Chico da Silva faz 75 anos e revela como fez 10 sucessos. Ouça as músicas e veja depoimentos

Chico da Silva faz 75 anos

Chico da Silva faz 75 anos e conta as histórias de dez dos seus maiores sucessos. A ilustração, do artista plástico Euros, foi feita para uma compilação de toadas, em 1992

Um artista de muitos sucessos, como cantor e compositor, Chico da Silva chega aos 75 anos. O Portal do Marcos Santos mostra como o artista compôs dez dos seus maiores sucessos. Em tempos de live, aproveite para percorrer as músicas, que estão anexadas, ouvindo um pouco do artista.

“Vermelho”, por exemplo, foi inspirada numa derrota do Garantido, onde o artista viu reminiscências do movimento socialista internacional. A música é a preferida do governador Wilson Lima, do prefeito Arthur Virgílio, do presidente da Federação das Indústrias (Fieam), Antônio Silva, e do apresentador do Garantido, Israel Amorim.

“Sufoco” foi recusada, inicialmente, por Alcione e Jair Rodrigues, só entrando no disco da “Marrom” por insistência do produtor e do diretor comercial da gravadora Polygram. A música foi composta no apartamento dele, no Rio, ao lado do parceiro, o santareno Antônio José. “Ele se emocionava e ia às lágrimas”, servindo de termômetro para a música. A cantora vendeu 1,5 milhão de discos e nunca mais alcançou essa vendagem. A música é citada por Wilson Lima como a preferida da esposa.

O portal ouviu artistas e autoridades com a indagação: “Qual sua música preferida de Chico da Silva? Por quê?”. Veja, abaixo, os depoimentos:

“O amor está no ar” – Wilson Lima, governador

“Tem uma música muito tocada e que eu gosto muito, que é ‘O amor está no ar’. Minha mulher gosta muito de ‘Sufoco’, gravada pela Alcione (dele e de Antonio José), e, naturalmente, eu gosto muito também. O Chico da Silva é um artista da nossa terra, do Amazonas. É um caboclo e alguém que nos orgulha muito. É um ser humano simples, que vive o cotidiano e entende a Amazônia. As letras dele traduzem com muita propriedade o sentimento do caboclo, de quem mora no Amazonas e do ser humano, de uma forma geral. Ele consegue, com palavras simples, penetrar a alma das pessoas. Aproveito para dar os parabéns pelo aniversário e desejar a ele vida longa”.

“Vermelho” – Arthur Virgílio, prefeito de Manaus

“O Chico da Silva fez muito sucesso, mas menos do que merece. É um grande artista. Ele trabalhou muito para a gente, fazendo jingle de campanha. Uma vez, como estava demorando, nós o chamamos no comitê. Ele se trancou numa sala e em 15 minutos estava pronto meu jingle para deputado federal. Usamos em várias outras campanhas. Simplesmente genial.

Quanto à música, para mim, ‘Vermelho’ é a melhor. É genial. Diz tudo.”

 

“Vermelho” – Antônio Silva, presidente da Fieam

“O Chico esteve nos píncaros da glória, sendo o compositor preferido dessa grande cantora que é Alcione. Ele fez algumas músicas para o Natal, para nosso grupo, com muito sucesso entre os colaboradores. Música? Eu sou azul, mas tenho que reconhecer que ‘Vermelho’ é uma das músicas mais bonitas dele. Queria que, antes de eu partir, ele fizesse algo assim para o Caprichoso”.

 

“Vermelho” – Israel Paulaim, apresentador do Garantido

“O Chico da Silva é fora parte. É um grande artista e tem toda a minha reverência. Todas as músicas dele são especiais, emblemáticas. Agora, pela notoriedade dela, nacional e mundial, ‘Vermelho’ é o destaque. Até porque é um hino do Garantido. O hino do século, para nós. Mas tem muita coisa boa. ‘Boi do Carmo’, por exemplo, é linda também.

 

“Os pescadores” – Bi Garcia – Prefeito de Parintins

“O Chico é nosso artista maior. Um orgulho para Parintins e para os parintinenses. O Brasil o revencia. Basta lembrar que quando noticiaram a morte dele, por engano, no programa do Faustão, o Zeca Pagodinho chorou no ar. E a música que mais gosto é ‘Os pescadores’ porque mostra nossa raiz, a vida dos nossos caboclos mais humildes, sobreviventes por natureza.”

 

“Cantiga de Parintins” – Tony Medeiros – vice-prefeito de Parintins

“O Chico merece todas as homenagens. A música que mais gosto dele é “Cantiga de Parintins” porque é o primeiro sucesso regional e nacional falando detalhadamente da nossa terra.”

 

“Meu amor é Caprichoso” – David Assayag – levantador do Caprichoso

“A música que mais gosto do Chico é a toada ‘Meu amor é Caprichoso’. No dia que minha mãe morreu, eu estava no palco cantando ela. Minha mãe era uma grande torcedora do Caprichoso. Se emocionou muito quando voltei para o bumbá. Quando cheguei com o corpo dela, em Parintins, cantei novamente, ainda no aeroporto. Essa música é indispensável no meu repertório. O Chico é perfeito.”

 

Chico da Silva e suas músicas, por ele mesmo

O barba azul

“Foi inspirada na viagem que eu fiz, de Manaus para o Rio de Janeiro, num navio da Marinha Mercante. Fui um pouco por aquela coisa de ‘Peguei um Ita no Norte’, do Dorival Caymmi. Esse negócio de uma namorada em cada porto é fictício, viu? (risos). Paramos em vários portos, até chegar no Rio. Me inspirei nessa viagem, que durou 26 dias. Passei a ideia e o Venâncio me ajudou a fazer a letra. Mas eu não sou esse Barba Azul das arábias (risos).”

 

Pandeiro é meu nome

“Tem uma história. Peguei o gancho da música do Totonho e Paulinho Rezende, ‘O surdo’, onde eles falam: ‘Eu bato forte, em você, e aqui no meu peito uma dor me destrói, mas você me entende e diz que pancada de amor não dói…’ É uma poesia muito bonita. No caso de ‘Pandeiro é meu nome’ tem uma crítica sutil, característica do Venâncio, meu parceiro. É uma crítica à ditadura, feita já na passagem para a democracia. Trata-se do brasileiro humilde, que trabalha, no dia-a-dia, passando pela repressão: ‘Não me chamo surdo, mas aguento fome’. É o drama do brasileiro e um elogio ao lutador, que permanece até hoje.”

 

Diário de um Boêmio

Isso foi inspirado na época em que eu estudava na Escola Técnica (Federal do Amazonas). Eu era interno e saía no fim de semana. Tinha um amigo, na Cachoeirinha, Wanderley, mas uns outros parceiros, e a gente ia fazer serenata. Eu levava o violão, mesmo sem tocar nada, porque eu cantava. Por isso o ‘sempre levado pelo braço de um violão’. E ‘Aonde estava a boemia lá estava eu…’. Aproveito para homenagear minha Estação Primeira de Mangueira…”

 

O Breguelhegue

“Breguelhegue é um bloco muito famoso, lá de Santarém, que foi extinto. Meu irmão, Jósimo, por ser gerente da Shell, no terminal de petróleo, me levava. Era época do ouro farto. Só saía no bloco a sociedade mais bem aquinhoada. O pessoal me pagava uma grana legal.

“Foi o primeiro bloco a colocar os bois de Parintins, com alegorias e tudo. Santarém foi a primeira saída, depois é que veio Manaus, Belém e o mundo todo.

“Tem um samba-enredo meu que diz: ‘Uma fantástica viagem realizei e agora vou mostrar/ o que eu vi, numa ilha que passei/ me encantei com o folclore do lugar/ meu povo/ vem ver meu povo/ no Breguelhegue o Festival de Parintins/ bumba meu boi/ é boi bumbá/ a toada virou samba e no bailado vou sambar…’ Muito bonita.”

 

Cantiga de Parintins

“Foi quando encontrei o Fred (Góes), que estudava Comunicação na faculdade Cásper Líbero, em São Paulo. A gente era amigo de infância em Parintins e nos encontramos, tanto tempo depois. Foi uma alegria só. Ele tinha uma poesia, que era a coisa mais linda e falava de Parintins. Achei muito interessante, botei mais algumas coisas, costumes, tradições, inspirado na nossa cultura, nossa gente. A curiosidade é que “dona Siloca” é a mãe do Fred e não dona Sila Marçal, como muitos pensam”.

 

Vermelho

“Inspirado na nação vermelho e branco. Fiz num ano que o Garantido não ganhou o campeonato e eu os vi festejarem, mesmo sendo vice-campeões. Saíram fazendo uma linda passeata.

“Eu me inspirei, lembrando dos movimentos socialistas, os jovens, o povo na rua. Resolvi fazer uma mistura de tons, de paixões, lembrando a bandeira socialista.

“A alusão ao vermelho é também uma crítica aos falsos comunistas, aqueles que tomam whisky escocês, e homenagem aos grandes comunistas brasileiros. Tivemos gente como Niemeyer, nesse meio. Tem muita relação com a nação vermelha do Garantido e os movimentos sociais pelo mundo.”

 

O amor está no ar

“Faz parte de uma trilogia, de muita inspiração, onde estão ‘Vermelho’, ‘Festa da raça’ e ‘O amor está no ar’, de 1996-1997. Era o início da internet, dos programas do Bill Gates: ‘Me programei pra vida inteira não me interessar…’ O mundo estava chegando a esse momento do virtual. Falei do amor inseparável, como das araras, que são fiéis até o fim. ‘Nada me interessa, a não ser o seu amor’.

“É uma toada que, assim como ‘Vermelho’, cresceu sozinha. Das três, apenas ‘Festa da raça’ fez sucesso no Garantido e no Festival.

“Dei para o Regional Vermelho e Branco porque eu tirei ‘Vermelho’ deles, que queriam gravar. Me senti em débito com o Sidney Resende, que tinha me encomendado música.

“‘O amor está no ar’ quase vai para novela e só não foi por causa do tipo de gravação, feita em Manaus, e àquele ‘padrão Globo de qualidade’.”

 

Raízes de um povo

“Essa você conhece bem porque me levou pro Caprichoso, naquela época.

“As pessoas têm aquela coisa, folclórica, que tem seu lado de verdade, afirmando que o Caprichoso é ‘boi de elite’. Era ali de baixo da cidade, onde moravam pessoas de grana, o centro da cidade. Mas eu acredito que o Garantido sempre teve mais mecenas, ricos, mais mão abertas. Os do Caprichoso são mão fechada (risos). O Caprichoso foi fundado por pescadores e estivadores. O Garantido foi fundado por um pescador e estivador, ao mesmo tempo, no caso ‘seo’ Lindolfo Monteverde. Então a raiz do Caprichoso não é da elite, mas são ‘Raízes de um povo’. Você conhece muito bem essa história porque discutimos a respeito.”

 

Convite a Roberto Carlos

“Roberto foi nosso ídolo, da época da juventude. Quando ganhou o Festival de San Remo e voltou como melhor intérprete, com ‘Canzone per te’, do Sérgio Endrigo, foi um evento que gerou divulgação mundial. Ele desfilou em carro aberto dos bombeiros, em São Paulo. Passou por mim, na avenida Santo Amaro. Eu era muito jovem, nos anos 1967/1968. Ele tinha uma música ‘Eu sou terrível’, que a gente dançava nos salões. A gente levava os discos do Roberto Carlos, Jorge Ben, Simonal…

“Fui inspirado nisso, nas músicas do Roberto dessa época, como ‘Quero que vá tudo por inferno’ e ‘O calhambeque’. Curti muito, na minha juventude. Foram músicas muito importantes nas vidas dos jovens da época. Acredito que ele foi o maior cantor do Brasil, tendo alcançado várias gerações.

“Aí eu fiz uma compilação de vários sucessos dele. O ‘Convite a Roberto Carlos’ acabou me proporcionando um ‘Fantástico’, esse programa da Globo que é o de maior audiência no domingo. Chegar lá não é para qualquer um agora, você imagina na época, quando a audiência era ainda maior. Cheguei graças ao Roberto, que até me emprestou o calhambeque para a gravação. E olhe que ela entrou como 12ª música no disco. Faltava uma música e o produtor me disse: ‘Escolhe aí’. Eu coloquei ‘Convite a Roberto Carlos’. Foi uma surpresa ele (produtor) me ligar, para minha casa, dizendo que a gente ia entrar no ‘Fantástico’.”

 

Sufoco

“Essa é a história mais longa. Vou tentar encurtar.

“Meu parceiro, Antonio José, aos 16 anos, estava indo de Santarém para o Rio de Janeiro. Mas eu já o conhecia desde São Paulo, antes de gravar meu primeiro disco. Assim que gravei o ‘Samba quem sabe diz’, com ‘O Barba Azul’, ‘Pandeiro é meu nome’, fazendo sucesso, ele foi para o Rio de Janeiro me procurar.

“Eu estava morando num apartamento, no Meyer. Ele almoçou, jantou e foi ficando (risos). Como eu viajava muito e ele era um jovem, achei que era uma boa ele ficar ali em casa. Falei com a comadre, minha mulher, e ele foi ficando, ocupando o quarto que eu usava para compor.

“Nessa época, eu saía muito, conhecia as feras. Morava no apartamento do Rei Momo do Carnaval. Minha vida no Rio se tornou notívaga. Conheci João Nogueira, Roberto Ribeiro, o pessoal do samba. Caí no samba e fui conhecer os terreiros. Chegava só de manhã e às vezes mamado, passado (risos).

“Minha companheira passou a ter o Antônio José como confidente. Ela dizia que não sabia se ia atuar os meus abusos, meus absurdos de chegar de manhã em casa… Coisa de sambista. Não tinha mulher na parada (risos).

“Ele (Antonio José) se queixava que eu não dava atenção para ele. Um dia resolvi dar atenção e ele me mostrou um cha-cum-dum. Não tinha muito sentido porque ele não manjava muito desse cha-cum-dum. Falava desses problemas, abusos, absurdos.

“Fui tentar agradá-lo e fui consertando. Cada palavra que colocava e à medida que trabalhava na melodia, eu fui gostando e ele se emocionava, lagrimava. Um negócio impressionante. Era um termômetro importante da música, de cada frase que eu colocava, que mexia com a sensibilidade dele. Foi assim que nasceu ‘Sufoco’. Uma história bonita.

Tem muita história, mais para a frente.

É uma música que, inclusive, foi recusada pela Alcione. Ela entrou na marra porque os produtores e, especialmente, o diretor comercial, viram o sucesso da música. No disco da Alcione só tinha cobra criada, Gilberto Gil, Chico Buarque, Chico Anysio. Só fera. Eu já tinha gravado ‘Pandeiro é meu nome’, com ela. O Jair Rodrigues também passou batido nela (recebeu e não gravou). Depois, muito tempo depois, a Maria Betânia pediu a música para ela. É uma história bonita e longa. Muito sucesso. A Alcione vendeu 1,5 milhão de discos. Nunca mais bateu essa vendagem. Coisa impressionante.”

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1 comentário

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  1. Francisco tussolini disse:

    Grande Chico da Silva, homem simples que conheço pessoalmente desde da década de 80. Falou dos 10 maiores sucessos e eu incluiria 11° sucesso que foi uma música que ele fez para minha campanha de deputado estadual na década de 90 e que eu guardo como um troféu!!
    Parabéns, muita paz, saúde e esperança. Tussolini