Para não dizer que não falei de BBB

Por João Lago

Em um vídeo o humorista Murilo Couto, comentando a eliminação de Karol Conká, ironizou que o ódio uniu os expectadores do programa Big Brother Brasil com uma votação recorde para a “rapper”, sendo o ódio mais eficiente que qualquer outro sentimento para engajar pessoas. Essa observação de Murilo Couto não é inédita, pois o escritor russo Anton Tchekhov, que escreveu sua obra nas três últimas décadas do Século XIX, já havia dito que: “nada une tão fortemente como o ódio – nem o amor, nem a amizade, nem a admiração”.

Pessoalmente não me agrada o formato do programa BBB, nem tão pouco o considero como um experimento que possa ser extrapolado para uma análise científica válida para explicar as inter-relações humanas, mesmo porque a produção do entretenimento manipula o comportamento dos participantes por meio de jogos e por disputas internas. No entanto, o que chama a minha atenção, ou desperta o meu interesse, não é que acontece no confinamento interesseiro, mas na reação que causou aqui fora com muita gente séria que analisa política falando de BBB.

Decidi dar minha contribuição ao debate não para comentar BBB, mas fazer uma análise a partir de Murilo Couto e Anton Tchechov que o ódio é o que permeia o discurso político que mais une as pessoas no Brasil. Trata-se de uma dicotomia da luta do bem contra o mal que divide pessoas em dois grupos: a) os amigos, aqueles que pensam igual a mim e; b) os inimigos quem não concorda comigo. Essa foi a estratégia política que venceu as eleições em 2018 e que passado dois anos ainda permanece. No entanto, da mesma forma que parcela da população ficou fatigada com o discurso do “politicamente correto”, agora se sente de saco cheio com a ideologização de qualquer comportamento. Por exemplo, quem apoia a vacina, o uso de máscaras, o distanciamento social e a quarentena como forma de combate a pandemia é chamado de esquerdista, mesmo que pese todas as evidências científicas que essas são as únicas medidas viáveis enquanto a maioria da população não seja vacinada. Assim, com a falta de união do povo brasileiro em torno da ciência chegamos a 250 mil mortos e estamos atrasados na vacinação da população. Sabe-se que o governo federal apostou errado quando apoiou tratamentos não referendados pela ciência e foi negligente e omisso nas medidas simples de combate a covid-19, tendo como garoto propaganda da proliferação do vírus o próprio Jair Bolsonaro. O presidente recusa-se a usar máscara, promove aglomerações por onde passa e critica governadores e prefeitos que, com as UTIs dos hospitais lotadas, restringem a circulação de pessoas e fecham o comércio e os serviços não essenciais buscando frear o avanço da pandemia e salvar vidas.

O Amazonas colapsou em janeiro deste ano com o surgimento de uma nova variante do vírus mais contagiosa que a de março de 2020 que já se espalhou pelo Brasil. As regiões sul e sudeste mais populosas já começam a sentir o efeito dessa mutação do vírus e já veem seus hospitais lotarem e correm para decretar quarentena severa à população. Porém, ignorando completamente os fatos, Jair Bolsonaro ameaça governadores e prefeitos em negar-lhes auxílio emergencial a população caso façam lockdown. É completamente irracional e desumano oferecer como única saída à população expor-se ao vírus e ver morrer conhecidos, amigos e familiares. Portanto, mesmo que Bolsonaro sinta-se incomodado em ser chamado de genocida age como tal.

Sinceramente não espero que Bolsonaro por intercessão das mãos dos líderes religiosos que ainda o apoiam seja convertido para um comportamento cristão. Ter sido batizado nas águas do Rio Jordão pelo pastor presidiário Everaldo parece não ter surgido qualquer efeito. Alguns outros religiosos continuam o apoio cego a Bolsonaro, como Silas Malafaia, que mesmo face ao estado crítico que se encontra os hospitais de Curitiba, reuniu no dia 25 de fevereiro centenas de fiéis em um culto que poderá favorecer a proliferação da covid-19.

Estamos divididos, porque faz parte da estratégia da manutenção do poder de Bolsonaro testar nossa resiliência, pois aposta vencer pelo cansaço ou pela ruptura institucional. Não é segredo que tem apreço pela ditadura militar e que sempre pregou a exterminação da oposição. Portanto, nessa luta entre o que seja o bem e o mal não há uma saída que não passe pelo amor, amizade e admiração. Ter amor pelo próximo, amizade com a verdade e admiração pela ciência.

 

João Lago

João Lago

* João Lago é professor universitário, mestre em Administração (Estratégica / Marketing), tem 10 ...

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