Caçando privilégios ou destruindo vidas?

O balão de ensaio lançado pelo governo acerca da possível nomeação do filho do presidente para a embaixada americana, a curiosidade pública sobre o destino do Neymar, somados a assuntos irrelevantes, mas com grande apelo popular afastam as pessoas do que realmente interessa e que pode impactar negativamente na nossa vida, que é a reforma da Previdência, quando “inocentes” ou desinformados pensam que jamais serão atingidos.

O artigo “Reforma da Previdência: Fim do primeiro ato”, publicado pelo HuffPost Brasil, alerta para o famoso lema “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, de Joseph Goebbels, acrescido de “soluções simples para problemas complexos” (parafraseando Henry Louis Mencken) e uma pitada de encenação, afirmando que essa foi a fórmula que garantiu, sob aplausos, a sua aprovação no plenário da Câmara dos Deputados.

A chancela, em primeiro turno, à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impactará gerações de brasileiros, foi dada após duas sessões de plenário, em cerca de 20 horas de debate. Corria nos corredores da Casa, no primeiro dia de discussões, a confissão por parte de muitos parlamentares de que quase ninguém entendia, por exemplo, as cinco regras de transição previstas no texto-base. Para o gran finale, choro do emocionado presidente Rodrigo Maia, representante de um Rio destruído e saqueado, que juntamente com Minas e Rio Grande do Sul andam enlouquecidos para que os brasileiros tapem os seus rombos.

O artigo pergunta: quais os impactos das mudanças aprovadas? A suposta caçada aos privilégios resultou em significativa perda aos servidores públicos federais. Além da projeção de aposentadorias menores e mais tempo de trabalho, eles terão de amargar contribuições previdenciárias que podem ultrapassar 22% de suas remunerações. A Funpresp, previdência complementar de natureza pública, também fica fragilizada, pois estará à disposição do mercado financeiro.

Da mesma forma que os servidores, os trabalhadores do setor privado terão de trabalhar mais para ganhar menos. As idades mínimas de 62 anos para mulheres e 65 para homens não consideram as peculiaridades regionais, sociais e dos tipos de ocupação e, portanto, exigirão dos trabalhadores de menor qualificação um maior esforço. Ainda assim, o golpe mais duro será no bolso.

Com o novo cálculo, que exige 35 anos de contribuição das mulheres e 40 dos homens para acesso à média de 100% das contribuições, os benefícios pagos pelo Regime Geral (hoje R$ 1.270, em média) irão convergir para o piso de um salário mínimo. Isso porque a regra é incompatível com a atual realidade do mercado de trabalho brasileiro, que contabiliza mais de 13 milhões de desempregados e altos índices de informalidade. Segundo estudos da ANFIP, os trabalhadores que hoje aposentam por idade só conseguem contribuir com cerca de 5,1 parcelas por ano.

O “combate a privilégios” serviu de artifício para atrair a atenção do público e os efeitos do rebaixamento das aposentadorias, que vão aprofundar a desigualdade social, impactar no consumo das famílias e, assim, nas economias dos municípios. E o primeiro ato foi encerrado sob aplausos do mercado, da imprensa e do governo, certamente os grandes interessados.

Por fim, o artigo afirma que é possível retomar o crescimento do País sem tamanha crueldade. Alternativas existem. É possível, por exemplo, revogar o teto de gastos, revisar a Lei de Responsabilidade Fiscal, promover uma reforma tributária solidária, taxar grandes fortunas e revisar as renúncias previdenciárias (previsão de R$ 54 bi só em 2019). Resta saber se governo e congressistas estão interessados nisso.

 

Augusto Bernardo Cecílio

Augusto Bernardo Cecílio

* Auditor fiscal da Sefaz, coordena o Programa de Educação Fiscal no Amazonas.

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