Os hiperconectados

Inegavelmente vivemos em uma sociedade mais conectada, principalmente com a popularização dos smart phones, como são chamados os celulares multifuncionais com acesso a internet, nos quais a informação virtualmente está nas pontas dos dedos. Contudo, por mais que se faça propaganda para a revolução na qualidade crítica dos hiperconectados, o simples fato da facilidade de acesso aos conteúdos de informação parece não refletir em uma melhoria na capacidade de julgamento do que é verdade ou mentira. Observo que uma grande maioria desses hiperconectados consome a informação como se fosse uma tulipa de chope, molhando os lábios com a espuma e dando-se por satisfeito sem saborear a bebida até o final.

O escândalo da manipulação das eleições estadunidenses pela empresa britânica Cambridge Analytica revelou como é frágil o julgamento do eleitor quando induzido a enfrentar os seus medos e preconceitos. Por meio de convites para realizar um inocente quiz (questionários), a empresa solicitava ao usuário a digitação de sua senha de login no facebook e, sem autorização prévia, armazenava em bancos de dados todo o histórico de navegação do indivíduo naquela rede social. Assim, de posse dessas informações, a Cambridge Analytica segmentava usuários por perfis de comportamento e direcionava notícias falsas bem ao gosto do freguês.

O hiperconectado, por convergência ideológica, muitas vezes não se dá ao trabalho de verificar a idoneidade da fonte e não somente acredita no que está recebendo, bem como imediatamente repassa a outros. Exemplificando, ao segmentar um cidadão como conservador e desejando criar uma aversão a determinado candidato, notícias indicando que o mesmo é favor da liberação da maconha e do aborto são direcionadas, ainda que não fossem verdade. Logo a mídia apelidou esse estratagema de fakes news, ou notícias falsas em bom português. O que pode parecer mais grave é que os hiperconectados estão sendo selecionados e enganados por um algoritmo, ou robô em uma linguagem mais popular. No outro lado não há interação humana, mas um programa de computador, justamente porque a inteligência que está por trás disso tudo aponta para um alvo muito fácil de ser atingido: os nossos medos e preconceitos.

A verdade é que o simples acesso à informação não transforma o indivíduo capaz de interpretar mais assertivamente a realidade, ou ser um crítico pronto a refratar as fakes news. O julgamento dos hiperconectados situados na espuma, impedidos pelo preconceito e pelo medo de aprofundarem-se no conhecimento, funciona como uma esponja que absorve somente aquilo que lhes é perfeitamente confortável. Aos hiperconectados da espuma não lhes interessam saber se é real ou falsa a notícia quando essa vai ao encontro de seu próprio ego. Olham para o que leem, veem e escutam como estivessem à procura de um espelho que mostre as suas próprias convicções.

Vivemos em um mundo em que a informação é uma mercadoria e tal como um produto carrega uma ideologia, um propósito e um público alvo. Porém, a boa informação é aquela que mesmo não sendo completamente isenta trabalha com a verdade dos fatos e tem honestidade intelectual, ou seja, não cria notícias baseadas em mentiras menosprezando a capacidade do receptor em buscar a verdade.

As eleições deste ano será um campo fértil para semear inverdades e o melhor caminho para não se deixar enganar é desconfiar de qualquer notícia que possa ser boa demais para o nosso próprio ego, pois neste caso, quem está pronto a nos deixar enganar somos nós mesmos.

João Lago

João Lago

* João Lago é professor universitário, mestre em Administração (Estratégica / Marketing), tem 10 ...

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