Alcione se diverte em estúdio e canta Boi de Negro com visível prazer. Produção coletiva fez toada crescer

Alcione se diverte em estúdio e canta Boi de Negro

Alcione se diverte em estúdio e canta Boi de Negro como “um presente para o Caprichoso”

Uma obra coletiva, que arrebatou autores, conquistou músicos, envolveu pesquisadores e já é um sucesso. O Quilombo de São Benedito, na Praça 14, segundo quilombo urbano oficializado do Brasil, supervisionou tudo. Boi de Negro (Moisés Colares/ Raurison Nascimento/ Frank Azevedo/ Ricardo Linhares) cresceu desde a “demo”. Os maestros Neil Armstrong e La Bamba, que têm formação clássica, fizeram pequenas adaptações na melodia. Sidney Rezende, que este ano trocou o Garantido pelo Caprichoso, ajudou. E o resultado ficou esplendoroso, a ponto de conquistar a cantora Alcione, que dispensou o cachê.

“Sou da banda oficial do Caprichoso. Nós temos dois grupos e o meu estava de folga no dia da gravação. Aí um amigo me ligou de lá gritando: ‘A Alcione gravou tua toada. Colocou o som do telão pra eu ouvir. Fiquei arrepiado e com as pernas bambas. Até agora nem acredito”, disse o compositor Moisés Colares. “Venho há anos ‘batendo na trave’, chegando na final e sem emplacar toada no Caprichoso. Agora tinha quatro toadas concorrendo e emplaquei só ‘Boi de Negro’. É um grande presente”, disse Moisés Colares, um dos compositores.

 

Toada contém segredos do Boi de Arena

“Respeitamos a letra. O Erick Nakanomi fez o texto declamado pelo Rômulo Vieira, membro do Quilombo Urbano de São Benedito, da Praça 14. Foi um trabalho bem legal”, conta Neil Armstrong. Nakanomi, professor da Ufam em Parintins e presidente do Conselho de Artes do Caprichoso, buscou ajuda. “O professor Diego Omar da Silveira, da UEA de Parintins, especialista em história das religiões, ajudou muito”, revela.

A toada contém segredos e é prova da continuidade do espetáculo do Caprichoso na arena do Bumbódromo. “O texto é o que o boi vai levar para a Arena. Na coletiva de imprensa, ano passado, eu disse que três palavras-chaves iam permear o boi, em 2017, 2018 e 2019: luta, resistência e revolução. O valor estético da apresentação não será apenas visual, mas conceitual. Vamos atuar pensando na questão dos povos da Amazônia, das comunidades tradicionais. O Caprichoso é um boi de famílias negras. Em 1988 (inauguração do Bumbódromo), já apresentou o tema ‘Rei Negro, tributo à liberdade’. Por isso a gente incluiu na toada esse manifesto”, acrescenta Nakanomi.

“A professora Irian Butel Silva (presidente do Instituto Memorial de Parintins) trouxe o contato do Quilombo de São Benedito. E eles supervisionaram tudo. Fizemos questão”, conta Erick.

Uma palavra foi mudada, por sugestão do professor Diego Omar: Era “Brasil pastoril” e passou a ser “Brasil colonial”. “O Brasil Colonial é tempo das senzalas, do primeiro plantel de gado no Piauí e brincadeira de boi nas senzalas. Era essa a maneira de os escravos afogarem suas mágoas”, conta Nakanomi.

Outra revelação do presidente da comissão de artes: a temática do negro não será usada em apenas um momento. “A toada é oficial do boi. Mas vamos trabalhar em linguagem transversal. Não será um momento, mas em todos os momentos haverá esse olhar”, revela.

 

‘Um presente ao Caprichoso’

Alcione se diverte em estúdio e canta Boi de Negro

Presidente do Caprichoso com Fernando, produtor de Alcione, e Vera, irmã e empresária da cantora

A cantora Alcione não quis cobrar cachê e decidiu oferecer a voz como “um presente ao Caprichoso”. Foi quase uma saga para o bumbá tê-la no playlist oficial de 2018. Ainda no Carnaval de 2017 foi feito o primeiro contato. “Fiquei surpreso com o jeito como ela se encaixou. Ficou muito legal”, destaca o experiente David Assayag.

David gravou “Vermelho”, de Chico da Silva, quando ainda estava no Garantido, com Fafá de Belém. Foi o maior sucesso nacional da toada de boi-bumbá em todos os tempos. “Tic-tic-tac”, de Braulino, gravada pelo Grupo Carrapicho, percorreu o mundo, mas não bateu “Vermelho” em território nacional.

“Ela está preparando um CD e um show para marcar os 70 anos, que está completando, e ‘Boi de Negro’ será incluída no show”, informa David.

“Falei com a irmã dela e empresária, Vera. E ela me mandou para o Fernando, produtor. Eu queria saber quanto seria o cachê. Ele pediu para ouvir a toada e no dia seguinte me ligou dizendo que ela não cobraria nada. Marcaram a gravação para o dia 22/02, às 15h. No dia anterior, às 7h, eu estava em Parintins quando o produtor ligou. ‘Quem vai receber a Alcione no estúdio?’, indagou. Tomamos um susto. Tentamos alguém do Rio ou de São Paulo e no final eu tive que sair correndo para pegar um avião às 20h. Cheguei no Rio 7h e fui correndo para o estúdio onde ela grava, o Play Rec. Esperei por ela, sem sair de lá, e 15h05 chegou a Marrom”. O relato é do presidente do Caprichoso, Babá Tupinambá, que mal acreditou no resultado do trabalho.

Marrom, segundo Babá, cantou a toada dançando, empolgada. “Ela estava debilitada e se recuperando do esforço do Carnaval. Ela foi homenageada em duas escolas, inclusive a Mangueira”, diz.

 

David Assayag

Com a agenda repleta, até junho, quando acontece o Festival Folclórico de Parintins, David Assayag está animado. “O boi criou um novo boom no Estado. Começou a funcionar novamente. Temos feito muitos shows e não paramos mais. Já faz três anos que a expectativa para o Festival e de quem trabalha com a música vai muito bem”, testemunha.

 

Obra coletiva

Moisés Colares, que toca charango, teve a ideia de fazer uma toada unindo Brasil e África pela cultura negra. A ideia foi “comprada” pelos parceiros Raurison Nascimento, Frank Azevedo e Ricardo Linhares. Foram surgindo letra e música, ganhando forma e força à medida que o grupo progredia.

A toada foi aprovada, entrou no playlist oficial e foi para o estúdio. O Conselho de Artes viu nela o timbre de Alcione. O presidente Babá Tupinambá, desafiado, trouxe a artista. A Marrom respira música. Vem de família de músicos. As irmãs dela trabalham profissionalmente fazendo backing vocal. Depois de gravar postou em seus perfis no Instagram e no FaceBook agradecida.

Neil Armstrong, La Bamba, Sidney Rezende, David Assayag e demais músicos do Caprichoso deixaram tudo pronto. A Marrom ouviu um trabalho finalizado, acabado, pronto para receber apenas a voz dela. E foi assim que nasceu “Boi de Negro”.

Só resta ouvi-la, abaixo, conferindo a letra, a seguir:

 

Boi de negro

Moisés Colares/ Raurison Nascimento/ Frank Azevedo/ Ricardo Linhares

 

Afro brasileiro, vindo de além-mar

Desembarcou nas senzalas do meu Brasil colonial

Cultura africana transfigurada em mitos

Nas lendas e estórias se fez meu bumba meu boi

 

Ginga boi

De Zulu a Zumbi

Gira boi

Afro-parintin

Resistência de um povo Brasil (BIS)

 

Maracá, pandeirão, tamborinho

Meu tambor é de fogo é de onça (BIS)

E dança o miolo debaixo do mito popular

 

Yorubá, ijexá, é zabumba boi-bumbá

Bumba-meu-boi

Sangue África na minha dança e na minha festa (BIS)

 

(Texto: Erick Nakanomi. Declama Rômulo Vieira – Quilombo Urbano de São Benedito, Praça 14)

É o saber ancestral nascido de ventre África

Parido, plantado, roubado e negado

É o canto quebrado, manifesto

Que tremula o tambor e pulsa regando esse chão

É a festa de cabanos, de terreiro, rua e quintal

É arte, luta, resistência e revolução

 

(Alcione)

Afro brasileiro, vindo de além-mar

Desembarcou nas senzalas do meu Brasil pastoril

Cultura africana transfigurada em mitos

Nas lendas e estórias se fez meu bumba meu boi

 

Ginga boi

De Zulu a Zumbi

Gira boi

Afro-parintin

Resistência de um povo Brasil (BIS)

 

Maracá, pandeirão, tamborinho

Meu tambor é de fogo é de onça (BIS)

 

(David)

E dança o miolo debaixo do mito popular

 

Yorubá, ijexá

É zabumba boi-bumbá

Bumba-meu-boi

Sangue África na minha dança e na minha festa (BIS

 

Boi de santo

Boi de negro

Boi de Cid

Brasileiro

O batuque

O gingado

Cantoria

Pai Francisco

Gazumbá

Catirina

 

E dança o miolo debaixo do mito popular

Yorubá, Ijexá, é zabumba, boi-bumbá, bumba-meu-boi

Sangue África

Na minha dança e na minha festa (BIS)

 

Sangue África!!!!

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1 comentário

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  1. Jamais Souza disse:

    Somente uma observação: o Quilombo do Barranco de São Benedito não é o único Quilombo Urbano do Brasil. O primeiro quilombo urbano do Brasil é o da Família Silva, no Rio Grande do Sul.