A poesia necessária

Paulo José Cunha, poeta, escritor, jornalista, cujo trabalho de alta qualidade chegou até nós com os livros “Vermelho, um Pessoal Garantido” e “Caprichoso, a Terra é Azul”, sobre fotografia de Andreas Valentin, nos informa que acaba de ficar com o terceiro lugar no concurso nacional de poesia “Brasília 50 anos”. Manda-nos também o link e de lá extraímos os três textos vencedores. Vale a pena apreciar – no sentido bem parintinense, que, palavra mais próxima, significa “curtir” “se deliciar” – esses trabalhos. Com a homenagem a todos e em especial ao Paulo, atento observador da imprensa nacional, com os parabéns pelo prêmio, por seu texto e o engajamento na luta por um Brasil melhor:

Ode a Brasília
“Era um rabisco e pulsava”
Carlos Drummond
Era só um rabisco no ermo que atordoa os poetas
Um sopro ponteando o nada
ao mais concreto do lugar nenhum.
Um verso solto que de tão plano,
devia só ter a altura de um horizonte embaçado.
Desses que só os olhos desertos de utopia
são capazes de umedecer.
Pura cicatriz em nanquim, regada a lápis de cor.
Depois vieram os retoques, as curvas
arquitetadas com inspiração dos céus.
Esperamos os quase mil dias de tua gestação,
para te ver nascer poesia concreta,
além dos números, suspensa
na alvorada que toca Deus e o chão.
Abençoada pelas mãos de Drummond
Estampada nos vãos, na urbana legião de amores,
Ideologias, praças e poderes.
“Teus endereços sem alma”
fingem a igualdade que só se conhece
com o sabor do humano que te inventa.
Mimeografei o futuro na geração
que poemou farinha com iogurte.
Aprendi teus sotaques e o candango
jeito de proverbiar-te simples como o povo.
Só para cantar teu contorno nave
Só para abençoar teu corpo pássaro
que agora prepara as asas para o grande vôo
que pressente a história.
Éder Rodrigues, poeta de Belo Horizonte.
Poema vencedor (1º lugar) do Concurso Nacional de Poesia “Brasília: 50 anos”
Lívido concreto
A casca dentro da casca
Sobrepuja a pus do cerrado
O líquido da ferida
Alimenta a língua dos insetos
E flamba o ar com gotas de estuário
A casca dentro da casca
Punge os olhos do concreto
Desova preto e branco, pedra cor de cinza
Sobre um sabor futurista com um grifo
As cascas dentro da casca
Adormecem com chás de concretos
A goma do fruto penetra na partitura das árvores
Para a transfiguração do arquiteto
A casca dentro do ventre
Situada no meio da entranha mitológica
Apresenta pedras expostas no cerrado
Onde respiram idéias de vida seca pelo avesso
A casca dentro do dentro ensaia canções fáusticas
Adubando o fruto da terra a palavra lambe o feltro
E as folhas arrancam forças
Para a beleza polimorfica do cerrado
Nas vésperas do amorfo
A casca dentro da boca
Mastiga a palavra Brasília
Com gosto de pedra, pedrada,
Pedrapomes, pedraria, pedrasabão,
Pedregoso, pedregulho,
Pedreira, pedreiro, pedentro
Levo a língua quando engulo Brasília
E sobressaio em sonhos de traços pomo.
Paulo Henrique Costa Longuinho
Poema classificado em 2º lugar no Concurso Nacional de Poesia “Brasília: 50 anos”
Candanga
para Paulo Bertran
Candanga, a alma leve dos cerrados,
a moça e seus cabelos, nos longes de Goiás.
Candangos nós, teus filhos de adoção.
Candangos nossos filhos,
nascidos do teu chão.
A mão que te acenou de tão distante
foi quem prometeu que te faria.
Trocou o talvez por neste instante,
e a cidade assim se fez.
Candangos Vladimir, Bertran, Oscar, Sayão.
Candangos Lúcio, Vera, Nicolas, Bulcão
Candangos Teodoro, Cássia, Renato, Catalão.
Misteriosos como os campos de cerrados
de longe, apenas troncos retorcidos
de perto, segredos revelados:
água de mina, raízes, folhas, flores
beleza pura que explode por detrás
dos detalhes escondidos na aridez
da vastidão dos campos de Goiás.
Paulo José Cunha
Poema classificado em 3º lugar no Concurso Nacional de Poesia “Brasília: 50 anos”
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  1. O Clube Literário do Amazonas – Clam realiza nesta quinta, dia 27 de maio, o recital “A poesia em Pessoa”. O evento tem início às 18h30, no Espaço Cultural da Livraria Valer, situado na Avenida Ramos Ferreira, 1195 – Centro. A entrada é franca.

    “A poesia em Pessoa” é um evento organizado pelo Clam pra homenagear Fernando Pessoa, um dos grandes poetas da língua portuguesa. A programação inicia com uma performance do ator, músico e dramaturgo Jorge Bandeira. Em seguida, o recital, que será composto em quatro atos intitulados pelos heterônimos criados por Fernando Pessoa. São eles: Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Bernardo Soares. Os poemas serão declamados por poetas do Clube Literário do Amazonas (Clam), do grupo Metaphora, e poetas convidados. O evento será encerrado com um coquetel e sorteio de livros.

    O Clam nasceu dentro da linha de continuidade da literatura amazonense, fruto de um trabalho feito na Quarta Literária, realizada pela Livraria Valer, que de certa maneira revelou jovens poetas que assegurarão o futuro da literatura produzida no Amazonas. Hoje o Clam se caracteriza juntamente por seus recitais. Como todo grupo de jovens artistas em formação, tem suas dificuldades naturais. Mas ao longo de oito anos conquistou seu espaço nos eventos culturais de nossa cidade.

    Sobre Fernando Pessoa

    Pode-se dizer que a vida do poeta foi dedicada a criar e que, de tanto criar, criou outras vidas através dos seus heterônimos, o que foi a sua principal característica e motivo de interesse pela sua pessoa, aparentemente muito pacata. Alguns críticos questionam se Pessoa realmente teria transparecido o seu verdadeiro eu ou se tudo não teria passado de um produto, entre tantos, da sua vasta criação. Ao tratar de temas subjetivos e usar a heteronímia (termo criado pelo próprio Fernando Pessoa), torna-se enigmático ao extremo. Pessoa escreveu sempre, desde o primeiro poema aos sete anos, até ao leito de morte. Importava-se com a intelectualidade do homem, e pode-se dizer que a sua vida foi uma constante divulgação da língua portuguesa.

  2. Castro disse:

    O DRAMA DE AMANDA:

    É esse o nosso Brasil, agora aguenta, afinal se nós (PMs) ao menos tocar num fio de cabelo de menor (infrator) quando realizamos abordagens e ele é pego com armas, drogas… nossa a sociedade “justa” que é, cai matando agente! Agora é orar e/ou rezar p/ vc não ser a próxima vitima. Afinal haverá centenas ainda, pois os pivetes menos infratores amanhã mesmo estarão nas ruas de novo; livres p/ cometerem outros Roubos, Furtos, Latrocínios, Mortes, Estupros e por ai vai…

  3. cris disse:

    Marco sempre estou lendo os blogs de Manaus, e percebi um dado muito engraçádo os seus textos e materias e a repeticao e fala do Ronaldo, será q estou certa ou errada?

    Resposta:
    Deixa ver se entendi: você acha que meu blog apenas repete o do Ronaldo? Não acho. Mas, se você acha, leia só o dele. Deve ser o original.