Por Felix Valois
HĂĄ quatorze anos fiz publicar o texto abaixo. Impressiona-me o fato de o quadro, na sua essĂȘncia, ter sofrido alteraçÔes para pior. Como tudo indica que se avizinham tempos de repressĂŁo maior e mais generalizada, pareceu-me oportuno relembrar o que, Ă Ă©poca, foi ponderado. Segue a transcrição:
Quando, ao final da segunda grande guerra, em 1945, os Estados Unidos cometeram os genocĂdios em Hiroshima e Nagasaki, morreram, segundo as estatĂsticas oficiais, 340 mil pessoas.
Brutal, mas comparado com o que vem acontecendo no Brasil, em pleno tempo de paz, parece trecho de uma canção de ninar.
O Instituto Brasileiro de Geografia e EstatĂstica â IBGE divulgou esta semana uma pesquisa intitulada SĂntese de Indicadores Sociais. Por ela ficamos sabendo que em vinte anos, de 1980 a 2000, cerca de 600 mil brasileiros foram assassinados e que a taxa de homicĂdios subiu 130%. SĂł na dĂ©cada de 90, 369.101 compatriotas foram vĂtimas desse crime, superando, portanto, o nĂșmero de mortos registrado na tragĂ©dia japonesa.
O demĂłgrafo Celso SimĂ”es, que foi um dos coordenadores da pesquisa, nĂŁo perdoa e aborda a questĂŁo de forma direta: âTodo o problema se concentra na falta de perspectiva na população jovem de 15 a 24 anos. Eles nĂŁo tĂȘm emprego e a evasĂŁo escolar Ă© alta nesta faixa etĂĄria. EstĂŁo soltos no mundo, disponĂveis para serem arregimentados pela marginalidade. O Rio de Janeiro Ă© uma fronteira abertaâ.
AtĂ© que enfim uma voz oficial se levanta para proclamar a evidĂȘncia que tantas e tantas vezes tenho ressaltado na minha humildade provinciana: o crime e todo o seu entorno nĂŁo sĂŁo um problema jurĂdico e nĂŁo vai ser atravĂ©s de leis estĂșpidas e draconianas que conseguiremos combatĂȘ-los.
Dou apenas um exemplo: foi em 1990 que surgiu a lei 8072, a tal que criou, sem lhes definir o conceito, os crimes hediondos. Balaio sem tampa, no qual foram sendo depositados crimes pela simples variação de humor do legislador ou pelos interesses da mĂdia, esse instrumento legal estĂĄ eivado de inconstitucionalidades e violĂȘncias. Ă o caso da obrigação de o condenado a pena privativa de liberdade cumpri-la integralmente em regime fechado.
Todavia, a hedionda lei nĂŁo impediu que, das duas dĂ©cadas objeto da pesquisa, tenha sido precisamente na de 90 que se registraram dois terços dos homicĂdios detectados.
Vale ouvir novamente a lucidez do doutor Celso SimĂ”es: âConseguimos diminuir a mortalidade infantil para nossos jovens começarem a morrer de maneira estĂșpida. Essa violĂȘncia Ă© um fenĂŽmeno que vem crescendo, principalmente na dĂ©cada de 90, e coincide com a prĂłpria crise econĂŽmica. Altas taxas de desemprego estĂŁo associadas a altas taxas de violĂȘnciaâ.
Parece o Ăłbvio e atĂ© acredito que o seja. Mas Ă© um tapa na cara dos adeptos desse sĂłrdido movimento intitulado âLei e Ordemâ, que proclama, a partir de um ideĂĄrio norte-americano (de onde mais?), a necessidade de leis mais rĂgidas como forma primacial de combater a criminalidade.
Tomara que a pesquisa, cujos resultados sĂł nos enchem de vergonha, sirva pelo menos para despertar a consciĂȘncia dos governantes para a evidĂȘncia destacada pelo mesmo doutor SimĂ”es: âĂ preciso uma polĂtica pĂșblica objetiva de inserção dos jovens no mercado de trabalho e na educaçãoâ.
Fora disso tudo Ă© conversa fiada e as escandalosas operaçÔes policiais, tĂŁo a gosto dos oportunistas, sĂł servirĂŁo mesmo para reativar o conhecimento de espĂ©cies zoolĂłgicas ou para destacar as virtudes de bĂblicos e lendĂĄrios personagens.
Felix Valois
* FĂ©lix Valois Ă© advogado, professor universitĂĄrio e integrou a comissĂŁo de juristas instituĂda p...
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