A micose política social

Por João Lago

As dermatites alérgicas são combatidas com corticoides devido sua ação imunossupressora que reduz a resposta do organismo à ação do agente que desencadeou a reação alérgica. No entanto, se uma micose (infecção por fungos) for confundida com uma dermatite alérgica e um adepto da automedicação utilizar um fármaco a base de corticoides em uma micose, em vez de resolver o problema, aumentará ainda mais a infecção, porque ao enfraquecer o tecido cria um ambiente propício para a doença crescer e multiplicar. Uso essa metáfora porque na democracia face ao autoritarismo o mecanismo funciona da mesma maneira.

A democracia, presente nos dado pela civilização grega clássica, ainda é o melhor remédio para combater as tentativas de autoritarismo que vez em quando voltam a nos assombrar, tanto a direita, quanto a esquerda. E essa doença (o autoritarismo) historicamente surge nos períodos de estagnação econômica, com o aumento do desemprego e do empobrecimento da maioria da população. Assim foi no século passado durante a ascensão do nazismo na Alemanha nos anos 30 e, assim, ressurge na França em 2008 em pleno século XXI. E o autoritarismo tem em sua gênese a escolha de um culpado (ou culpados) para a desgraça econômica: imigrantes, homossexuais, não cristãos etc. Promete resolver todos os problemas por meio de um rígido controle social, restaurando a ordem e os bons costumes com mão de ferro e quando possível suprimindo todos os que pensam em contrário.

Na véspera do dia 7 de setembro, Jair Bolsonaro sofre um atentado de um tresloucado que quase em um ato suicida esfaqueia o candidato em meio a uma turba que o adjetiva de mito. Por muito menos já tive conhecimento de pessoas serem linchadas por serem confundidas com agressores, muitas vezes produto de lendas urbanas. Quem não se recorda de uma mulher que em maio de 2014, na cidade de Guarujá-SP, foi espancada até a morte porque circulava no Facebook um boato que uma mulher sequestrava crianças para matá-las em um ritual de magia negra. A pobre mulher foi reconhecida por peritos populares, altamente treinados para reconhecerem semelhanças faciais, por meio de um retrato falado grotesco produzido em uma ocorrência policial de 2012 em Bonsucesso-RJ, distante dois anos no tempo e 512 km no espaço do local do massacre. O único crime cometido pela mulher foi ter oferecido uma fruta, que havia comprado pouco antes, para uma criança que estava na rua. A mãe da criança acreditou que aquela criatura fosse a suposta sequestradora e logo cerca de cem pessoas começaram a persegui-la e agredi-la, principalmente porque tinha nas mãos um livro preto de “magia negra” que na verdade era uma Bíblia. Estou associando este fato ao atentado de Bolsonaro por dois motivos: Primeiro porque a maioria dos eleitores de Bolsonaro parecem acreditar que é possível fazer justiça com as próprias mãos (ou próprias armas) como defende o candidato quando promete metralhar seus adversários (de brincadeira lógico). Em segundo lugar porque o agressor realmente declarou que estava disposto a ser imolado em prol de um chamado divino, uma espécie de Jihad contra o extremismo de direita.

A democracia sofre um duro golpe, obviamente pelo atentado em si que qualquer cidadão com sete graus de sensatez menores que a minha repudiará veementemente. Outro efeito colateral é afastar Jair Bolsonaro dos debates, coisa que ele já estava disposto a fazer, mas agora tem um motivo real para tal. Eram justamente os debates o seu calcanhar de aquiles, pois é fato que fora dos assuntos do qual está devidamente adestrado (kit gay, negar o golpe de 64, não houve tortura na ditadura, armar a população contra os bandidos, quilombolas vagabundos etc.) o candidato Bolsonaro não tem muito a dizer. O que mais me entristece e que vejo muita gente boa, que apenas está desiludida com a decadência moral, principalmente aquela capitaneada pela Rede Globo de Televisão, sentirem-se pessoalmente ofendidas em suas crenças. Outro ponto em comum entre elas é a revolta contra as instituições, principalmente aquela que permite que o bandido possa ter tantos privilégios e que a corrupção seja uma prática sistêmica no parlamento e nos governos. Não se trata absolutamente de criminalizar a política, mas banir da política os criminosos e é isso que o brasileiro médio tão somente deseja. Porém, se realmente não vier uma reforma política que acabe com os políticos profissionais, nunca haverá uma renovação profunda nas esferas de governo, pois da forma que está, os partidos políticos são feudos sem qualquer ideologia e baseados no “carisma” do dono da legenda. Os partidos políticos, em sua maioria, tem donos no Brasil.

Não se elimina uma micose com corticoide, da mesma forma que não se combate o autoritarismo com a violência, pois ao usarmos o remédio errado apenas criamos um substrato para a doença crescer. O autoritarismo não se acomoda na democracia e essa funciona como um veneno as suas pretensões. Portanto, é um ato de burrice, ou insanidade, agredir um autoritário, basta que o deixe falar, pois o último recurso de quem perdeu a razão é agir com violência. A força do argumento é bem mais poderosa e faz calar que o argumento da força.

João Lago

João Lago

* João Lago é professor universitário, mestre em Administração (Estratégica / Marketing), tem 10 ...

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