O teorema da enchente

Lisboa – A enchente recorde, com números que assustam pela superioridade em relação a 2009, traz um grande desafio para autoridades e cientistas. Perguntas que são trazidas pela leitora Joyce Mara, preocupada com as origens do problema, precisam ser respondidas no menor espaço de tempo possível.

Qual o impacto de obras que mudaram os cursos de igarapés e aterraram grandes áreas de desambiguação dos rios na capital amazonense e ao longo de toda a bacia amazônica? As regras disponíveis para as autoridades ambientais e órgãos de classe, como o CREA, são suficientes para evitar agressões ambientais? Em que o novo Código Florestal pode interferir no processo – apesar de novo, nunca é tarde para emendá-lo?

Todos sabem, e isso foi fartamente mostrado na televisão, que o rio Amazonas nasce em uma rocha, que apenas goteja, a mais de três mil metros, na Cordilheira dos Andes. Todo o volume de água do grande rio é captado ao longo de seu curso até o Oceano Atlântico. Os cientistas já sabem que o volume d’água que o torna o maior rio do mundo, resulta de um processo complexo e que envolve várias nações, populações, etnias, interesses econômicos, lobbies ambientais etc.

Com o conhecimento científico, que precisa correr, os aproveitadores terão menos espaço para transformar o fenômeno natural, com o qual o caboclo amazônico convive secularmente, em catástrofes, e será possível maior sensatez no planejamento. A mudança de parâmetros, ocorrida agora, quando a cota 30 (o rio trinta metros acima do nível do mar) deverá ser superada, é muito importante. A engenharia tem considerado esse nível do rio como seguro e, ao contrário do que muitos pensam, esse nível não é considerado apenas nas margens dos rios, valendo para obras em áreas consideradas de terra firme. É a margem de segurança contra inundações repentinas. Quantos prédios públicos foram construídos sem os cuidados técnicos, à revelia dessa margem de segurança, e agora terão que ser reformados?

É muito fácil rotular a enchente de “fenômeno natural”, “vontade de Deus”, “fatalidade” ou coisa que o valha, para amortecer responsabilidades. O caboclo ribeirinho do Careiro da Várzea, obrigado a trocar a casa por um lar improvisado em uma balsa, quer respostas mais consistentes e não desculpas. Gente que construiu casas em áreas alagadiças não podem mais continuar constituindo uma massa de risco, que serve de manobra para estados de emergência e calamidade pública pouco republicanos. Vamos cuidar da emergência e resolver o problema de fundo.

A enchente recorde de 2012, que alaga o centro de Manaus, mostra que essas perguntas e essas ‘verdades’ precisam ser esclarecidas o mais rapidamente possível. Havia projeções de uma nova grande enchente em meio século, mas, com a pressa ambiental demonstrada este ano, o prazo ficou bem mais curto. As respostas precisam chegar já.

É preciso evitar xiitismos que engesse o desenvolvimento da região, mas as causas científicas precisam ser descobertas.

 

 

Arthur Virgílio Neto

Arthur Virgílio Neto

* Arthur Virgílio Neto é diplomata, ex-líder do PSDB no Senado e prefeito de Manaus

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2 comentários

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  1. joyce mara disse:

    Parabéns nobre Diplomata Arthur Virgílio Neto,

    au acrescentaria ainda que os efeitos decorrentes das hidrelétricas lá no Pará, tb influenciam a Bacia Amazônica, sobretudo, os interiores amazonenses… as barragens existentes na fazendas e sítios aqui no Amazonas, Pará etc., todas essas particularidades corroboram para as enchentes, que somados ao despejo dos dejetos e lixos no rios e igarapés, mas as obras governamentais e as construtoras que são monitoradas, autorizadas e acompanhadas por engenheiros que não vislumbram as consequencias etc… o resultado é dasastroso… o caboclo não pode derrubar uma árvore, que é crime ambiental, no entanto, as construtoras e madeireiras estão acabando com as matas primitivas… é só visitar a zona rural de nossos interiores que essas informações serão confirmadas… Aproveito para rogar às autoridades que corrijam o que puder ser corrigido, que implantem ações de políticas públicas comprometidas com os interesses da coletividade e bem estar do povo.

  2. Lindomar disse:

    Parabéns Senador Arthur Neto pela maravilhosa explanação!

    É prova cabal que a culpa não é somente dos fenômenos climáticos que afetam a natureza, tampouco de Deus, mas a forma como a tratamos.
    E aí senhores estudiosos do assunto, já existe algum levantamento demonstrando os impactos anômalos desses empreendimentos “fabulosos” na cidade de Manaus e no restante do Brasil?