
Chico da Silva 80 anos, ao lado do neto Samuel, 6, campeão brasileiro de xadrez
Uma festa para poucos – somente os que insistiram e furaram a cerca de jurubeba que ele sempre impôs (“aniversário é coisa íntima”) –, marcou os 80 anos de Chico da Silva. Era quinta (08/04) e o clima foi o mais caloroso possível. Chico estava alegre, falante e saíram histórias fantásticas, desde os memoráveis confrontos de Caprichoso e Garantido, na Parintins da década de 1960, até os bastidores da carreira que o Brasil conhece e admira.
Chico, nascido em 1945, deixou Parintins aos 16 anos, para estudar na Escola Técnica Federal do Amazonas, sob as bênçãos de dona Guajarina, mãe adotiva. Depois, mesmo à revelia dela, partiu para São Paulo, começou como torneiro mecânico e, dentro da noite, criou o ambiente para alavancar a carreira no samba.
Pai Luthier
Onde o talento foi forjado? O pai, Antonio Soares da Silva, conhecido como “Tamborete”, tocava e construía instrumentos musicais, como cavaquinho, banjo e violão. Sem a mãe, dona Edvirgem Ferreira da Silva, que faleceu quando tinha três anos, ele acompanhava o velho na noite parintinense. E os dois, invariavelmente, terminavam nos bastidores do Caprichoso, mais cedo, e do Garantido, na madrugada. Entre repentes de Raimundinho Dutra (Caprichoso), Ambrósio e Vavazinho (Garantido), todos falecidos, Chico robusteceu a musculatura musical.
Aos 11 anos (1956), Chico perdeu o pai luthier e foi adotado pela professora Guajarina. Ela morava na travessa Rio Branco, praticamente em frente à casa de Luiz Gonzaga, fundador do Caprichoso. Daí que o compositor diz, abertamente, que é de ambos os bumbás: do azul e branco como torcedor e do vermelho e branco como admirador das toadas.
A maturação do talento ocorreu na noite paulista, em cuja periferia o samba é muito forte, até o encontro com nomes como Jair Rodrigues, Benito di Paula e Paulo Sérgio. Ele insistiu com gravadoras, fez plantão nas antessalas dos executivos, até enternecer uma secretária mais bondosa: “Atenda o rapaz. Ele já está aí há semanas, esperando para falar com o senhor”. E foi aí que surgiu o primeiro compacto duplo com “Chegou meu boi Garantido” de um lado e “Não esquente a cabeça” de outro.
Auge na TV Globo
Parintins, que só recebeu TV na década de 1980 (Ajuricaba, Rede Globo), vibrou com o filho ilustre no Fantástico, líder absoluto. Cantou “Convite a Roberto Carlos”, um pot-pourri com jogo de palavras das músicas mais conhecidas do rei. Depois veio o primeiro lugar nacional de “Sufoco (clique para ver como Zeca Pagodinho é fã dessa música)”, parceria com o santareno Antonio José, na voz de Alcione. E o destaque em “Os Trapalhões”, de Renato Aragão e sua trupe, com “Esquadrão do samba (veja no programa)”, além de várias aparições no “Globo de ouro”. Neste último programa, aliás, ganhou o segundo lugar, como intérprete, de “É preciso muito amor”. Foi a primeira música gravada de Noca da Portela, parceria com Tião de Miracema. Só lembrando que a parada musical de sucessos reservava o primeiro posto para o imexível Roberto Carlos.
Hoje, Chico da Silva 80 anos é um consagrado compositor de toadas para Caprichoso e Garantido. Com senso rítmico perfeito, ele navega pelas histórias dos bumbás. “Raízes de um povo” no azul e “Sonho de liberdade”, no vermelho, são bons exemplos. Celebrou o amor com “Toada de amor” no Caprichoso e “Vermelhou geral” no Garantido, além da consagradíssima “O amor está no ar”, gravada por ambos. Foi por causa dele que os bumbás criaram a regra de “compositor de um, não entra no outro no mesmo ano”, depois que concorreu contra si mesmo em “Toada (letra e música)”, item 11 do julgamento, em 1991, com “Escudeiros do meu boi bumbá” versus “Dois pra lá, dois pra cá”.
Queixas
Chico da Silva tem muitas queixas. Uma das mais recorrentes é que o Caprichoso não incluiu no setlist, jamais, a “Toada do cuirão” (“É aprendendo a caçar, a nadar a pescar que se cria o caboco/ vivendo no mato, na beira do rio/ a juticultura perdeu a estrutura e virou desafio/ mas o tucumã, lá no campo é fartura e ninguém faz plantio…”), que considera um clássico. Só o fez no volume 2 da antologia “As cem toadas da nossa história”. É onde ele brinca com o tempo de menino: “Caba curumim deu no abieiro/ eu vou de pajurá” – abiu só cai no chão se estiver podre ou bichado e é preciso subir no pé ou cutucar com vara para derrubá-lo, enfrentando as cabas que atacam em enxame. Daí a preferência pelo pajurá, hoje um fruto raro, que cai quando amadurece.
O compositor consagrado ainda aguarda que o Caprichoso use a toada “A chama azul” (clique aqui para ouvir), que ficou na prateleira devido aos dois anos da pandemia, quando não houve Festival de Parintins.
O compositor de “O pandeiro é meu nome”, parceria com Venâncio (que criou “O último pau de arara”, com Corumba e José Guimarães), aos 80 anos, permanece ativo e compondo. É autor solo de “Cidade de Lindolfo” e “Vermelhou geral”, no álbum “Segredos do coração” (Garantido/ 2024). Tem cultivado parcerias e planeja gravar alguns dos muitos sambas inéditos que guarda no extenso baú.
Com o neto Samuel Silva, 6 anos, no colo, Chico apaga as velinhas fazendo planos de adolescente. Samuel acaba de se tornar campeão brasileiro de xadrez, na categoria sub-6, no Festival Nacional da Criança (Fenac) 2025. Ativo e brincalhão, o menino divide com o avô a restritíssima festa de aniversário. Esses dois vão longe!
Feliz 80, grande Chico da Silva.
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