Contraponto à reforma

Depois de ser aprovada com impressionante rapidez pela Câmara dos Deputados, com shows particulares dos seus apoiadores prestando contas aos que efetivamente mandam no país, fotos e filminhos nas redes sociais com direito a um teatral choro do deputado Rodrigo Maia, eis que desembarca no Senado a tal reforma da Previdência.

Tal como lá, a coisa já ganha espantosa velocidade, como se só agora os “patriotas” tivessem acordado. Tendo como relator Tasso Jereissati, um dos empresários mais ricos do Brasil e dentre os 81 senadores o dono da maior fortuna informada à Justiça Eleitoral (mais de R$ 389 milhões em bens declarados), certamente temos a certeza de que o povão será devidamente “aquinhoado e representado”, ironicamente falando.

A Nova Previdência, nome estrategicamente escolhido para fazer grudar na população a ideia de que essa reforma vai poupar os mais pobres e punir os mais ricos, que vai combater privilégios do sistema de seguridade social, que vai resolver o problema demográfico e fiscal, que pessoas poderiam trabalhar até os 80 anos em vez de se aposentar antes dos 50, enfim, tudo milimetricamente calculado para fazer a cabeça da população.

Na verdade os trabalhadores estão tendo o seu destino decidido por políticos que, tirando alguns, jamais precisarão de uma aposentadoria. Como diz José Celso Cardoso Júnior, economista do Ipea, “A questão social sequer é cogitada. Eles não se importam com o fato de a maior parte da população brasileira em idade ativa não conseguir reunir condições, ao longo do seu ciclo de vida laboral, para pleitear a aposentadoria”.

Tentando fazer um contraponto, concordo com Denise Gentil, economista e professora da UFRJ, quando afirma que “São regras muito duras e que atingem em cheio 30 milhões de brasileiros que dependem diretamente desses benefícios para sua sobrevivência e de sua família”.

Eduardo Fagnani, economista do Ipea, vai além: “Estão tentando eliminar os direitos conferidos pela Constituição de 1988. Foi a primeira vez que tivemos ao mesmo tempo direitos sociais, políticos e civis. O documento é um ponto fora da curva do capitalismo, e o capitalismo brasileiro não tolera isso”.

No seu novo livro “Previdência: O debate desonesto”, Fagnani alerta que a Previdência, um dos pilares essenciais da Seguridade Social, está a um passo de transformar-se radicalmente, apontando para uma mudança em direção ao passado que invariavelmente destruirá as bases solidárias, contributivas e distributivas da Previdência Social, retrocedendo de um direito universal para um mero seguro, num país com imensas desigualdades, onde poucos poderão pagar por um seguro.

Podemos ver que é possível duvidar dos fundamentos utilizados pelos ditos especialistas influenciadores, principalmente quando utilizam como principal argumento o “complexo sistema de aposentadorias excessivamente caro, e conta impagável dado o envelhecimento populacional”. O problema é que esta realidade demográfica acaba sendo prejudicada por uma previsão econômica imprecisa e de longo prazo.

Para Fagnani, o mínimo que se poderia esperar dos especialistas seria um esforço de análise dinâmica do comportamento das aposentadorias ao longo de diferentes cenários econômicos, demonstrando as necessidades de financiamento que cada trajetória de desenvolvimento poderia representar para a sociedade brasileira, além de uma ampla reforma tributária aliada a um desenvolvimento com inclusão social para verdadeiramente poupar os mais pobres.

 

 

Augusto Bernardo Cecílio

Augusto Bernardo Cecílio

* Auditor fiscal da Sefaz, coordena o Programa de Educação Fiscal no Amazonas.

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