Tempos de escola

O professor Oyama Ituassu, catedrático de Direito Internacional Público na antiga faculdade da Praça dos Remédios, ministrava sua aula para a terceira série e aventou a seguinte hipótese, ainda nos tempos da guerra fria: admitam que chegam à lua uma nave da União Soviética e outra dos Estados Unidos. Pousam rigorosamente ao mesmo tempo e os tripulantes de cada um dos engenhos pisam o solo também no mesmo momento. Quem resolverá a questão do domínio?

Era aluno da turma Tude Moutinho da Costa, hoje advogado de todos querido pela deferência com que trata os colegas e pelo espírito de solidariedade que sempre soube cultivar. Gozador por natureza, Tude se levanta, preparando-se para sair até para não ouvir a réplica, e afirma com convicção: “São Jorge, professor. Com toda a certeza”.

A história me foi contada pelo procurador de justiça Francisco Cruz e me fez lembrar outros episódios daqueles tempos de faculdade, muitos das quais presenciei.

O professor Samuel Benchimol, de memória saudosíssima, dava sua aula de economia política para a minha turma, na primeira série. Corria o longínquo ano de 1961. O assunto estava relacionado com as fontes de energia e o mestre explicava que, ao longo da história, o homem já se utilizou de fontes muito diversificadas na busca pelo desenvolvimento. E exemplificava: os ventos tiveram papel de destaque antes da invenção da máquina a vapor. Usávamos a energia eólica para impulsionar as caravelas das grandes navegações e, ainda hoje, há regiões em que ela é empregada para mover os moinhos. “E os ventiladores”, disse a voz soturna de um colega, hoje falecido. O professor fez que não escutou a besteira e a turma se esbaldava de rir.

Fiquemos ainda com o eminente amazonólogo Benchimol. Foi ele mesmo que me contou quando eu já cometia a ousadia de dividir com ele um lugar na sala dos professores da vetusta escola. A prova era sobre Amazônia e meio ambiente, assuntos em que ele e o não menos saudoso Roberto Vieira eram inigualáveis. Primeira pergunta: “O que é um ecossistema?” Resposta sucinta e objetiva de um aluno: “É um sistema de produção e reprodução de sons”. Que maravilha!

Pior do que essa só mesmo a do aluno que me perguntou se é possível haver o crime de estupro na modalidade culposa. Ora, como um crime culposo é sempre cometido por imprudência, negligência ou imperícia do seu autor, fica difícil imaginar que a conjunção carnal (hoje até os atos libidinosos) possam vir a ocorrer porque o tarado estivesse em qualquer desses estados de pura distração.

Não posso publicar a resposta que dei. Os mais chegados a conhecem e disso fazem até folclore.

O professor Lourenço Braga, atualmente secretário estadual de educação, lecionava Direito do Menor. O tema do dia era a extensão e os limites do que, então, se chamava “pátrio poder”. Foi dada a seguinte explicação: os pais têm o direito de castigar os filhos, inclusive fisicamente, desde que o façam de forma moderada. O aluno, demonstrando desusado interesse, pondera algo mais ou menos assim: “Quer dizer, então, professor, que se o pai pegar o filhinho de dois anos, moer o menino de porrada e a criança ficar toda arroxeada e doente, houve abuso do pátrio poder”? “É isso mesmo”, respondeu satisfeito o professor, admirado por aquela figura, especificamente, haver compreendido pelo menos aquilo. Mas houve réplica, cujo teor fez o mestre voltar ao antigo conceito que tinha do discípulo. O infeliz cometeu o seguinte: “A não ser, né, professor, que o pai estivesse agindo em legítima defesa”. Ponto para a sabedoria.

Por essas e outras é que, sabendo ter o Ministério da Educação proibido por quatro anos a matrícula em cursos de medicina, fiquei a me perguntar a razão de tal providência (e com prazo maior) ainda não ter sido tomada em relação aos cursos de direito. Não dá mais para continuar do jeito que as coisas estão. Formam-se milhares de bacharéis em direito por ano, oitenta por cento deles sem as mínimas condições de exercer qualquer das funções que o título pode propiciar. Na advocacia, nem o Exame de Ordem tem sido barreira suficiente para a avalanche de péssimos profissionais lançados no mercado. Dolo ou culpa? E de quem?

Felix Valois

Felix Valois

* Félix Valois é advogado, professor universitário e integrou a comissão de juristas instituída p...

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