Supremas trapalhadas

No Congresso é tradicional o fatiamento de pizza. O mensalão em si mesmo outra coisa não foi senão uma generosa distribuição fatiada de grande bolo confeitado, forma por que se apresenta o baú da viúva, atraindo olhares gulosos e apetites insaciáveis. Velha e pouco respeitável essa senhora que permitiu a gandaia sem nem mesmo se dar conta de que seu lorde camareiro, guardião primeiro de suas virtudes, estava cego e surdo, tornando mais fácil o intermitente mas eficaz trabalho de roedores de todos os matizes e tamanhos.

Mas farra não foi tão perfeita assim e acabou descoberta. A disputa por migalha mais suculenta provocou o desentendimento e a delação, esse flagelo dos que tangenciam a lei, fez soar suas trombetas, atraindo a atenção dos circunstantes e fazendo com que jatos de detefón fossem borrifados à pressa, espalhando o pânico e obrigando à retirada. E do Congresso, a coisa que tinha endereço certo de uma delegacia de polícia, foi parar no Supremo Tribunal Federal, curiosa e bizarramente transformado em juizado de instrução de primeiro grau.

O Excelso Pretório, como o pedantismo da linguagem jurídica apelida o Supremo, encarou a fera e teve a oportunidade de ouro de demonstrar, ao vivo e a cores, toda a sua vocação paquidérmica. Mais de um lustro, muito mais, se passou desde que a ação penal 470 começou sua peregrinação pelos corredores da Corte, entrando e saindo de gabinetes, recebendo pareceres e palpites, provocando cizânia entre os togados e altivos ministros, tudo fazendo parte da preparação para o espetáculo final em que se tornou o julgamento dos acusados, que se contam em mais de três dezenas.

Os holofotes foram acesos e a mídia destacou o que tinha de melhor em pessoal e em equipamentos para cobrir e destacar a performance dos atores. Os egos se inflaram e fizeram um desfile impecável, disputando centímetro a centímetro, a atenção da plateia, ávida pela retórica retumbante e pelas frases de efeito, vazias mas bonitas. E advogados, de indiscutível qualidade, perderam seu tempo e o dinheiro de seus clientes, discursando para ministros sonolentos ou ausentes, todos eles já com seus votos nos bolsos e pouca importância dando para as relevantes questões técnicas que foram levantadas da tribuna.

Hora de votar. Aí o rabo da porca começou a se torcer ainda mais. O ministro Levandowski, que só para fazer a revisão do processo levou mais de seis meses, apenas então veio descobrir que o julgamento deveria ser cindido, enviando para longínquas comarcas todos aqueles que não dispusessem de prerrogativa de foro, uma tolice que o direito brasileiro aprendeu e da qual não consegue se livrar. Era um claro incentivo à prescrição e à bandalha. Foi vencido e ficou com cara de tacho.

Vota ou não vota o ministro Peluso antes de envergar o pijama que a compulsória lhe imporá no próximo 3 de setembro? Que Sua Excelência vai completar setenta anos nessa data é coisa sabida desde que ele veio ao mundo nos idos de 1942 e que deve constar de seus registro funcionais. Mas o Supremo foi tomado de surpresa pelo evento e não sabe agora se festeja o aniversário do ministro ou se colhe antecipadamente seu vetusto voto.

E votar como? Em fatias ou por inteiro? Tendo em vista a origem dos fatos, prevaleceu o fatiamento, não da pizza, maldoso leitor, mas, digamos das melancias, essa frutona insuportável que nem gelada dá para aguentar. Assim é que, ao final do espetáculo, teremos que ouvir o presidente Ayres Brito, depois de se reconfortar com a leitura de um ou dois sonetos românticos, anunciar o resultado do julgamento: acusado José Dirceu, dois votos por nenhuma fatia, cinco votos por dez fatias, cada uma com quinze sementes, e quatro votos por nove fatias, cada uma com apenas oito sementes. Fica, assim, o referido acusado José Dirceu, daqui ausente, como é lógico, condenado a digerir nove fatias de melancias acrescidas de oito sementes cada uma. A decisão é assim tomada porque, levando-se em conta o número de votos pela condenação menos grave e o número de votos pela absolvição, há de prevalecer a decisão mais favorável ao réu. Está encerrada a sessão.

Ainda bem.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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