mas o certo é que, mesmo ele, se tem revelado insuficiente para colocar um equilíbrio entre oferta e demanda. E aí temos, portanto, advogados para todos os gostos e preços, num processo que, inevitavelmente, tende ao aviltamento da profissão. Não é raro que, enganado e desiludido pelas falsas promessas do “advogado” que escolheu, o cliente, mormente na área criminal, venha a procurar verdadeira e efetiva ajuda profissional quando, como antigamente se dizia, “Inês é morta”. Por melhor que seja o advogado, a ele não lhe ensinaram a arte do milagre.

O que, tudo, me faz recordar dois episódios curiosos. Um, ocorrido aqui mesmo, nesta bela e altiva cidade de Manaus. Nos anos sessenta do último século, o estimado e saudoso professor Sebastião Norões foi eleito, com todos os méritos, para a Academia Amazonense de Letras. Na noite da posse, pronunciou discurso memorável, no qual, como é do protocolo, dissertou sobre o patrono da cadeira que lhe coubera e teceu sua autobiografia. Nesta última parte, depois de relatar as dificuldades da vida do menino pobre e interiorano, pronunciou esta preciosidade que me ficou na cabeça para sempre: “Finalmente, formei-me direito. Como todo mundo”. Que beleza!

O outro episódio é mais remoto e universal. Registra a história que, na alta Idade Média, no início do século XII mais precisamente, o Papa, cujo nome agora me escapa, se deu conta de que as “ordens religiosas” estavam proliferando com uma intensidade de fazer inveja a um casal de preás. Tais entidades tinham tido papel importante no período imediatamente anterior, no que concerne aos objetivos evangelizadores da Igreja Católica. Mas começaram a passar por um processo de deturpação, vinculado (desde então) à ganância e à sede de lucro fácil. Sua Santidade, diante disso, proibiu a criação de novas ordens e determinou o fechamento de pelo menos metade das existentes. Devia o santo homem ressuscitar e assumir o Ministério da Educação.

De qualquer sorte, foi válida a iniciativa da deputada Campelo. A OAB merece. Pena que a solenidade tenha terminado com um toque de tristeza por conta do anúncio, feito da tribuna, pelo deputado Serafim Correia. Sua Excelência deu conta do falecimento do desembargador José Baptista Vidal Pessoa. Antes de assumir a magistratura, Pessoa foi um dos advogados mais atuantes e brilhantes do Estado do Amazonas, exemplo de ética e competência profissionais. Sua ausência será sentida, e muito sentida, por todos os que atuam no ramo.

 

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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