O discurso do ministro Pazuello e as expectativas dos contemporâneos amazonenses

O discurso do ministro Pazuello

O discurso do ministro Pazuello não corresponde ao que esperavam dele seus conterrâneos amazonenses

A visita a Manaus do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, era esperada como o Dia D do “anúncio da estratégia de combate à pandemia“. Na Hora H, porém, o operacional general preferiu jogar o coronavírus no colo do governador Wilson Lima e do prefeito David Almeida. Ao dirigir-se a prefeitos do interior e a profissionais de saúde, então, o ministro parecia ter incorporado a personagem Ofélia, revivida em memes da ex-presidente Dilma. O que mais assusta, no entanto, é a reação pífia da sociedade civil e autoridades amazonenses, nas mídias sociais e imprensa tradicional.

A questão se agrava, mais ainda, ao ser engolfada no confronto esquerda-direita ou, pior, lulistas-bolsonaristas. Não há qualquer possibilidade de racionalidade, nesse ambiente de ódio e radicalismo.

Wilson Lima e David Almeida, por outro lado, estão amarrados na necessidade de ajuda federal. David ainda tentou reagir, quando o ministro pediu para abrir as UBS, dizendo que elas já estão abertas. E veio a primeira pérola do dia: o ministro confessou que fez a acusação sem ter ouvido o prefeito, um erro crasso em política.

 

Amazonense

Pazuello é amazonense, embora nascido no Rio de Janeiro. Agiu como político antigo, demagogo, ao dizer que foi “criado na periferia de Manaus”. Ele se referia à fazenda do pai, Nissim Pazuello. O terreno, ainda hoje em poder da família, faz frente para a rua Teresina e fundos para a rua Fortaleza, na Vila Municipal, em Adrianópolis. Já naquela época era refúgio dos endinheirados, que chegaram a construir um castelo na área.

Hoje, transformado em haras, o terreno dos Pazuello é vizinho de um famoso supermercado e está cercado de condomínios chiques.

Nada disso é importante, que fique bem claro, no que se refere à figura pública do ministro da Saúde de Bolsonaro. Serve apenas para enfatizar o corolário de expectativas gerado, principalmente nos contemporâneos dele, quando da visita oficial.

 

O sucesso na fronteira com a Venezuela

Amigos de infância sempre viram em Eduardo Pazuello um representante exponencial da inteligência baré. Ficaram ainda mais entusiasmados quando, em missão das Forças Armadas, Pazuello resolveu o que ameaçava se tornar perigoso conflito de fronteira com a Venezuela. Montou hospital de campanha em Pacaraima (RR). Providenciou profissionais de saúde. Fez chegar alimentos. Ajudou a fincar tropas em pontos estratégicos. Foi decisivo em ajudar o Brasil a estancar os arroubos de Maduro e a migração dos fugitivos de seu regime venezuelano, prestes a se transformar em hordas.

A pandemia de coronavírus, que se tornou um horror amazonense, o colocou numa posição difícil. O ideal seria que, acostumado a prover tropas de meios, ele pudesse ouvir especialistas e trabalhasse para ajudá-los. Preferiu, todavia, o caminho do chefe, que, incompreensivelmente, desdenha da ciência e dos cientistas.

 

Dia D e Hora H

A frase do dia, “A vacina virá no Dia D e na Hora H”, pérola, alvo de críticas nacionais e internacionais, revela um ministro vivendo outra guerra. Na II Guerra Mundial, no Dia D, os Aliados surpreenderam os alemães ao desembarcar nas praias da Normandia. Na guerra da pandemia, que torna interminável o pesadelo de 2020, o coronavírus é que desembarcou em nossas plagas. Seria como se o Eixo tivesse dominado a Europa e desembarcado japoneses na Costa Oeste dos EUA, em San Francisco e Los Angeles, enquanto os alemães entrariam pela Costa Leste, em New York, tendo chegado a Washington.

A analogia do ministro Pazuello desenha uma charge surreal: alemães e japoneses atiram nas portas blindadas da Casa Branca, com um presidente norte-americano acuado, enquanto o Pentágono traça estratégias para um futuro Dia D.

O Dia D da busca de vacinas, um desafio mundial, durou todo o ano de 2020. A Hora H passou com a primeira onda e foi desperdiçada nos ecos das declarações desastradas do presidente Bolsonaro.

 

Pilatos

Governar é estabelecer prioridades. Dizer que a vacina contra o coronavírus será distribuída igualitariamente é ignorar os focos de crise, como o colapso hospitalar do Amazonas.

A União é protagonista e não espectadora nessa crise. Podia prover Manaus, por exemplo, de hospitais de campanha. Tem recursos para reparar dívida histórica, num interior que, apesar da Covid-19, continua sem nenhuma UTI.

Parece uma sina. O Amazonas não se dá bem quando emplaca ministro. Basta lembrar do desastre que foi Alfredo Nascimento, no Ministério dos Transportes.

Dizer que proveu Governo do Amazonas e Prefeitura de Manaus de 100% do que pediram, vindo de um amazonense, significa lavar as mãos. Aquele Pazuello bonachão e eficiente, que repousa na cabeça de seus contemporâneos do Colégio Militar de Manaus, não fica bem no papel de Pilatos.

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