Conheça os mestres do Festival de Parintins que criam o mundo mágico exibido na arena

O artista Makoy Cardoso transformando um pedaço de isopor numa peça de alegoria. Fotos: Peta Cid

Texto: Peta Cid
Imagine um grande canteiro de obras em constante evolução. Só que ao invés de moldar cimento, os mestres modelam arte. Ferragens, carretilhas, esponjas, isopor, plástico, sacos de areia de contrapeso, gruas, gangorras, madeira, tecidos e um emaranhado de arames e cabos de aço ganham alma nas gigantes alegorias fabricadas com esmero nos galpões dos bois de Parintins, Caprichoso e Garantido. Do “lixo” ao “luxo”, tudo se recicla, se recria e se transforma em criações admiráveis do mundo mágico que desfila na arena do Bumbódromo e encanta pelos recursos visuais de rara beleza plástica.

Percorrer um QG (Quartel General) de alegorias em meados de abril e maio, dois meses antes do Festival Folclórico que acontece no último final de semana de junho, é se perder em um labirinto de estruturas e engenhocas surpreendentes com modulações e movimentos que desafiam a gravidade. Aí reside a genialidade do caboclo da terra, que “inventou” uma fantástica engenharia cabocla que não usa sistemas hidráulicos ou elétricos para movimentar com perfeição os módulos.

É no frisson do gigante canteiro de obras que, aos poucos, os operários da arte vão botando a mão na massa, mergulhados na revolução de ideias e no trabalho de criação. Plantas baixas, aplicativos de computador e maquetes reforçam a produção artística e projetam os módulos da fábrica de sonhos para a escala real.
Produzir modernos efeitos especiais à moda cabocla não é tarefa fácil. Os artistas chegam à exaustão, com dias de muito trabalho, noites sem dormir, mas são impulsionados pelo sentimento mais profundo do parintinense: a paixão pelo boi.

Os galpões ficam com um emaranhado de ferros e outros materiais que serão reutilizados nas apresentações dos bumbás.

Equipes trabalhando na montagem das alegorias.

Soldador, peça fundamental no processo de reaproveitamento de material e montagem das alegorias.

 

Os mestres da obra vermelha

A tranquilidade é a sua marca. Na sombra do homem pacato e calado está um grande artista. São de Oséas Bentes, 55, muitas criações espetaculares no item alegoria, sempre contabilizando notas dez. Hoje trabalhando no Boi Garantido, o artista imprimiu nova dinâmica de trabalho à sua equipe reaproveitando o máximo de material. “Aqui é realmente como um grande canteiro de obras e até mesmo um simples arame que a gente desmancha para ser reaproveitado é feito com técnica e profissionalismo. É impossível comprar todo o material, por isso essa dedicação dos artistas para que esse canteiro de obras fique 50% com nova cara”, explica.

Para o artista não basta só fazer o Festival para avaliação dos jurados, mas principalmente para emocionar a galera. “É isso que impulsiona e mantém nosso Festival com essa qualidade cultural e grandiosidade”, expressou.

A robótica do Boi Garantido tem entre os mestres o Manoel do Socorro Sorin Ribeiro, 35, há 14 anos trabalhando nos galpões do vermelho e branco. Ele revela que ainda hoje lhe causa surpresa e admiração a criatividade dos artistas que em alguns casos conseguem reciclar até 90% de determinado módulo que poderia degradar a natureza, mas é reaproveitado. “Tenho uma grande admiração pelo nosso povo que consegue dar vida aos ferros pra fazer bonito. Quem vê na arena não imagina como foi feito, de onde veio”, diz. Como num toque de Midas que tudo transforma, o artista declara que a maior satisfação é o dever cumprido e o resultado do espetáculo na arena.

O segredo de uma alegoria está no efeito que ela pode causar com os movimentos reproduzidos durante a apresentação de um boi na arena. Esse é o conceito do artista Jakson Farias de Souza, o Pingo de Souza, desde 1995 trabalhando nos galpões do Garantido. Rituais, encenações de lendas e mitos tribais, módulos de forma aparentemente simples são obras que passam pelas mãos do artista. “Somos da robótica artesanal, nada é hidráulico, aqui tudo recriamos e transformamos em beleza. É tubo que se reaproveita para uma luva, é um cabo que vai ser usado no movimento. Essa beleza toda é o que o visitante e o nosso torcedor vai ver na arena”, destaca.

Oséas Bentes constrói grandes alegorias para o Garantido reaproveitando material dos galpões.

Há 24 anos trabalhando para o boi Garantido, o artista Jakson Farias de Souza, o Pingo de Souza, diz que o segredo das alegorias está nos seus movimentos na arena.

Manoel do Socorro afirma que até hoje se surpreende com as alegorias na arena do Garantido, resultado da reciclagem de material nos galpões.

 

Construtores da arte do Caprichoso

A cada ano o boi renova a compra de materiais, entre eles, algumas toneladas de ferro e centenas de blocos de isopor, mas é impossível comprar tudo novo, daí a necessidade de reciclar.

Famosos pela ousadia, artistas como Makoy Cardoso, 39, usam toda a criatividade na reciclagem de peças importantes, buscando a precisão e o equilíbrio perfeito para dar vida ao sistema operacional das alegorias. Ele explica que no processo de construção da robótica artesanal, os dois bois conseguem reutilizar ferragem por um período de até quatro anos. “O Caprichoso tem o cuidado de preservar a parte central das estruturas que serão usadas no ano seguinte com uma nova roupagem. O segredo é criar novos módulos e detalhes diferenciados. É muito difícil reconhecer uma peça reutilizada porque ela sempre estará em novo conceito”, detalha o artista que há 19 anos testemunha a evolução da festa.

Quem começou no boi trabalhando como professor na Escolinha de Arte e fazendo o letreiro da galera sabe que muito bem que a concepção do projeto de arena pede o reaproveitamento de bases e peças que ganham novo direcionamento. É o que atesta Aldenilson Pimental, 38, o Pretinho, hoje comandando treze artistas vindos da escolinha. Junto com o irmão, Paulo Pimentel, 37, eles repassam aos integrantes da equipe as técnicas de moldar ferro, barro e isopor. “As bases e peças são reaproveitadas e se transformam em novo tema. Tudo é muito bem pensado e elaborado para um minuto de explosão no Bumbódromo”, afirma Pretinho.

Paulo Pimentel também se orgulha e diz que é um privilégio estar no galpão, dividir a emoção e a fé que são combustíveis diários para o artista desenvolver o trabalho com perfeição. “O trabalho é árduo, três meses de galpão, mas temos nosso oratório para nossas orações. A todo momento somos movidos pela fé”, revela.

Entre os que dominam a técnica de moldar ferro em criaturas com os mais perfeitos movimentos está João Ferdinando, o Carivardo, 54, dez anos de festival. Com um toque de regionalismo, a inovação produzida por ele é sempre magnífica. “Nossa missão é dar vida a alegoria, tentar chegar à perfeição. Para isso transformamos ferro velho em estrutura nova, tudo se renova em arte e movimento. E a emoção de ver a alegoria pronta é muito forte, é gratificante”, confirma. Na equipe de Carivardo, no Caprichoso, trabalham 15 pessoas, incluindo seus filhos.

Os irmãos Aldenilson e Paulo Pimentel comandam uma equipe formada na Escolinha de Arte, ensinando técnicas de moldar ferro, barro e isopor.

Francinei Meireles considera quase uma mágica transformar ferros retorcidos em uma nova alegoria.

João Ferdinando, o Carivardo, domina a técnica de transformar ferro em criaturas com movimentos perfeitos.

 

Luxo, cores e luzes

O luxo, o visual de cores, o brilho das luzes, tudo é cuidadosamente arquitetado, revela o artista Francinei Meireles, 41 anos, o Neizinho, que desde 1997 é cria de galpão e passou pelas tribos, tuxauas, decoração e agora artista de ponta.

“A gente faz uma grande mágica. Pega ferro retorcido, desfaz, transforma, molda, esculpe formas humanas e de animais e vai montando o grande espetáculo. Aqui na minha equipe reciclamos 70% do material, até um papelão que ia para o lixo pode ser objeto de decoração. Depois do revestimento as estruturas ficam belíssimas e vem a melhor parte que é o reconhecimento do trabalho executado na arena”, conclui.

Para o Festival Folclórico de 2019 os operários da arte estão trabalhando a todo vapor. No grande canteiro de obras começa a etapa de revestimento e as ferragens que camuflam seres e movimentos aos poucos vão revelando a proeza inusitada do artista parintinense que têm o poder absoluto da criação. É aguardar pelo espetáculo que vai balançar a arena do Bumbódromo.

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