
Caprichoso gravará Amazonas, no Playlist 2020, marcando a volta de Chico da Silva (na foto com o presidente Jender Lobato), que já mandou a toada “A chama azul”
A volta do compositor Chico da Silva, 74, ao Festival de Parintins, foi um pedido de campanha do presidente Jender Lobato. “Ele me disse que, se eleito, me levaria de volta. E cumpriu a promessa”, revela Chico. O compositor entregou a toada “A chama azul”, já gravada por David Assayag. “Vamos gravar também o hino do Amazonas, a música ‘Amazonas’, que o Caprichoso apresentou algumas vezes. É um grande trabalho do Chico”, afirma Jender.
Chico só pediu para não passar pela comissão que analisa as toadas do bumbá. A bronca dele vem de duas composições consagradas: “Recusaram ‘Vermelho’, no Garantido, e ‘Meu amor é Caprichoso’. Se elas se tornaram o sucesso que são, com todo respeito, mas eles não entendem de música”, dispara.
Chico da Silva está fazendo tratamento com fonoaudióloga. “Ela fez mestrado na Inglaterra, com um professor que trabalhou com Fred Mercury e Elton John”, enfatiza. E garante que está fazendo parceria afinada com Tadeu Garcia, compositor tradicional do Garantido. “Estamos trabalhando uns sambas muito legais”, revela.
Chico entrou na onda das plataformas digitais de distribuição de música. “Os pingos de dinheiro dos direitos autorais estão engrossando”, brinca. Ele fala dos fãs que se tornaram sucesso, como Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz, apontando um caminho para a carreira. “Completo 74, em maio, mas com corpinho de 63 (risos). Corro todo dia uma hora e minha alimentação é saudável”, afirma.
Veja, a seguir, entrevista exclusiva com o artista, autor de “Vermelho” e o “Amor está no ar”, as toadas dele que mais tocam. E de sambas como “Diário de um boêmio”, “Esquadrão do samba”, “O pandeiro é meu nome”, “Tempo bom” e “Sufoco”:
Portal do Marcos Santos – Chico, você está de volta e já fez “A chama azul” para o Caprichoso? Como foi isso?
Chico da Silva – O Jender (Lobato, presidente) acompanha Chico da Silva desde criança. Como vice-presidente sempre me convidou para participar, mandou camisa. Cheguei a entrar na Arena do Caprichoso, a convite dele. Sempre foi muito bacana. Tinha essa promessa de que quando fosse presidente eu voltaria.
pms.am – Como surgiu a primeira toada? E “A chama azul” está aprovada, pela comissão?
Chico – Eu falei para o Jender que tinha uma toada, “A chama azul”. É composição baseada na espiritualidade, no poder de Deus, dos reinos que governam o mundo. São reinos espalhados pelo universo, com os comandos, as plataformas divinas. É uma mensagem do grande poder divino. “A Chama Azul” é uma plataforma onde ficam os governadores do universo, regendo as leis. Tudo tem muito a ver com as cores do Caprichoso. Não fala em boi, nem curral, mas fala de amor, poder, fé. Sempre pelo maior, na essência de Deus. Não é religiosa, mas uma toada de fé.
pms.am – Está aprovada?
Chico – O Jender me convidou para ir lá, na campanha dele, e eu fui. Ele retribuiu me visitando em casa. Eu mostrei “A Chama Azul”. Eu disse que não ia me submeter a Comissão de Arte. Eles nunca acertaram com relação às minhas toadas. “Vermelho” e “Meu amor é Caprichoso” foram recusadas, inicialmente. Foi falta de respeito com meu trabalho. Rejeitadas! E depois foram sucesso. A “Toada da Santa” só entrou por insistência da Roseana Novo, Paulinho do Sagrado e Tadeu Garcia. A Comissão de Arte saca muito da parte cênica. Mas deveria ser como no samba-enrêdo: joga a música para a massa e a massa decide. Não é uma crítica. Não estou dizendo que não sabem de nada. Eles não sabem avaliar. São várias toadas minhas rejeitadas, no Caprichoso e Garantido, que viraram sucesso.
pms.am – Você tinha dito que era perseguido por essas comissões e por isso se afastou…
Chico – Falei pro Jender que não aceitava me submeter porque tem uma frescura que não é à música, mas a mim. Acho que o Caprichoso age assim por causa de “Vermelho”, grande sucesso do Garantido. Mas eu sou artista e minha arte não pode ser direcionada. Minha arte é livre e eu sou apenas um condutor, um trampolim. Minha arte não tem cor. Pode estar no Caprichoso ou no Garantido. O mestre Jair Mendes é outro exemplo: uma hora ele está em um e outra hora no outro. Por quê? Porque a arte dele é importante para o Festival de Parintins.
pms.am – Mas você tem e sempre teve um bumbá de preferência…
Chico – Meu boi é o Caprichoso. Nunca neguei. Mas minha arte está onde estou. Neste momento, minha arte agora está no Caprichoso e eu estou lá. Vou inclusive para a torcida. O Jender, como presidente, me chamou de volta e ele escolheu minha toada. A responsabilidade é dele, na administração e na evolução do boi.
pms.am – Quando você põe fé numa toada, ela acaba acontecendo. “A chama azul” está entre elas?
Chico – Sim. O que vale é a mensagem. Fizemos muitas toadas juntos, com grandes mensagens. “Os pescadores”, por exemplo, fala de uma história bonita, dos homens que fizeram muito por nós. A mensagem é que manda. Se o povo achar legal a mensagem e assimilar, a toada vai. Essa mensagem de paz e amor é necessária. É o que nós precisamos no mundo de hoje.
pms.am – Tem mais alguma outra coisa que você esteja programando para o Caprichoso?
Chico – O Jender me falou que o boi vai gravar “Amazonas”, de minha autoria.
pms.am – … É um hino…
Chico – O Félix Valois (advogado) diz que se fosse governador, a tornaria o Hino do Amazonas. Fezinha (Maria da Fé, falecida diretora da Rádio Difusora) dizia a mesma coisa. Confio muito no Jender e sempre tive muito apreço por ele. Faz parte do time das pessoas que eu gosto e confio.
pms.am – Você faz 74 anos, em maio, como está se sentindo? Como anda a carreira? Sempre me disse que pingava um dinheirinho de direitos autorais. Como está isso agora?
Chico – O pingo engrossou um pouquinho. Isso me enche de esperança. É por causa das plataformas digitais, onde fica mais fácil recolher os direitos autorais. Mas também não tenho nada novo. Só “Vermelho” e “O amor está no ar” que têm muita procura para gravar, inclusive por artistas de renome. “O amor está no ar” saiu pela noite e as pessoas foram cantando, desde o Regional Vermelho e Branco. Só agora está estourando. O Uendel Pinheiro fez uma gravação muito boa, num pot-pourri com “Festa da Raça”, e tem mais de um milhão de visualizações. Ivo Meireles, que é da Mangueira e anda pelo Garantido, também gravou. Tem também gravação de cantora baiana, que toca cavaco. Tem duas baianas famosas querendo gravar. Ela ainda não chegou ao ápice e quando chegar vai ser uma explosão nacional. É uma mensagem muito bonita de amor.
(Veja, abaixo, a gravação de Wendel Pinheiro:)
pms.am – Chico da Silva tem tocado pouco em Manaus…
Chico – Em Manaus, o sertanejo, forró e o arrocha tomaram conta. O próprio samba anda acanhado. Com as plataformas sociais, como o Spotify, a garotada, os jovens, estão procurando coisa boa. Graças a Deus, a gente gravou coisa boa. Meu filho, por exemplo, e os amigos dele, só estão ouvindo Cartola. Num País de 200 milhões de habitantes, a metade pode ouvir sertanejo, que vai sobrar a metade pra gente (risos).
pms.am – Como estão as tuas músicas nas distribuidoras de música por streamer, como Spotify e iTunes Store?
Chico – Até hoje ainda não fiz uma consulta, nem nas minhas editoras, nem nas sociedades de arrecadação. Só posso te falar que melhorou. Essa coisa do direito autoral esbarra nos novos ritmos, que vieram com muita força. Arrocha, sofrência… Tem essa Marília Mendonça, com aquela voz potente… Eu gosto mais da voz dela que da música (risos). Temos músicas que vão aparecer, nas mídias sociais, onde o gosto não é o imposto pelas rádios ou TVs. Acredito que minhas músicas não estão todas lá. Acho que uma meia dúzia.
pms.am – Você tem feito shows?
Chico – Dei uma parada. Contratei sessão com fonoaudióloga, Raquel Barbosa, que atende no Cedof, uma clínica de otorrinos e fonoaudiólogos. Fica na Leonardo Malcher, quase na esquina com a Constantino. Ela tem um slogan: “Você canta como quer ou como consegue?” Eu estava na segunda hipótese. Fiz oficina com ela e gostei. Ela me disse: “Você teve esse problema proveniente do câncer (Chico teve um câncer linfático, localizado na garganta). Vamos estudar. Só com a limpeza nasal, você já vai ter um ganho. Você tem que trabalhar muito para melhorar isso”. Ainda não entrei na voz propriamente dita. Estou na parte musculatória, na corda vocal. Estava com o estiramento da corda vocal reduzido, com prejuízo dos graves e agudos. Um pouco pela idade. Agora vamos saber se era falta de atividade ou consequência da radiotividade no tratamento feito naquela região. Toda segunda, 16h, estou nesse treinamento. A Raquel é uma jovem que fez mestrado fora do País, com um professor que trabalhou com Fred Mercury e Elton John. Ela canta muito bem. Eu, que não sabia nada de voz, estou muito esperançoso de recuperar minha voz e aumentar o estiramento da corda vocal. Meus diafrágma e pulmão estão fortes.
pms.am – E as composições? Além da toada, você tem feito samba?
Chico – Estou compondo bastante. Muita música nova. Fiz uma parceria afinadinha com o Tadeu Garcia. Temos três sambas excelentes. Estou guardando para alguém que queira gravar ou até para minha volta. Vamos resgatar, como cantor, a minha carreira. O compositor não parou, mas o número de fãs do Brasil, que se correspondem comigo, é grande. O time master de Pernambuco veio jogar aqui e fizeram questão de conhecer Chico da Silva. O hino deles é “Esquadrão do samba”. Tem gente da Paraíba, Rio Grande do Sul, São Paulo, entrando em contato comigo pelas redes sociais.
pms.am – As músicas que você conseguiu emplacar nas mídias sociais estão aparecendo…
Chico – “O Pandeiro é meu nome” tem 1,6 milhão de visualizações só no Youtube e aumenta 20 mil por dia, em média. Juntando todo meu trabalho dá uns 5 ou 6 milhões de visualizações. “Tempo bom”, “Esquadrão do samba”, “É preciso muito amor”, “Convite a Roberto Carlos”… São músicas procuradas e que estão tocando. É atrás desse público que preciso ir. Lembro do Fernando Collor, que só tinha uma bala contra a inflação. Eu tenho a bala da volta, com esse repertório forte.
pms.am – Você sempre foi muito bem relacionado, no mundo do samba, da música. Como está isso?
Chico – No Festival de Parintins, eu encontrei com Salgadinho, Ivo Meireles, Xandy. Todos curtem Chico da Silva. Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz também. Tenho que ir atrás desse público. Só podia descobrir o quanto eles gostam do meu trabalho, através da Internet.
pms.am – Como anda a saúde, Chico?
Chico – Tô com 74, mas com cara de 63 (risos). Faço uma hora diária de corrida, tenho alimentação saudável, na base de cereais e peixe. É só pintar o cabelo e tá tudo certo (risos). Os problemas de saúde, como hipertensão e pré-diabetes, estou perfeitamente familiarizado com eles. Tenho muita fé e esperança em Deus.
pms.am – E suas raízes com a terrinha? Está na hora de fazer um hino para substituir o que Dom Arcângelo nos deixou. O bispo e arcebispo conhecia muito e amava muito nossa terra, mas as raízes estavam na Itália…
Chico – Dom Arcângelo me mandava dinheiro, para me sustentar, quando vim para a Escola Técnica. Já te contei isso? Ele mandava a grana numa carta, em torno do que seria hoje uns R$ 1 mil. Depois ganhei uma bolsa de estudo e ele parou. Quando cheguei em Parintins, famoso, ele estava na janela e fui lá cumprimentá-lo. Ele era muito amigo do velho, do Tamborete. Tamborete (pai de Chico da Silva) era um intelectual da vida. Conhecia o mundo como poucos. Era um autodidata que gostava de política. Os amigos eram o bispo, o prefeito, o juiz, o delegado – que prendia ele toda vez que bebia demais (risos). Tomava uma geladinha com o padre Jorge Frezzini, com os Araújo. Era muito bem relacionado. Mas você tem razão. Precisamos fazer algo para homenagear nossa terra.
pms.am – Você já tem alguma coisa em mente?
Chico – Fiz um samba-exaltação, a partir da história de Parintins. Ainda não é um hino, como você planeja. Eu falo da Rainha Maria I, a Piedosa, a Louca. Ela era a verdadeira dona da Ilha e foi quem a deu a José Pedro Cordovil. Depois ele devolveu. Falo da Cabanagem, que passou do outro lado do rio. De quando a cidade era ponto abastecedor das especiarias. Parintins foi uma espécie de capital de território. Representava Mocambo, Nhamundá, Barreirinha e até Maués. Tudo isso está na música.
pms.am – Um samba histórico?
Chico – Sim. Eu digo que Parintins, se quisesse adotar o nome completo da dona, se chamaria “Maria Francisca Isabel Antônia Josefa Gertrudes Rita Joana de Bragança, o nome de batismo de Maria Pia (risos). É um samba histórico, para os meninos aprenderem na escola.
Clique aqui para ouvir “Amazonas”, gravada por David Assayag
Clique aqui para ouvir “A chama azul”, também gravada por David
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