Dia dos avós

Disseram-me que hoje, 26, é oficialmente o Dia dos Avós. Significa que algum órgão legislativo gastou tempo e dinheiro para dar esse significado à data. Não era preciso. Parodiando a canção popular, todo dia é dia de avô e de avó. Ser avô é atividade de tempo integral; não conhece férias nem licença-saúde. E não é remunerada. Minto. É, sim, porque não existe neste mundo paga mais régia e gratificante do que ouvir “vovô, em quero aquele brinquedo”. Ainda estou mentindo: muito mais gratificante é ver a alegria que se estampa nos olhos da criança quando ela consegue manusear o objeto que desejou e pediu.

Uma das vantagens de ser avô é que o serviço se desenvolve sem nenhuma burocracia. Não existem formulários e a única regra que se impõe é a do amor ilimitado. Também não há cotas nem bolsas. Todo mundo (rico ou pobre, negro ou branco, feio ou bonito) pode ser avô. Não havendo concorrência, desaparece qualquer razão para limitar o número de avós e, assim, a chegada a esse posto de alta relevância se faz sem maiores dificuldades. Na verdade, a única exigência é o tempo. É certo que já se detectaram casos de avós novos, com quarenta ou até trinta anos de idade. Mas são exceções. Nem por isso são discriminados; há lugar para todos, embora eu mesmo ache que a simbiose perfeita se dá entre neto e velhice.

Certos detalhes não podem ser esquecidos na composição da figura avoenga. A paciência é um deles. Avô impaciente é uma antítese impensável. Por que? Ora, ora, não lhe seria possível manter a compostura diante da caudal de perguntas abstrusas que as figurinhas nos fazem. Vá explicar porque o passarinho voa e nós, não. E enfrente a clássica indagação: “Vô, por que o mano tem pinto se eu não tenho?” Já se vê que a fleugma é indispensável e eu ousaria dizer que se trata mesmo da única exigência para o bom desempenho do papel.

Se você, meu raro leitor, já foi a uma piscina com seu neto, há de ter percebido que nada propicia a ele maior prazer do que empurrar o avô para dentro d´água. É impressionante como a criaturinha chega ao êxtase. E como tudo o que é bom deve ser repetido, uma vez só não se mostra suficiente. É quando eles não têm a mínima consideração com a diferença de idades e julgam que estamos aptos para os mesmos exercícios físicos que neles não causam nenhum tipo de mossa. Pode esquecer a cerveja ou a dose de uísque e se prepare para a sessão de mergulhos contínuos. Com a agravante de que, como o neto sempre pula também depois do empurrão, sua capacidade de resistência tem que estar em nível pelo menos razoável.

Nestes tempos de exacerbação da informática, é bom saber que os avós somos criaturas absolutamente ultrapassadas. A facilidade com que aquele pingo de gente manuseia um aparelho eletrônico pareceria à minha falecida mãe coisa de feitiçaria, a exigir o dispêndio de uma boa quantidade de água benta. Essa coisa insuportável chamada telefone celular está na linha de frente para a demonstração das habilidades dos pequenos. Ligam-no, destravam e vão direto para o you tube, onde navegam, deliciados, pela infinidade de jogos. E a verdade é que a gente fica achando lindo tudo aquilo.

Com o seu pijama mais velho e confortável, deite-se e ligue a televisão. Você está prontinho para desfrutar de um clássico, qual “Casablanca” ou “Psicose”. Pode ir tirando o cavalinho da chuva. Aconchega-se ao seu lado a figurinha, dá-lhe um beijo, diz que ama você e lança a sentença irrecorrível: “Vovô, eu quero ver “A guarda do leão” e, depois, “o show da Luna”. E ainda especifica: é na Netflix. Recolha-se à sua insignificância, acenda a lâmpada de cabeceira e tome de um livro para passar o tempo, porque a televisão mesmo, já era, e o seu clássico vai ficar para quando você estiver sentindo saudades daquilo que pareceu um incômodo.

Ah, meus netos, não sei como seria esta velhice sem vocês! Aliás, e talvez por vezo profissional, acudiu-me uma ideia. Na próxima reforma da Constituição da República, bem que um pai da pátria poderia propor a inclusão de um artigo, a ser considerado cláusula pétrea e assim redigido: “É dever do Estado, na busca pela harmonia social, velar para que todos os brasileiros com mais de cinquenta anos, independente de qualquer condição, tenham, pelo menos, um neto”. Teríamos dado um passo certo e seguro para a construção de uma sociedade harmônica

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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1 comentário

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  1. Antonia disse:

    Que lindo, parabéns pelas belas palavras