Invictus e a Beleza do Imprevisível

Invictus

Invictus, o poema, inspirou Mandela (foto) e Mandela inspirou o filme homônimo

Por Jorge Henrique de Freitas Pinho*

Invictus

William Ernest Henley

Protegido da noite que me encobre,
Escura como o vão entre os mastros,
Eu agradeço a quaisquer deuses que acaso existam
Por minha alma inconquistável.

Nas garras das circunstâncias,
Não estremeci ou chorei em voz alta.
Sob os golpes do acaso
Minha cabeça sangra, mas não curvada.

Além deste lugar de ira e lágrimas,
Agiganta-se o horror das sombras,
E, ainda assim, a ameaça dos anos
Me encontra, e me encontrará, sem medo.

Não importa quão estreito seja o portão,
Quão cheio de punições o pergaminho,
Eu sou o mestre do meu destino,
Eu sou o capitão da minha alma.

É impressionante como a poesia cria ressonâncias profundas entre as pessoas e revela conexões invisíveis, como as que recentemente experimentei ao compartilhar reflexões sobre If, de Rudyard Kipling. Recebi uma mensagem emocionante do meu primo Jean Freitas, apresentando-me o poema Invictus, de William Ernest Henley. Inspirado por sua sensível alma, escrevo este artigo como uma homenagem ao meu querido primo e à força transformadora da poesia.

Como destacou Jean, Invictus foi imortalizado por Nelson Mandela durante seus anos de encarceramento na ilha de Robben no escuro período do Apartheid na Áfricado Sul. O poema, em sua essência, é um verdadeiro hino à resiliência e à autodeterminação do homem. Henley celebra a força interior do ser humano, reafirmando que somos “os mestres de nosso destino” e “os capitães de nossa alma”, mesmo diante das adversidades e da imprevisibilidade da vida. Essa mensagem atemporal pode ser enriquecida pelas reflexões de filósofos clássicos como Marco Aurélio, Epicteto e Sêneca, pela sabedoria oriental de Buda, Confúcio, Lao Tsé e Wu Hsin, bem como pela poderosa metáfora do filme O Náufrago, estrelado por Tom Hanks.

1. A Busca pela Previsibilidade e a Beleza do Imprevisível

Desde os primórdios, a humanidade tem se empenhado em decifrar o futuro na busca por estabilidade. A partir da observação da natureza, das estações e dos ciclos diários, aprendemos a identificar padrões. Estudos neurocientíficos sugerem que essa capacidade de observação foi crucial para o desenvolvimento do pensamento humano.

Assim, ciência, filosofia e conhecimento foram desenvolvidos para mitigar a incerteza. Contudo, paradoxalmente, é a imprevisibilidade que confere à vida seu encanto único. Saber exatamente o que acontecerá a cada instante, inclusive os detalhes de nossa morte, seria viver em um roteiro fixo, sem espaço para a liberdade ou o inesperado. Em um mundo assim, talvez vivêssemos como se não fôssemos morrer ou morreríamos sem nunca ter vivido plenamente.

A beleza da imprevisibilidade encontra eco nas palavras de Lao Tsé: “Aquele que se apega ao controle perde a essência da vida.” Assim como o rio flui sem destino fixo, a vida se desenrola em um fluxo que deve ser aceito, não previsto. Essa aceitação é a chave para viver com serenidade, reconhecendo que é a incerteza que nos impulsiona a explorar, criar e amar.

2. A Imparcialidade Estoica diante do Inesperado

Os estoicos ensinaram que enfrentar a imprevisibilidade com coragem e serenidade é essencial. Marco Aurélio, em suas Meditações, escreveu: “Aceite tudo o que vier, entrelaçado com o destino, pois o que poderia ser mais apropriado às suas necessidades?” Epicteto destacou que não controlamos os eventos externos, mas podemos controlar nossas reações a eles: “Não são os eventos que nos perturbam, mas a nossa interpretação deles.”

Henley ecoa essa filosofia em Invictus, ao afirmar que, mesmo sob “os golpes do acaso” e diante “do horror das sombras”, sua alma permanece inquebrantável. Assim como o estoicismo, o poema reconhece a imprevisibilidade como parte intrínseca da vida, enquanto celebra a força da mente e da vontade para enfrentar o inesperado.

3. Sabedoria Oriental: Aceitação e Harmonia

Na tradição budista, a imprevisibilidade é uma manifestação do anicca (impermanência). Buda ensina que o sofrimento surge do apego ao controle, e a liberdade vem da aceitação de que tudo é transitório. Wu Hsin, de forma semelhante, reflete que a quietude interior só é possível quando abandonamos a resistência ao fluxo da vida: “O que acontece não precisa ser entendido, apenas vivido.”

Essa visão se alinha com a serenidade de Henley diante das “garras das circunstâncias” e sua determinação de não se dobrar ao acaso. A aceitação ativa do que não pode ser mudado é, paradoxalmente, um ato de liberdade.

4. A Metáfora do Filme O Náufrago

O filme O Náufrago é um retrato tocante da imprevisibilidade da vida. O personagem Chuck Noland, após sobreviver a um desastre aéreo e enfrentar anos de isolamento, descobre que sua força não vem do controle sobre as circunstâncias, mas da aceitação do imprevisível. Isolado em uma ilha deserta, ele aprende a sobreviver e a ressignificar sua existência diante de adversidades extremas.

No final do filme, Chuck reflete: “Tenho que continuar respirando porque amanhã o sol nascerá. Quem sabe o que a maré poderá trazer?” Essa frase encapsula a essência da imprevisibilidade e a necessidade de perseverança. A maré, com seus movimentos constantes e incontroláveis, simboliza a própria vida – cheia de desafios e oportunidades inesperadas.

Essa reflexão nos convida a adotar uma perspectiva filosófica: cada novo dia é uma página em branco, oferecendo possibilidades que só o inesperado pode revelar. Assim como a maré pode trazer algo surpreendente à costa, o amanhã pode nos oferecer aquilo que hoje sequer podemos imaginar.

Náufrago não é apenas uma história de sobrevivência; é um lembrete poderoso de que, mesmo nos momentos mais sombrios, devemos continuar respirando, isto é, fazendo nossa parte ao cumprir nossa missão a cada dia e, ao mesmo tempo, esperando pelo que a maré pode trazer no dia seguinte.

5. A Celebração do Imprevisível

A partir de todas essas reflexões, é evidente que a imprevisibilidade não é um obstáculo, mas o tecido essencial da vida: ela é a beleza da vida. Se soubéssemos de antemão todos os detalhes de nossa existência, perderíamos a emoção das descobertas, a força dos desafios e a magia das surpresas. Como Sêneca observou: “A sorte é o que acontece quando a preparação encontra a oportunidade.” O inesperado nos impulsiona a viver intensamente e a reconhecer que, mesmo em meio ao caos, somos os capitães de nossa alma.

Essa imprevisibilidade, fascinante em sua essência, encontra eco na física quântica. No nível subatômico, a incerteza é uma característica fundamental da realidade. O Princípio da Incerteza, de Werner Heisenberg, afirma que é impossível determinar com precisão simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula. Isso não é apenas uma limitação tecnológica; é uma característica intrínseca do universo.

Essa correlação entre a imprevisibilidade quântica e a vida humana nos mostra que a incerteza não é uma falha, mas uma condição natural de existência. Assim como as partículas subatômicas só revelam seu comportamento quando interagem com o ambiente, a imprevisibilidade da vida nos convida a agir, a criar e a transformar nossas circunstâncias. O universo, tanto no nível quântico quanto na experiência humana, é um espaço de possibilidades infinitas.

O inesperado é, portanto, a força que nos move a explorar, adaptar e encontrar novos significados. Ele nos lembra que a vida é um mistério dinâmico, e que sua beleza reside justamente em seu fluxo incontrolável.

(*) O autor dedica este artigo a seu primo Jean Freitas.

Jorge Pinho

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