Armando e o resto

A Amazonas Energia parece ter mórbida predileção pela área onde fica meu escritório para exercer sua incompetência e sua irresponsabilidade. Escrevo usando a bateria do laptop porque o fornecimento foi cortado a partir das nove da manhã. São doze e trinta e a resposta que dão aos telefonemas é a de que não há previsão para o restabelecimento e que estão enviando um carro para verificar a origem do problema. É dose pra elefante. Tudo isso depois de ler nos jornais que um vereador desta cidade sorriso declarou em alto e bom tom que tem saudades da ditadura. Coitado. Não deveria ainda ter nascido ou é um caso de urgência psiquiátrica. Mas a lei das compensações marcou presença e pude me deleitar com o belíssimo texto do professor Odenildo Sena, pondo no seu devido lugar as chorosas viúvas do golpe de 64, que, à míngua de argumentos, encetam batalha verbal para transmudar em “revolução” o nome da quartelada que infelicitou o país.

São coisas deste nosso imenso e querido país, onde é necessária a intervenção do Supremo Tribunal Federal para dirimir uma “dúvida” sobre o óbvio. Com que, então, é preciso ouvir eruditos votos para saber que feto anencéfalo não tem possibilidade de sobrevivência? E que as hipócritas invocações sobre o “direito à vida” não levam em conta o elementar direito da mulher de não se submeter a nove meses de gestação inútil e traumática? Vamos convir em que tamanha insensatez chega a ser espantosa, remetendo à possível compreensão do quadro geral em que se desenvolve a política tupiniquim.

Agora, por exemplo, não se fala em outro assunto que não seja a história do senador goiano e seu suposto relacionamento com uma cachoeira contravencional. Grande coisa! Se o homem errou que arque com as consequências do seu erro. Não carece de transformar isso num “casus belli”, assim como se tivessem sido abalados os alicerces da nacionalidade e o país se encontrasse à beira do apocalipse. Ademais, se a questão é encontrar corruptos e ladrões, não há de ser necessária a lanterna do sábio grego, eis que as espécies são mais prolíficas do que preá, dando mais do que chuchu na serra e jaraqui na piracema.

E tivemos uma palhaçada local. Alguns mentecaptos e irresponsáveis (se me é permitida a redundância) simplesmente tiraram os ônibus de circulação, causando um transtorno de proporções impensáveis. Como é mais fácil, os apressadinhos não tardaram a transformar a administração municipal em bode expiatório, como se a Prefeitura (qualquer Prefeitura) tivesse o condão de controlar atitudes insanas, oriundas da singela falta de compromisso com o bem-estar comum e da parte de um tipo de gente, cujos interesses pessoais sobrelevam qualquer consideração com o povo, com a sociedade, com o mundo.

Como se não bastasse, ainda me morre o português Armando. Também já é demais. Aguentemos a falta de energia, olhemos sobranceiramente a corrupção, tenhamos paciência com a eventual falha nos ônibus. Mas a ausência definitiva do Armando é algo que está acima disso tudo. Não mais a Bica? Mário Adolfo defende que ela continue a sair. Modestamente, também eu. Outra coisa não haveria de querer o portuga que, mesmo azafamado, não podia esconder a alegria dos olhos quando a multidão lotava a praça e a banda descia com sua irreverência e seus mamulengos. Armando era a Bica. Por que a Bica não pode continuar sendo o Armando? Vamos lá gente. Porque se é certo que a dona Lourdes ficou viúva, Ana Cláudia e Ana Lúcia não são as únicas órfãs. Todos os que amamos a vida estamos relegados a essa orfandade perpétua. É falta de difícil suprimento. Grande Armando!

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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