Realizar festival em novembro é desrespeitar luto de parintinenses e expor população à catástrofe, diz médico

Realizar festival em novembro é desrespeitar luto de parintinenses e expor população à catástrofe, diz médico

Realizar festival em novembro é desrespeitar luto de parintinenses e expor população à catástrofe, diz médico. Para especialista, é ilusório e até infantil acreditar que haverá respeito a medidas sanitárias como de distanciamento social.

A pandemia do novo coronavírus não apenas obrigou a cancelar viagens, shows, lançamentos, negócios, sonhos e desejos. Mudou para mais de 1.928 pessoas no Amazonas, diretamente, seus planos de vida, provocando suas mortes. No Brasil, o número de óbitos é de 76.688 brasileiros, até esta quinta-feira (16).

Para as famílias, amigos e conhecidos de quem perdeu a luta para um vírus, não há um novo normal que possa ser escrito ainda sem dor, sem o luto. Não há vacina ainda e nem cura, mas sobra incerteza de que o ser humano não tem tanto controle sobre o futuro.

Realizar

Diante desse cenário, projetos foram adaptados, fugindo da estagnação, mas ainda não é momento de fazer “testes” em larga escala. Nesta semana, os bois de Parintins anunciaram a realização do Festival Folclórico para o mês de novembro. Um evento que reúne milhares de pessoas, de todos os lugares do Brasil, do mundo e do próprio Estado.

A mesma ilha é a quinta cidade do Amazonas com mais casos de Covid-19, somando até ontem 3.019 infectados e 93 mortes. Com a retomada de atividades não essenciais, Manaus e outros municípios estão experimentado um maior grau de desrespeito às mais básicas recomendações de saúde, como o uso da máscara. Tem sido cada vez mais comum ver pessoas sem a proteção, sem contar as inúmeras situações de aglomerações. E os números de novos infectados seguem em alta: 1.081 nesta quinta, 1.144 casos na quarta.

Em Parintins, o médico Daniel Tanaka, à frente como diretor clínico do Hospital Jofre Cohen durante um dos períodos mais críticos da pandemia, entre março e abril, esteve nos dois lados: na linha de frente do enfrentamento para atender e salvar vidas e como paciente, contaminado pelo vírus e tendo uma reinfecção.

Tratamentos

No tratamento, pela segunda vez, feito em São Paulo, seu pulmão chegou a ficar comprometido em 50%. Após o período mais crítico e do momento mais feliz, ao receber alta, na semana que antecedeu o retorno a Parintins atuou na UTI Covid do Hospital das Clínicas da USP. “Busquei me atualizar para melhorar nosso protocolo de tratamento aqui em Parintins”, explicou.

Em suas redes sociais, o médico fez um desabafo sobre protocolos de segurança e o temor da realização de um festival sem uma vacina eficaz ou uma cura atestada. Temor seguido de respeito a tão importante manifestação cultural, mas que não pode se sobrepor a algo ainda mais importante, o valor da vida.

“Existem dois modos de enxergar a possível realização da festa. A primeira visão é uma questão de bom senso e de sensibilidade com as famílias enlutadas. Nessa visão, proceder a um festival que vai aglomerar pessoas de forma singular e com alto potencial de explosão nas contaminações (é ilusório e até infantil acreditar que haverá respeito a medidas sanitárias como de distanciamento social) é, ao meu ver, ser insensível às mais de cem famílias parintinenses que tiveram a perda do ente querido. Além de insensibilidade, é ao meu ver falta de respeito”.

Doença traiçoeira

Para Tanaka, o Covid-19 é uma doença traiçoeira, de um curso clínico mais prolongado do que outras infecções virais, e que altera enormemente o sistema imunológico e hemostático (levando à distúrbios de coagulação).

“A grandiosidade do festival como manifestação folclórica e a importância econômica do mesmo não se sobrepõe ao momento de tristeza. E aumentar o nível de contaminação, que de fato acontecerá caso o festival seja realizado, é diminuir a importância de cada vida perdida. É minimizar o valor da vida. Sobrepor motivação financeira aumentando a mortalidade é extrapolar o limite do razoável para um ano de imenso sofrimento. Talvez os que defendem tal ideia não devam ter perdido um pai, uma mãe ou um grande amigo para a Covid-19”, diz o médico.

Uma segunda visão analisada por Tanaka é a discussão da viabilidade do festival folclórico. As agremiações citaram estudos ainda não apresentados, que indicariam a possibilidade da realização de uma festa com milhares de pessoas, juntas, reunidas, aglomeradas. O vírus não se desloca sozinho, ele anda com as pessoas.

Imunidade

“Não há estudos conclusivos sobre a questão da imunidade e controle da pandemia no âmbito do Estado e, em especial, do município de Parintins. A diminuição da incidência de óbitos e internações não garante que a população esteja de fato imunizada. Traduz sim que as medidas de distanciamento e uso de máscaras têm significância, mas não tem valor preditivo que se possa colocar à prova num evento em que é impossível dizer que respeitará medidas sanitárias cabíveis. É uma afronta à inteligência das pessoas querer que acreditem que essas medidas sejam plausíveis”.

O Governo do Estado emitiu uma nota informando que só se pronunciaria sobre a realização da festa após receber parecer das autoridades sanitárias, as únicas capazes de avaliar os riscos da exposição da população à Covid-19 em eventos do porte.

Governo

O Governo do Estado afirmou entender a relevância do evento para os habitantes de Parintins, de todo o Amazonas e do Brasil, enquanto manifestação cultural e geradora de renda, mas que não é possível que tal decisão seja tomada sem o embasamento científico necessário que assegure o maior bem que todos temos: a vida.

“Já o Estado do Amazonas, caso se posicione a favor da realização da festa, estaria desrespeitando a desastrosa história recente a qual foi protagonista desse desastre, o qual contou inclusive com câmaras frigoríficas para armazenar corpos na porta de hospitais. O Governo, ao não ter se preparado para o enfrentamento de maneira adequada e precoce, passou longe de ser um exemplo no quesito previsões epidemiológicas”, questiona o médico.

Medidas

Tanaka lembra que a gestão municipal parintinense tomou medidas de prevenção, aumentando o distanciamento social e decretando o uso obrigatório de máscaras e toque de recolher, se armando de forma precoce para a chegada do vírus.

“A pandemia ainda não teve fim. A Covid-19 ainda não tem cura. A vacina é apenas uma promessa no momento. A maioria das pessoas não estão ainda imunes. Vamos respeitar esse duro momento. Não se pode colocar à prova vidas de pessoas vulneráveis. O brincante do festival de novembro, pode estar enterrando seu pai, sua mãe, seu avô ou sua avó em dezembro, mês do nascimento de Cristo. Não ao Festival 2020. Não sujem o nome desse patrimônio cultural de sangue”.

O médico termina seu post reafirmando que o valor da vida é maior e que se faça um festival em 2021, mais lindo.

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