Competência e conquistas marcam presença LGBTQIAPN+ no Festival de Parintins

Competência e conquistas marcam presença LGBTQIAPN+ no Festival de Parintins

Presentes desde os primórdios do Festival Folclórico de Parintins, um incipiente evento junino criado nos idos de 1965, sob as bênçãos da conservadora Igreja Católica, a comunidade LGBTQIAPN+ de Parintins exerceu e, ainda, exerce forte influência na estética criativa das manifestações populares dos bois Caprichoso e Garantido.

Se nos anos 1960 e 1970 eram discretos e invisibilizados, foi a partir da década de 1980 que passaram a reivindicar visibilidade. Não por mera reivindicação, mas por talento. Muito talento!

Conheça um pouco das histórias de quem ajuda a construir o maior festival folclórico a céu aberto do mundo.

Wendy Delevingne: talento no vermelho

Aos 26 anos, Wendy Delevingne é figurinista do Boi Garantido. Responsável pelas indumentárias do Amo do Boi, João Paulo Faria, ela conta sua trajetória com orgulho.

“Comecei a trabalhar com figurino no boi-bumbá Espalha Emoção, um dos bois do Festival do Mocambo do Arari, na zona rural de Parintins”, recorda. “Mas, mesmo antes de assinar como figurinista, já mexia com alguns acessórios para eventos da temporada. Acredito que isso é um dom que a gente carrega. Com o tempo, fui chamada para trabalhar em outros festivais, em outros municípios, até que em 2021 assinei com o Garantido”, detalha.

Wendy revela que suas primeiras referências foram artistas como Helerson Maia, Fabson Rodrigues e Rafael Andrade.
“Helerson Maia já esteve fora do Brasil com seus trabalhos, e o tenho como forte referência. Aprecio também o trabalho do Fabson e do Rafael, mas hoje evito olhar os trabalhos deles porque quero manter uma certa distância. Afinal, são colegas de profissão”, explica.

Preconceito social enraizado

Wendy relembra que o primeiro impacto do preconceito veio na escola. “É algo enraizado na nossa sociedade. Quando a gente tem um jeito mais delicado, mais afeminado, já sofre chacota. E eu sofri isso porque era uma criança retraída”,
relata.

“Com o tempo, passei a focar em mim e a viver bem comigo mesma. Hoje posso afirmar que me tornei a mulher que quis ser”, afirma.

Sobre o papel da arte em sua vida, Wendy reflete“A arte é, sim, uma ferramenta de inclusão social, não só para o público LGBTQIAPN+, mas também para outros segmentos. A arte é inclusiva. Posso dizer que sou uma mulher trans que deu certo, não por ser melhor que outras mulheres trans, mas porque tive uma base familiar e, graças à arte e ao espaço no boi, alcancei um nível de respeito profissional”, avalia.

Elton Graça fala de acolhimento

Fruto das novas gerações, Elton Graça, de 24 anos, atua nos ateliês do Caprichoso como figurinista desde de 2023.

“Comecei como assistente em 2022. No ano seguinte desenvolvi um trabalho bonito e fui considerado ‘figurinista revelação’ na arena. Hoje estou aqui, graças a Deus”, resume. Bissexual, Elton avalia que o contexto atual é mais receptivo ao talento, embora os desafios persistam.

“Hoje é mais aberto, sim, mais antenado com a criatividade da pessoa. Mas não quer dizer que seja fácil. Depende muito da entrega de cada artista – e em Parintins o que não falta é talento”, opina.

Preconceito

Sobre experiências com preconceito, ele é enfático “Não sofri absolutamente nada! Fui muito bem acolhido por todos. Agradeço ao ex-presidente Jender Lobato, que me deu a primeira oportunidade, e ao atual presidente Rossy Amoedo, que respeita todos os artistas do boi Caprichoso”, afirma.

Elton também destacou quem o inspirou “Se eu tivesse que homenagear alguém, seria o Rafael Andrade, com quem trabalhei como assistente. Aprendi tudo com ele. Também agradeço ao Kildery Ferreira, que me indicou para os primeiros trabalhos no boi, ao William Muniz, diretor de eventos, e ao Edwan Oliveira, do Conselho de Artes”, diz.

Waldir Santana foi pajé do Caprichoso nos anos 1990

Waldir Santana: pioneiro na arte e na atitude

Waldir Santana é um nome imortalizado na história do Festival de Parintins. Foi Tuxaua da Originalidade, figurinista de itens individuais, coreógrafo, artista de tribos, Pajé e membro do Conselho de Artes do Caprichoso.

Começou no Garantido nos anos 1980, migrou para o Caprichoso em 1986, voltou ao Garantido no início dos anos 1990 – onde foi Pajé por dois anos e retornou ao Caprichoso, onde permaneceu por quase três décadas como Pajé. Deixou a arena em 2017, mas continua ativo no setor de figurinos.

“Naquela Parintins dos meus 15 anos, era muito difícil. Sentia a discriminação de perto. Eu era discreto, não me declarava gay, tinha namoradas e uma vida que não chamava atenção”, relembra.

Respeito

“Minha mãe me educou bem e aprendi a ter caráter, a me respeitar e respeitar os outros”, acrescenta.

Para ele, foi o talento que abriu portas. “O meu talento era muito grande, e eu era muito novo. Fiz as pessoas me respeitarem pelo meu trabalho. Nunca fui desrespeitado nem no Garantido, nem no Caprichoso”, conta. “É claro que vi colegas sendo discriminados, mas me impus.Sempre ouvi um conselho precioso: estude! E foi o que fiz”, diz. “O artista gay Waldir Santana e o personagem Pajé caminharam juntos. E isso deu certo”, finaliza.

Parintins, festival e patrocínio

Palco de lutas por inclusão, identidade e representatividade, o Festival de Parintins conta com apoio do Governo Federal (MinC e Ministério do Turismo), Governo do Amazonas (SEC) e Prefeitura de Parintins.

Além dos entes públicos, patrocinam a 58ª edição do evento as seguintes empresas: Coca-Cola Brasil, Mercado Livre, Esportes da Sorte, Brahma, Bradesco, Petrobras, Assaí Atacadista, Eneva, Azul Linhas Aéreas, Natura, Bemol, Gree, Vivo, Elma Chips, Samel – Planos de Saúde e Cielo.

Veja também
Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *