Quem quer faz, quem não quer burla ou dá desculpas

Em abril defendi, neste espaço, que ensinar é preciso e reprovar não é preciso. Algumas pessoas protestaram julgando que estaria eu defendendo “passar de ano” a qualquer preço. O que se tentou foi defender o papel que tem a escola de ensinar e o aluno de aprender. Quando os principais atores da educação cumprem sua parte, afastam-se todas as possibilidades de reprovação e todos saem ganhando. Reprovar é descaso. É atraso.

Historicamente, porém, a escola jamais perseguiu esse objetivo, o qual nunca quis assumir. Ao contrário, sempre agiu pragmaticamente: ensina o que julga ser do interesse da sociedade e reprova quem não consegue se interessar por suas demandas. E ponto final.

É assim a escola que está no nosso imaginário, onde a reprovação nunca foi questionada como símbolo de ineficiência. A sociedade não só aceita essa condição, como acredita nesse método, postura de quem não quer mudar. A rotina continua a mesma. O professor dita o conhecimento e faz a prova. Reprovou? Problema do aluno.

Esse procedimento já era um desastre no início da segunda metade do século passado, quando o QI (Quociente de Inteligência) era, inapropriadamente, senhor absoluto na definição dos “inteligentes”. Esse indicador baseava-se apenas na linguagem, na lógica e na matemática, ou seja, por ele, músicos, pintores, cantores, tribunos famosos e tantos outros talentos, certamente seriam reprovados, pois essas habilidades não estavam no “script”.

Vejam a contradição! Se a inteligência era medida a partir da linguagem, da lógica e dos números, e sendo essas matérias ensinadas em sala de aula, natural seria considerá-las prioridade absoluta na escola. Mas nunca foi assim. Nas avaliações, elas sempre tiveram peso igual a qualquer outra, como, aliás, acontece ainda hoje.

Ou seja, por essa lógica, um aluno mesmo obtendo a nota máxima nessas três matérias e sendo reprovado em qualquer outra, repetiria o ano e seria considerado um fracassado. Esse fracassado, porém, exposto ao teste do “QI”, poderia alcançar a condição de alta inteligência, exatamente porque era “fera” naquelas disciplinas. Vá entender!

Felizmente, em 1985, aparece Howard Gardner com a teoria das “Inteligências Múltiplas” e decreta o fim do “QI”. A partir daquele momento, a espécie humana conheceu novos tipos de inteligência, conhecimento que deveria ter causado verdadeira revolução na forma de ensinar, mas, depois de quase 30 anos nada de novo aconteceu. A escola continua ignorando o avanço da ciência sobre o ser humano e, equivocadamente, vem dando prioridade ao uso de alguns equipamentos tecnológicos, cujos resultados vão aparecer muito mais nas urnas do que na aprendizagem. Palavra dos especialistas.

A teoria de Gardner induz que o ensino seja personalizado. Não se entenda por ensino personalizado um professor para cada aluno. O que se pretenderia era obter da escola um olhar diferenciado para o todo, em busca das especificidades das partes, de modo a descobrir as dificuldades e as potencialidades dos alunos.

A par disto, os mais atrasados receberiam redobrada atenção, inclusive com prorrogação de horários e até supressão das férias, de modo a alcançarem as notas médias da sua turma. Já no outro extremo, os muito bons receberiam especial acompanhamento e incentivados seriam a progredir no aproveitamento das suas potencialidades. E sem esses avanços, tudo se perde na estrada da mediocridade por onde caminha a nossa educação.

Mas há quem siga outros caminhos. Existem, por exemplo, anônimas diretoras e professoras conseguindo raro sucesso na missão de ensinar. Espalhadas país afora, elas se valem de pequenos segredos como: esforço, responsabilidade e muito compromisso com os seus alunos e com a profissão que escolheram. São pró ativas e, em vez da costumeira acomodação, estão sempre fazendo o melhor.  Nas suas escolas não há violência e organização e limpeza são marcas. A disciplina é cobrada com rigor e é permanente o trabalho de convencimento dos pais pela participação no processo.

Nessas escolas reprovação é uma palavra proibida, pois, o compromisso dessas campeãs é com seus alunos. Já definiram, faz tempo, que onde trabalham é o sagrado lugar da aprendizagem.

Seria bom que tais professoras ensinassem esses segredinhos ao sistema educacional brasileiro. Com certeza não se negariam. Entretanto, o país não quer aprender com elas. Todos estão muito ocupados em congressos, seminários, fóruns e outras intermináveis reuniões, nas quais são desenvolvidas maravilhosas teses para melhoria da educação nacional e, na prática, nada acontece.

Não consigo conter o meu impulso de homenagear essas artesãs da aprendizagem. Elas são emocionantes e provam que “quem quer faz, quem não quer burla ou dá desculpas”.

Francisco Cruz

Francisco Cruz

* Francisco R. Cruz é empresário e trabalhou muitos anos na área de tecnologia e, entre 2001 e 20...

Veja também
Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *