Médicos no AM relatam uso de cloroquina, abandono de protocolo da OMS e fé: ‘Perdi noites de sono’

Médicos no AM

Médicos no AM: da esquerda para a direita: os médicos Dirce Onety (sem máscara), Júlio Cézar Queiroz e Daniel Tanaka. Fotos: Arquivo Pessoal

Desde a constatação do primeiro caso do novo coronavírus no Amazonas, a população tem contado com o trabalho incansável dos profissionais da saúde. Médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, entre outros, estão na linha de frente do combate à pandemia. O Portal do Marcos Santos conversou com três médicos. Eles falaram abertamente sobre temas como o uso de cloroquina, abandono de protocolo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e fé. Um deles ressaltou que “perdeu noites de sono” planejando formas de ajudar a equipe a salvar pacientes.

Os profissionais destacaram experiências, dificuldades e as adaptações que precisaram ser feitas durante e após o ápice da pandemia no Estado. Os médicos precisaram conciliar a literatura mundial com a experiência pessoal e profissional. Também foi preciso recorrer à fé, diante dos problemas e incertezas trazidos pelo novo vírus.

A rotina desses profissionais, tanto nos hospitais públicos como nas unidades privadas, se assemelhou: houve necessidade de aumentar rapidamente o número de leitos, esgotamento de recursos humanos e falta de materiais e medicamentos. Veja, a seguir, o relato desses especialistas, que refletem o trabalho coletivo dos profissionais de saúde no Amazonas:

 

Médica Dirce Onety

Especialista em terapia intensiva e coordenadora da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adulto do hospital Samel, Dirce Onety acompanhou de perto os procedimentos adotados contra a Covid-19. De acordo a médica, lutar contra o desconhecido foi um desafio no processo de tratamento dos pacientes.

No início, parte da literatura lançada não inspirava confiança entre os profissionais e foi oriunda da China, onde supostamente o vírus se originou. Apesar de ser um vírus gripal, a doença, em seu estado mais grave, não é exclusiva dos pulmões e acomete vários outros órgãos. A falta de estudos seguros, embasando o caminho a seguir, dificultou a escolha do tratamento que levasse à cura dos pacientes, segundo a médica.

Na Samel, Dirce Onety decidia quem deveria ser intubado. Baseada no conhecimento adquirido em 18 anos de profissão e estudos na área de saúde, a médica precisava decidir, dependendo do grau de saúde do paciente, se adotava um método menos invasivo, como a “Cápsula Vanessa” – criação da Samel – ou se o doente era intubado.

 

Contra a OMS, sem intubação

Parte dos protocolos adotados pela coordenadora, no início, iam na contramão do que era recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em tese, a entidade recomendava a intubação do paciente e a instalação da ventilação mecânica precocemente, com o propósito de diminuir os riscos de infecção da equipe médica.

“A mídia em torno da pandemia também foi ruim. Amedrontou os profissionais em exagero, criando mitos que acabaram por afastar parte desses de uma assistência mais humanizada”, avaliou Dirce Onety.

Mesmo na rede particular, os profissionais de saúde não ficaram imunes às adversidades. Houve sobrecarga de trabalho, por conta do agravamento do quadro dos pacientes, contágio dos próprios profissionais e necessidade de constantes intervenções, em decorrência do afastamento de colegas que adoeciam com formas mais graves.

“Eu mesma e boa parte da equipe contraímos o vírus durante esse período. Mas, por ter poucos sintomas, necessidade de permanecer no front e diagnóstico tardio, continuamos trabalhando, além do nosso normal, para suprir as necessidades da UTI”, relatou a médica.

Para Dirce Onety, a doença é multifacetada. O vírus se manifesta de forma diferente, em pessoas diferentes. Não há um padrão a seguir. Para isso, o grau de resolutividade da equipe assistencial envolvida é importante, para ajudar na melhoria dos pacientes.

 

Orgulho da equipe e tristeza com críticas

Dirce afirmou sentir orgulho de sua equipe, por ter se envolvido “de corpo e alma”, sem que ninguém precisasse pedir, mesmo sem ter a expectativa do reconhecimento. Somente pelo compromisso pessoal com o paciente.

“Vi superação em pessoas que eu não imaginava serem capazes daquilo”, disse. “Quem trabalha no meu ramo já convive com a morte de perto e não causa tanta estranheza. Mas percebi que quando eu falava para um paciente ‘não se preocupe, pelo grau da sua doença agora você vai piorar, mas lhe dou garantia que não vai morrer’, isso mudava a maneira deles [profissionais] passarem por aqueles dias sombrios”, destacou a médica.

Apesar dos esforços, a tristeza era inevitável. Houve críticas à equipe médica, nos casos em que os pacientes acabaram morrendo em decorrência da doença. A coordenadora disse que procurava deixar o paciente ou familiares informados.

“Eu gosto de ser muito verdadeira e informar toda a situação real para o paciente e ou familiares, o que pode ser entendido como antipatia por quem escuta a verdade. Esse sentimento me parecia amenizar, ao passar dos dias, onde a família percebia que todos os esforços que fazíamos para recuperar o paciente não resultaram em melhora duradoura. Realmente foram situações que eu nunca imaginei viver”, lembrou.

 

Dois tipos de vírus e sem novo pico

Passado o ápice da pandemia no Estado, o reflexo também é sentido nos hospitais. A médica concorda com estudo do Atlas ODS Amazonas, que indicou a existência de dois tipos diferentes de vírus no Amazonas.

Há mais de 30 dias, a médica não vê chegar pacientes jovens ou mais graves. Dirce Onety acredita que a doença não vai ter segundo pico em Manaus. Ela avaliou que os registros estão menos frequentes e com ocorrência do tipo menos grave.

 

Médico Júlio Cézar Queiroz

O médico Júlio Cezar Furtado de Queiroz, especialista em cirurgia geral e vascular, é presidente do grupo Queiroz Saúde, empresa responsável pelo atendimento médico nas duas principais unidades de referência no tratamento contra a Covid-19 no Amazonas, o Hospital Delphina Aziz e a Unidade de Pronto Atendimento (SPA) Campos Salles. Ele e sua equipe passaram pelas mesmas dificuldades da equipe da doutora Dirce Onety.

“Muito angustiante. E ter a necessidade de buscar o tratamento e manejo correto para salvar vidas, onde nenhum profissional no mundo tinha certezas no início da doença. Então, tínhamos que compilar a literatura mundial com a experiência pessoal e profissional dentro da Medicina. Isso mostrou que não somos nada diante da grandeza de Deus”, destacou.

 

De acordo com Júlio Cézar, a fé foi uns dos instrumentos de batalha usados por ele e sua equipe. O especialista ressaltou que o vírus não fez distinção entre raça, cor, etnia e posição social.

“Por mais que se tente e lute, muitas vezes somos derrotados numa batalha onde não há vencedores. [É preciso] reafirmar a fé em nosso Senhor Jesus Cristo e procurar melhorar cada vez mais na vida pessoal e profissional. Cada alta médica foi comemorada como uma vitória de toda uma equipe empenhada e dedicada em salvar o próximo”, ressaltou Júlio Queiroz.

 

Cloroquina e troca de informações com o Einstein-SP

No início, a equipe médica coordenada pelo doutor Júlio utilizou hidróxido de cloroquina para o tratamento de pacientes, seguindo os protocolos. Também foram usadas outras drogas indicadas. Diariamente, a equipe do Delphina Aziz compartilhava informações e relatórios com uma equipe do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Como não existe comprovação da eficácia da hidroxicloroquina contra a doença, o remédio não está mais sendo utilizado em pacientes internados. As equipes médicas vêm utilizando drogas de suporte, com base nos artigos mais recentes e em consensos mundiais.

O médico concorda que na capital houve diminuição significativa das internações. Porém, ele destacou que, infelizmente, o Estado não está livre do vírus. Júlio lembrou que houve a migração da infecção para cidades do interior. Ele está observando o comportamento da doença, após o retorno das atividades não essenciais.

 

Recuperação de idoso eleva astral

Entre os vários casos de sucesso, o médico elegeu o de um homem de 60 anos, que ficou internado quase três meses. O paciente já possuía comprometimento pulmonar prévio. Segundo o especialista, a recuperação do idoso trouxe alegria e alto astral para a equipe envolvida no tratamento.

“Conseguimos aumentar consideravelmente o número de altas hospitalares, tanto nas UTIs como nas enfermarias. Posso dizer que o cenário é bem otimista. Porém, não temos como baixar a guarda. Todas as medidas devem ser tomadas para evitar a contaminação pelo vírus. Posso afirmar que o Hospital Delphina Aziz não deixa absolutamente nada a desejar a qualquer hospital da rede privada. E, com certeza, esse foi um fator de extrema importância para o enfrentamento da pandemia”, afirmou o médico.

 

Médico Daniel Tanaka

“No início, atender e cuidar de pacientes com Covid-19 nos trouxe muitas incertezas e, com certeza, muito medo. A ameaça de uma situação caótica vindo à tona levou nosso emocional a um grau de estresse absurdo. Perdi noites de sono planejando estratégias, para que nosso hospital pudesse estar preparado para enfrentar a pandemia emergente. Foram semanas árduas e que uniram muito a equipe, visando um objetivo comum e evitar a catástrofe”. O relato é do médico Daniel Tanaka.

Tanaka descreveu a realidade vivida no Hospital Jofre Cohen, no município de Parintins (a 372 quilômetros de Manaus), onde atua como diretor clínico. O médico também tem especialização em anestesiologia pela Universidade de São Paulo (USP).

O médico se tornou um dos casos mais conhecidos de profissional infectado pela Covid-19. Quando imaginou que havia superado a doença e até voltado ao trabalho, Tanaka se viu outra vez doente. Chegou a chorar, antes de a família decidir que faria tratamento e se submeteria a estudos em São Paulo. Na semana que antecedeu seu retorno a Parintins, após vencer a infecção, ele atuou na UTI Covid do Hospital das Clínicas na USP, onde adquiriu experiência com outros profissionais sobre a doença.

Apesar de distante de Manaus, Parintins foi um dos municípios que supostamente teve constatação de casos precoces de Covid-19 no Amazonas. Talvez a explicação esteja na constante entrada e saída de turistas da cidade.

 

Novos protocolos

Com o decorrer do tempo, houve implantação de novos de protocolos médicos em Parintins contra o novo coronavírus. A equipe começou a ganhar mais confiança. Os casos eram pré-discutidos pelo grupo montado especificamente para o combate à Covid-19. Assim, os profissionais se adaptaram à nova rotina.

De acordo com Daniel Tanaka, a equipe entendeu que precisava criar uma estratégia de ataque às infecções de maneira prematura. O trabalho conjunto foi importante. Um exemplo disso foi a atuação com a equipe de fisioterapia, o que representou resultados visíveis dos quadros respiratórios.

Para o médico, as conquistas trouxeram experiência e resiliência aos profissionais. “Aprendi a importância de uma prevenção efetiva e, principalmente, de realizar precocemente o diagnóstico. Através do auxílio da tomografia, não aguardamos os testes para iniciar o tratamento. As alterações tomográficas são típicas desta doença. Podemos atuar precocemente e, assim, termos maiores chances de atenuar a progressão da mesma”, destacou Tanaka.

O médico e a equipe perceberam que a doença é mutativa, se adapta de pessoa para pessoa e de ambiente para ambiente. Isso torna a luta contra a infecção mais difícil. “Aprendi que muitas vezes fazemos de tudo pelo paciente e a doença, mesmo assim, progride. Então, cada dia, temos que estar atentos às nuances de cada paciente para aprendermos a melhor forma de abordar diferentes situações clínicas. É um desafio diário”, disse.

Como outros profissionais da área, Daniel Tanaka entendeu que a Covid-19 é uma doença traiçoeira, com caso clínico mais prolongado que outras infecções virais. O coronavírus altera o sistema imunológico e hemostático, levando a distúrbios de coagulação.

 

Medicamentos, atenção diária e mudanças de rota

No hospital em Parintins, também foi implantado o uso de hidroxicloroquina. A medicação era administrada junto com a ivermectina. Mas, segundo o médico, a hidroxicloroquina tem perdido força ao longo dos meses de enfrentamento, dando lugar ao uso do corticoide, na fase dois da doença – a dita fase inflamatória.

“Não temos estudos robustos que provam a eficácia dessas drogas, bem como da ivermectina. Qual o raciocínio, então: vamos usar e monitorar possíveis efeitos colaterais e, se ocorrerem, revermos nossa rota terapêutica de forma particular”. Esse foi o raciocínio do doutor Daniel, em relação aos protocolos sobre uso da azitromicina, ivermectina e hidroxicloroquina, além de corticoide e de anticoagulante.

O hospital também adotou a metodologia que o grupo Samel implantou em Manaus. A estratégia da ventilação não invasiva é realizada por meio dos aparelhos de Bipap, adquiridos pelo Município para a unidade de saúde.

O índice de letalidade de 76 óbitos por 100.000 mil habitantes foi a resposta que o médico considera positiva. Segundo Daniel, os números estão abaixo da média de Municípios com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

 

Letalidade e o novo cenário

Daniel Tanaka analisa o novo cenário como um momento de transição. O diretor confirmou que a média de internações vem caindo. A principal preocupação é com relação à infecção nos idosos, que representam 80% dos óbitos por Covid em Parintins.

“O Programa Busca Ativa, desenvolvido pela Secretária Municipal de Saúde, tem sido promissor, ao detectar pacientes idosos infectados e levá-los ao hospital e aos centros de saúde para atendimento, e, portanto, efetivar um tratamento precoce”, destacou Daniel Tanaka.

Apesar dos avanços no tratamento, o médico vê que o processo de flexibilização precisa ser realizado com cautela.

O boletim de ontem (13/7) indica que o novo coronavírus já contaminou 84.412 pessoas no Amazonas, matando 3.048 delas. Em Parintins, são 2.907 casos e 89 óbitos confirmados.

Reportagem: David Batista

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1 comentário

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  1. REGINA disse:

    Graças a Deus Apesar dessas mortes algo bastante triste podemos dizer que em percentual com quantidade de habbitantes nosso pais estar em proporçao menor que os demais .E poderiamos ter mais vidas salvas se a maldita ideologia não se colocasse na frente esquecendo que eram vidas que podia ser protegidas.mas como precisava atingir o governo preferiram sacrificar pessoas que usar o protocolo do ministério da saúde com uso da hidrocloroquina defendida pelo presidente desde o prmeiro caso. So resta prestar conta dos atos não a nós mas a Deus.