É preciso mudar

Por Felix Valois

Por convicção sou um defensor intransigente do princípio da presunção de inocência. E o defendo na sua pureza original, sem a relativização que lhe tem sido dada em esferas do judiciário, inclusive na Suprema Corte. Dizendo a Constituição que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, não há que levar a efeito interpretações esdrúxulas para estabelecer ilações que estão longe do intuito do legislador constituinte.

Bem por isso, está longe de mim afirmar que o senhor Milton Ribeiro tenha praticado as ações que lhe foram imputadas, a ele e aos pastores seus amigos, no âmbito do Ministério da Educação. Terão eles toda a extensão de um processo penal para demonstrar a improcedência das acusações, de tal forma que, por enquanto, ainda não se pode ter certeza de que as verbas destinadas à educação foram manipuladas em nome de interesses pessoais e eleitoreiros.

Mas o fato em si mesmo, incluindo o episódio da demissão do ministro, é emblemático no sentido de demonstrar a falácia que é a proclamação do governo Bolsonaro de que está imune ao vírus da corrupção. Não está e nunca esteve, bastando relembrar, para confirmar a assertiva, a história do orçamento secreto, em que a troca de favores espúrios foi a tônica.

Aliás, olhando em retrospectiva os três anos e meio desse governo, é possível perceber que Bolsonaro tem sido uma decepção e negar essa evidência há de ser apanágio de minoria fanática, que insiste em sobrepor um sonho à realidade. Vejamos, a voo de pássaro, alguns pontos. Quando a pandemia do corona vírus se impôs com toda a violência que a caracterizou, Bolsonaro dela debochou, chamando-a de “gripezinha”. Brasileiros começaram a morrer aos montes, fosse como efeito direto da doença, fosse pelas falhas de atendimento no setor de saúde. No Amazonas, fomos particularmente infelicitados, como todos sabem, pois aqui a falta de oxigênio provocou mortes cruéis por asfixia. E, num quadro trágico como esse, o que fazia o presidente? Insistia em menosprezar a vacina, propagando a necessidade do uso de um medicamento (a cloroquina) que a comunidade científica tinha como absolutamente ineficaz para esse desiderato. Essa pantomima presidencial foi responsável, direta ou indiretamente, pelo falecimento de mais de seiscentas mil pessoas em todo o Brasil.

De outra face, Bolsonaro engrossa a voz para dizer que “a Amazônia é nossa” e arrotar que os estrangeiros não têm que aqui meter o bedelho. Sendo louvável, em tese, tal proclamação, é de ver que as atitudes do governo relativas ao tema estão longe de demonstrar o cuidado que o assunto, por sua relevância, está a exigir. Quem não se recorda do ministro do Meio Ambiente que, em reunião, destacou a necessidade de aproveitar o momento para fazer passar a boiada? Sabendo-se que “boiada” era um conjunto de propostas legislativas totalmente contrárias aos interesses ambientalistas, dá para concluir qual é a verdadeira visão do governo sobre a questão amazônica.

Faz-se de tudo para favorecer o agronegócio predador, estimula-se a garimpagem ilegal e trata-se a questão indígena como um tumor que incomoda a saúde governamental. Enquanto isso, as queimadas têm avanço assustador, dizimando quilômetros quadrados de floresta e contrariando os dizeres do poeta Emerson Maia para quem, em memorável toada, “matar a mata não é permitido”.

Triste visão de um governo que se firmou com base no ódio e na cizânia. Bolsonaro debocha dos ideais republicanos e gera atritos institucionais pela simples razão de que não consegue entender o mecanismo de funcionamento dos três poderes. Suas constantes agressões ao judiciário revelam um inconformismo patológico com a ordem natural das coisas e traduzem apenas sua vocação golpista e autoritária.

É preciso mudar. Urgentemente é preciso mudar. A Pátria, sendo de todos, merece coisa melhor.

 

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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