Sou azul, sou vermelho, branco, sou Amazonas… Boi-bumbá 

Daniel Sales

“Na ilha Tupinambarana nasceu Parintins que eu vou decantar…” Como dizia o poeta Chico da Silva, Parintins nos remete aos folguedos, mormente ao boi-bumbá. Esta brincadeira secular tornou-se disputa a partir de meados da década de 1960. Até os anos 80 o cunho de alcance midiático era regional. A partir da década de 90 houve – por fatores diversos- um gigantismo do evento dos bois: já não eram somente os abnegados que iam à Ilha, mas também levas e levas de visitantes (turistas) de toda a Amazônia, de vários lugares do Brasil, e mesmo de outros países.

A revolução cênica e a entrada – em alta dose – do elemento indígena,  super valorizado, atrelado ao pós-ECO 92, deu fomento a uma nova contextualização da dinâmica do evento. A massificação extrema (principalmente pela música, chamada toada) ocorreu entre 1994 e 2000. Lembremos que foi em 1994 que um dos bois (Caprichoso) levou ao Bumbódromo (inaugurado em 1988) o teclado, para enriquecer a harmonia. Em 1995 foi a vez da gigante Coca-Cola entrar “com tudo” na realização da festa. De 1994 a 2000 a maioria das toadas ficou na mente do povo. A popularização extrema, dessa fase, fez com que as toadas fossem executadas o ano inteiro, ultrapassando à sazonalidade dos festejos juninos. Até o ano de 2004 os três dias das apresentações dos dois bumbás eram sempre 28, 29 e 30 de Junho. A partir de 2005 convencionou-se a realização do festival bovino para a última semana de junho e/ou primeira semana de julho.

Parintins nos fascina sempre: do pitoresco às vicissitudes do dia a dia, na época dos festejos. A viagem preguiçosa d’antes paulatinamente foi dando lugar à pressa dos “a jatos”, não deixando de lado os aviões (que chegam à ilha de 30 minutos à 1 hora). O grande barato da viagem das embarcações tradicionais é o da contemplação ribeirinha, da dormida nas redes e do discreto (ou não) fuzuê do barco. Havia um tempo em que próximo de oitocentas embarcações saíam de Manaus à Parintins. O dia de maior afluência da saída dos barcos era o 26, pois ninguém queria perder a famosa Festa dos visitantes no dia 27.
Na década de 1990, em Manaus, era comum, três meses antes do festival a realização de ensaios para a grande festa, na TVlandia, na quadra da Aparecida, no Olímpico e finalmente (1998) no sambódromo. As toadas eram tão populares e de certa maneira impregnadas na mente baré (em 1998, somente em Manaus, haviam inacreditavelmente cem bandas que executavam toadas de boi-bumbá) que tocavam na rádio o ano todo. Meu irmão Samuel Costa, um dos maiores especialistas em Boi bumbá chegou a ver jovens, em filas diversas com headphones à escutar toadas, simplesmente fazendo coreografias… Isso era uma revolução!  A cultura dos bumbás bateu no topo nacional quando do grande sucesso do grupo Carrapicho com a música Tic, tic, tac de mestre Braulino. Esta toada foi composta em 1993 para o festival daquele ano, mas, foi com o Carrapicho de Zezinho Corrêa e companhia que em 1995 estourou o sucesso (primeiro na Europa depois no Brasil ).

Segundo a maioria dos pensantes e participantes do festival, foi em 1997 que a ilha recebeu o seu maior público.  Como se sabe o bumbódromo não comporta nem mesmo 1/5 dos visitantes que para ali convergem. Muita gente que ia (ou ainda vai à “Paris”) nem entra no bumbódromo: alguns só o adentram num dia, nos outros dias ficam a bebericar e/ou passear pela cidade. O “povão” – que perfaz dois terços das arquibancadas do bumbódromo – chega, geralmente, muito cedo.

Inclusive houve anos (quem sabe ainda os há) indivíduos que vendem o seu lugar na fila. Mas isso é assunto para outro texto… O outro terço das arquibancadas é vendido para os turistas e/ou quem queira pagar ingresso. Existem ainda os camarotes. Sobre a apresentação dos bois, peguei um tempo em que quando um boi estava saindo a outra torcida ( chamada de galera ) o saudava, respeitosamente, com chapéus, camisas ou outros adereços, dizendo subliminarmente: “Parabéns,  mas a festa de verdade vai começar agora!”…

Aquele empate do ano 2000, quando um jurado “esqueceu” de assinalar a nota a um dos bois (Caprichoso) e com isso culminando com o esdrúxulo empate, de certa maneira colaborou para que muita gente ficasse com a “pulga atrás da orelha” no tocante à organização da festa. As toadas mais famosas e decantadas pela massa ainda são as do período 1994-2000. Bem, vamos agora aproveitar a festa,  tomar um belo café no Mercado Municipal, ir no Chapão, Comunas, e em outros lugares… Circundar a ilha numa canoa, comer um belo peixe assado ou uma caldeirada de bodó da feira da francesa; andar de charrete, de “magrela”, ou mesmo caminhar…, se pintar de índio, cantar as toadas, e dançar dois pra lá, dois pra cá de azul ou vermelho.
“Êh, Êh, ôh vaqueiro, traz o meu boi pra brincar…”
Um, dois, três e já!!!

Daniel Sales

Daniel Sales

* Daniel Sales é pesquisador cultural.

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1 comentário

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  1. SAMUEL SALES DA COSTA disse:

    Sensacional, parabéns