Um pouco de história

Félix Valois

No próximo dia 25, completar-se-ão cinquenta e sete anos da data em que Jânio Quadros renunciou à Presidência da República, dando ensejo ao aprofundamento da crise que se iniciara em 1954 com o suicídio de Vargas e que redundou no golpe de Estado de 1º de abril de 64.

O que foi a ditadura militar que então se implantou, todos, com o mínimo de civismo, têm o dever de recordar e abominar.

Impressionante é que, concluído o doloroso processo de gestação da abertura democrática, vivemos seguidamente dois fatos traumáticos: a morte do presidente Tancredo Neves e, na primeira eleição direta pós-ditadura, o desastroso governo de Collor de Melo, a se concluir num vergonhoso impeachment.

Fernando Henrique Cardoso chegou ao fim de dois mandatos consecutivos, implantando uma política neoliberal que colocou na cesta de lixo todos os ideais nacionalistas que ele mesmo, um dia, ao tempo em que ainda era sociólogo, defendeu e proclamou. Pelo menos controlou a inflação.

Acenando com novos rumos e ostentando o pudor de uma carmelita, surge avassalador o Partido dos Trabalhadores. Depois de amargar derrotas acachapantes, Luís Inácio Lula da Silva ascende à Presidência e na nova ordem se depositaram as esperanças de quantos acreditavam que era possível retomar o desenvolvimento sem perder o orgulho nacional. Não mudaram os rumos, muito pelo contrário, e o pudor era falso como uma nota de três reais.

Ao fito de evitar a indignação das elites, Lula esqueceu suas origens operárias e fez ingentes esforços para ultrapassar FHC, no afã de submeter a economia à ganância de capital transnacional. As privatizações desenfreadas, que tiveram início com o primeiro, não recuaram um milímetro com o segundo e até o petróleo, que era nosso, passou a sair do bojo de uma Petrobrás transfigurada e travestida.

De outra face, desfraldou-se ampla e incontidamente a bandeira da mais deslavada corrupção, com as vestais petistas chafurdando na compra de deputados e senadores, tendo, como entreato, dignificantes episódios como o da cueca endinheirada e o das ambulâncias hemofágicas. Paralelamente, implantou-se a política do mais criminoso e revoltante paternalismo, proliferando as bolsas e as cotas, com o trabalho e a educação relegados a humilhante segundo plano.

Na esteira disso, o país entrou a viver um clima de denuncismo policialesco em que as garantias constitucionais passaram a ser desrespeitadas abertamente, com prisões escandalosas e cinematográficas fazendo tábua rasa do princípio da presunção de inocência e, o que é pior, sem que se consiguisse avançar um passo no combate efetivo ao crime organizado e à violência urbana. Diga-se de passagem: a partir de iniciativa do Ministério Público e com o apanágio do Poder Judiciário.

Apesar disso tudo, Lula foi reeleito e, o que parece incrível, conseguiu fazer de Dilma Roussef sua sucessora. Essa senhora mereceria lugar de destaque no cenário da tragicomédia universal, tantas e tamanhas foram as peripécias em que se envolveu e protagonizou. A língua portuguesa, para ela, estava repleta de mistérios insondáveis, de tal maneira que suas formulações surgiam sempre de forma ridícula, ou incompreensíveis, ou, simplesmente, jocosas. Quem não se lembra da “mulher sapiens”? Não é de esquecer, igualmente, a confusão entre dentifrício e tubo de pasta, no mesmo passo em que ainda paira, entre sobranceira e soturna, a proposta para a estocagem de ventos.

Mas conseguiu um segundo mandato. Não me perguntem como. Seria exigir demais da minha proclamada ignorância. Como a pândega ameaçava levar o país ao abismo mais profundo, puseram-lhe fim abruptamente aprovando o impeachment da “presidenta”, que até hoje vocifera ter sido vítima de um golpe. O “golpista” foi esse Michel Temer que está a ponto de terminar seu meio lustro de mandato presidencial com uma rejeição popular nunca vista e descortinando para si próprio futuro semelhante ao do seu antecessor Lula.

Condoreiro e religioso, Castro Alves bradaria: “Dizei-me vós, senhor Deus, se é mentira, se é verdade tanto horror perante os céus”. E não só pelo relatado, mas também porque, a menos de dois meses das eleições, os candidatos à Presidência da República não dizem o que pretendem nem a que vieram. Incapazes de despertar no povo o mínimo de empolgação, cumprem um papel medíocre e deplorável. Nunca vi uma eleição presidencial tão sem graça. E sem esperança.

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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2 comentários

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  1. Santos disse:

    A esperança é BOLSONARO

  2. Antonio disse:

    Discordo, não houve golpe em Primeiro de Abril. A mudança de governo foi autorizada pelo Congresso…!!!