A procura da caixa preta de Brumadinho

Por João Lago

Em 30 de junho do ano passado o sítio na internet FlightRadar24 registrou duzentos e vinte e dois mil aviões cruzando o céu do planeta, com uma estimativa de trinta milhões de passageiros voando para algum destino. Essa quantidade de gente é muito maior que a população de todo o estado de Minas Gerais que em 2018 registrava pouco mais de vinte milhões. Apesar da quantidade de passageiros transportada em voos comerciais, ainda assim não se tem notícia de qualquer acidente aéreo nesse dia, bem como em todo o mês de junho que envolva mais de uma dezena de vítimas. Sem qualquer sombra de dúvidas o transporte aéreo é o mais seguro do mundo e morre-se mais em acidentes rodoviários. Porém, sempre que somos surpreendidos com acidentes aéreos, ficamos comovidos, quando eventualmente a queda de uma aeronave envolve um grande número de pessoas, criando uma sensação de insegurança e medo.

A segurança no transporte aéreo não acontece por acaso, mesmo porque são poucos os fabricantes de aeronaves no mundo e a certeza do transporte seguro é que faz que milhões de pessoas no planeta escolha viajar de avião. A investigação profunda das causas de acidentes aéreos e investimentos em sistemas redundantes de precaução de sinistros, prevendo que havendo falhas seja possível que outro sistema entre em ação em contingência a fim de evitar o desastre. A existência das “caixas pretas” e até mesmo a reconstituição peça por peça de uma aeronave acidentada para entender as causas do acidente são medidas cruciais para aumentar a segurança do transporte aéreo. Com tudo isso, aprende-se com os erros, aprimorando a tecnologia de fabricação de aviões e havendo falha humana investe-se ainda mais em sistemas redundantes e no treinamento de pilotos em simuladores de voo. A segurança de voo é construída por uma indústria que depende de outros atores que estão além dos hangares de montagem de aviões, mas, ainda assim, apesar da complexidade sistêmica compreende-se que um acidente deve servir de alerta para que idêntico erro não se reproduza no futuro.

A Vale S/A, uma das poucas multinacionais brasileiras, ao inverso da indústria aeronáutica é senhora absoluta do controle da sua própria segurança. Isto significa que o investimento no monitoramento de falhas não depende de fatores externos, mas de uma atuação pontual e discricionária da mineradora. Lembro que quando aquele prédio em São Paulo em maio de 2018 pegou fogo e desabou, bombeiros instalaram no prédio ao lado, que corria risco de ruir, um detetor a laser que monitorava qualquer mínima vibração que pudesse indicar risco de desmoronamento. Países como Japão e Chile, localizados em regiões sujeitas a terremotos, adaptaram a tecnologia da construção civil no sentido de criar prédios que resistam a tremores de terra e, por outro lado, investem em treinamento da população de como agir durante terremotos. Localidades nos EUA, sujeitas a tornados, incentivam a população a criar abrigos subterrâneos para que a vida seja preservada, pois é certo que o fenômeno natural quando acontece destrói tudo que encontra pelo caminho. Todos esses exemplos, e tantos outros que possam ser citados, não impedem os danos materiais, mas certamente poupariam vidas se empregados nas regiões que estejam no caminho de vazamento de dejetos, caso haja rompimento de barreiras. Se a Vale tivesse colocado em seu refeitório um abrigo subterrâneo com cilindros de oxigênio que durassem pelo menos 72h, certamente haveria tempo suficiente para que as equipes de resgate pudessem socorrer as vítimas da tragédia. Ao mesmo tempo, se sensores fossem instalados, e que estivem ligados a uma rede de sirenes e de informação instantânea de perigo, também haveria menos perdas de vidas. Igualmente não creio que a população que esteja no caminho de qualquer eclosão de barreiras tivessem passado por qualquer tipo de treinamento de evacuação do local patrocinado pela Vale ou por qualquer organismo governamental. Duvido que na pousada soterrada havia informação que aquela localidade estava na zona de perigo de uma possível (mas muito provável como se demonstrou) rota de destruição no caso de rompimento de uma barreira. A única certeza que podemos ter é a da ignorância no sentido lato da palavra. As pessoas estão sobre verdadeiros barris de pólvora e a conclusão a que chegamos é da omissão e incompetência da Vale, dos órgãos de controle do estado e da total ignorância da população atingida.

Novamente uma tragédia nos chama atenção e repete-se em Minas Gerais, envolvendo outra vez a Vale S/A. Parece-nos que o sinistro ocorrido em Mariana não foi suficientemente didático para prevenir novos acontecimentos. Esperamos sinceramente que a lição tenha sido aprendida de uma vez por todas, inclusive desmitificando que as questões de segurança e de controle ambiental atrapalhem as empresas. Os fatos como de Mariana e Brumadinho são a ponta do iceberg de todas as demais tragédias, seja de pequena ou grande monta, que a frouxidão do controle ambiental e da segurança podem trazer em curto ou longo prazo, seja nas montanhas de Minas Gerais, nas boates de regiões metropolitas (Canecão Mineiro e Boate Kiss são exemplo disto) ou na dimensão da biodiversidade amazônica.

 

João Lago

João Lago

* João Lago é professor universitário, mestre em Administração (Estratégica / Marketing), tem 10 ...

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