Imortalidade

Por Felix Valois

No seu épico Lusíadas, o genial Camões menciona “aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”. Belíssima metáfora para dizer dos que alcançam a imortalidade pela importância e/ou beleza do trabalho que tenham realizado. Assim, libertaram-se da “lei da morte” o próprio Camões, Dante, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Michelangelo, Da Vinci, Júlio Cesar, entre outros que encontraram abrigo no panteão aonde só os gênios têm acesso.

Os nomes referidos são, é óbvio, meramente exemplificativos e colhidos ao acaso. Seria tarefa impossível, num texto destas dimensões, pretender esgotar a lista dos que, por obra e graça de seu talento, lograram escapar do esquecimento depois que a morte os levou. De outra face, já se vê que tamanha glória não está ao alcance do comum das gentes. Longe disso. A maioria de nós apenas cumpre seu tempo e, após mergulhar na “voluptuosidade do nada”, passa a meramente integrar as estatísticas oficiais das oscilações da população.

Talvez tenha sido a preocupação com a prevalência dessa vulgaridade que levou o presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco a parir uma ideia sensacional, capaz de assegurar a ele próprio e a muitos dos seus pares, o acesso definitivo à imortalidade. Sua Excelência divulgou que, na frente do prédio onde funciona a Corte que preside, vai ser criada a “calçada da fama”. Algo nos moldes hollywoodianos, só que lá, no belíssimo estado de Pernambuco, não haverá espaço para estrelas e astros do cinema. Nada disso. Na nova calçada estarão apenas as impressões, em cimento, das mãos dos que exerçam, tenham exercido ou venham a exercer as funções de presidente do mencionado Tribunal. Isso mesmo: terminou o mandato presidencial, o pedreiro prepara a massa e o desembargador vai lá calçada, agacha-se e grava suas preciosas mãos no repositório da fama. Sai de lá imortal. Fórmula bem simples e singela de escapar do olvido.

Disseram-me, sem nenhuma confirmação oficial, que o Departamento de Turismo daquele estado nordestino já detectou aumento de quarenta por cento no número de visitantes que pretendem estar presentes na inauguração do empreendimento. Fala-se, também, no incremento que haverá para a indústria hoteleira, obrigada a aumentar o número de leitos para quantos, ansiosos por fomentar sua cultura geral, sejam atraídos a Recife para, com deslumbramento, contemplar o espetáculo maravilhoso das mãos de tantos juristas gravadas em um só lugar.

Dá para imaginar até os diálogos que serão travados entre os integrantes dos grupos, quando das visitas guiadas à nova atração turística da capital pernambucana. “Não lhe parece, meu amigo, que esta mão direita que aqui vejo revela mais profundidade intelectual do que estoutra que está mais adiante?” “Nem por isso, meu caro, veja que acabo de encontrar um polegar esquerdo que, pelas nuances, é a própria revelação do gênio”.

Fala-se, ainda, que a Secretaria de Fazenda de Pernambuco está mais do que otimista quanto ao aumento de arrecadação, por conta do interesse que a “calçada” vem despertando não só no país, como no exterior.

A bem da verdade, fui informado de que o nosso bom desembargador desistiu de levar adiante esse arroubo de imaginação. Por certo, seus ilustres pares conseguiram incutir-lhe uma pitada de bom senso. Ou, simplesmente, se esgotaram os cinco minutos de leseira a que todos temos direito.

A minha avó materna, que não deixou nenhuma impressão de suas sábias mãos, me segredou em sonho: “Vamos ser bestas!”.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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