Crises climáticas são resultado do modo de vida que o ser humano escolheu, mas não são inevitáveis, diz desembargadora

Foto: Divulgação

A desembargadora Socorro Guedes, do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM), defendeu na manhã desta terça-feira que é imprescindível reconhecer que as crises climáticas e sociais que sofremos são resultado de um modo de vida que o ser humano escolheu adotar, porém não são inevitáveis. Justamente por ser uma opção, as pessoas podem reescrever sua história e construí-la com maior respeito ao meio ambiente.

A magistrada foi a primeira palestrante desta terça-feira (19/3) do Fórum Internacional da Amazônia “Adalberto Carim”, que acontece no Missouri (EUA) durante esta semana e que presta uma homenagem ao juiz amazonense e ambientalista Adalberto Carim, falecido em 2022.

Com o tema “Construindo um Futuro Sustentável e Justo: Um Chamado à Ação Global”, a desembargadora do Amazonas destacou a urgência de se buscar soluções para priorizar a sustentabilidade e a justiça social, ressaltando a responsabilidade humana na atual crise climática e social. Ela enfatizou, ainda, a necessidade de se reconhecer o papel dos povos indígenas na preservação e construção dos biomas amazônicos, contrapondo a visão colonial que desconsidera a sua riqueza cultural e ambiental.

“Como amazônida entendo que esse equívoco de dissociar a humanidade da natureza é tributário da visão colonial, que, infelizmente, ainda é cega para a riqueza e a multiplicidade que constituem a floresta e se dispõe a enxergá-la como mero repositório de insumos econômicos, vendo na Amazônia um deserto verde, ignorando que a floresta constitui herança biótica e cultural legada pelos povos originários repleta de potencialidades inexploradas”, declarou a desembargadora, durante sua palestra.

Ao abordar a relação entre a preservação ambiental e o desenvolvimento, Socorro Guedes observou a importância de superar a mentalidade de exploração predatória em favor de um modelo de cooperação e compreensão da natureza. E ressaltou que proteger a Amazônia não é apenas um dever nacional, mas um imperativo global para garantir um futuro habitável para a humanidade.

“Esse é o desafio que nos é imposto: olhar para a floresta com humildade para conhecê-la e não para dominá-la; para contribuir com a natureza e não para esgotá-la. Mais do que um projeto nacional, proteger a Amazônia é um dever global, pois não há alternativa de mundo habitável para a humanidade sem a Amazônia. É bom lembrar que não há dicotomia entre preservação e desenvolvimento, mas há uma total incompatibilidade entre a exploração predatória e a sobrevivência da humanidade”, pontuou a magistrada amazonense.

Fraternidade

Além da questão ambiental, a desembargadora Socorro Guedes abordou o resgate do Princípio da Fraternidade como um elemento essencial na busca por justiça social, destacando a sua aplicação jurídica em casos de políticas públicas e direitos humanos. Ela enfatizou que a fraternidade implica no reconhecimento de nossa interdependência e na responsabilidade para com os mais vulneráveis, promovendo a coesão social e o acolhimento.

“Entendo que a fraternidade implica em reconhecer, juridicamente, que somos parte de uma comunidade em que devemos cuidar uns dos outros, especialmente daqueles que estão em situação de vulnerabilidade, e zelar por direitos que não são protegidos por tutelas meramente individuais”, comentou Socorro Guedes, que também mencionou jurisprudências dos tribunais superiores do Brasil empregados, entre outros casos, para ratificar políticas de cotas em universidade e para garantir a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes.

“No Tribunal de Justiça do Amazonas, onde exerço a judicatura, houve amplo debate para aplicação do Princípio da Fraternidade em processos nos quais se discutiu, por exemplo, a obrigação de municípios de implementarem políticas públicas de atenção à população idosa; a revisão de desocupações coletivas de áreas envolvidas em conflitos fundiários e o direito à licença paternidade de pai adotante em família monoparental”, destacou a desembargadora durante sua apresentação no fórum.

Em suas conclusões, Socorro Guedes expressou otimismo em relação a um futuro mais justo e sustentável, citando a importância de o ser humano poder mudar a história. Ressaltou que sua participação no evento demonstra também o compromisso do Judiciário amazonense com a proteção do meio ambiente e a promoção da igualdade social na região. E disse estar agradecida e honrada por palestrar, enquanto desembargadora do TJAM, sobretudo, como jurista amazônida, em um evento internacional que presta uma homenagem ao juiz e ambientalista Adalberto Carim.

O evento é realizado pela Universidade Estadual do Sudeste do Missouri, nos Estados Unidos, sob coordenação do professor James Newman e da engenheira de projeto Erleide Parente, e reúne autoridades, intelectuais, juristas e autoridades de vários países para discutir a Amazônia, dentre elas o comandante do Comando Militar da Amazônia (CMA), Gen. de Exército Ricardo Costa Neves.

Juiz Adalberto Carim

O magistrado da Corte de Justiça amazonense, que faleceu em abril do ano passado, foi escolhido para ser homenageado pela Universidade Estadual do Sudeste do Missouri com um fórum e uma exposição fotográfica pelo seu compromisso e preocupação com a Amazônia e com o meio ambiente.

Ao longo da sua carreira, o juiz Adalberto Carim, que foi o primeiro juiz da Vara do Meio Ambiente e Questões Agrárias do Amazonas e a primeira unidade jurisdicional do Brasil especializada na questão ambiental, esteve à frente de uma série de projetos e ações voltados, sobretudo à conscientização e à educação sobre meio ambiente, contribuindo para que o Tribunal de Justiça do Amazonas fosse considerado o “Tribunal Verde” do Brasil, em 2016, por meio do lançamento de projetos de vanguarda, dentre eles o “Projeto Sementes da Vida”. Este, tinha o objetivo de destinar o plantio de uma muda de árvore regional para cada criança nascida em Manaus, que poderia ser localizada através de georreferenciamento, constante na Certidão de Nascimento expedida pelo cartório. Uma estratégia do idealizador com objetivo de reunir educação ambiental, ampliar a arborização na capital e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes. Na época, Carim atuava como juiz auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas.

Também foi a partir do envolvimento do magistrado que outras ações importantes foram colocadas em prática, sobretudo no âmbito do Poder Judiciário: o descarte ecologicamente correto do óleo lubrificante da frota de veículos do TJAM; coleta de óleo de cozinha usado para aproveitamento pelas fábricas de sabão em barra; implantação da coleta seletiva em unidades do Judiciário e estímulo à reciclagem do papel, plástico e metal; instituição de ações voltadas à eficiência energética em fóruns da capital, com destinação correta das lâmpadas queimadas; plantio de mudas de espécies nativas da Amazônia nas áreas de estacionamento dos prédios do Judiciário; instalação das Ocas do Conhecimento Ambiental, que tinham o objetivo de promover a interação da população com as questões ambientais através de cursos, doação de mudas, pesquisas, atividades lúdicas e outras.

Outros projetos de destaque do juiz foram a criação do Espaço da Cidadania Ambiental (Ecam), voltado para a educação ambiental; a Justiça Volante Ambiental, no qual o ônibus percorria bairros da periferia de Manaus realizando a “Caravana da Cidadania Ambiental”, com distribuição de cartilhas educativas a estudantes, teatro de bonecos, apresentação de desenhos com temática ambiental, palestras e orientações sobre direito ambiental, sustentabilidade, cidadania ambiental e o que fazer por sua cidade sem agredir o meio ambiente.

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