Guaraná é de Maués, após disputa com a Bahia pela Indicação Geográfica do produto. Veja entrevista do prefeito

guaraná é de Maués

O guaraná é de Maués, agora oficialmente. Disputa com a Bahia pela Indicação Geográfica do produto foi vencida pelo Município

O guaraná, nascido e criado na civilização dos índios da etnia sateré mawé, volta a pertencer ao Município de Maués. A conquista foi referendada pelo Instituto Nacional da Produção Industrial (Inpi) no dia 16/01/2018. Trata-se de órgão do Ministério do Desenvolvimento da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic). O Estado da Bahia foi o adversário pela Indicação Geográfica (IG) do guaraná.

O Inpi explica o que é uma Indicação Geográfica. “É usada para identificar a origem de produtos ou serviços quando o local tenha se tornado conhecido ou quando determinada característica ou qualidade do produto ou serviço se deve a sua origem”, diz a página do instituto.

A disputa começou há quase oito anos, ainda na gestão do ex-prefeito de Maués e atual deputado estadual Sidney Leite. “A Bahia tem uma grande produção, mas o nosso jeito de processar é original”, explica o atual prefeito Júnior Leite.

 

O que significa

A oficialização da procedência de um produto é garantia diferencial muito usada na agricultura pelo mundo. Vinhos que têm Denominação de Origem Controlada e Garantida (DOCG) são mais valorizados no mercado. Champanhe, França, ganhou o direito de ser único local do mundo usando o nome para produtos de vinhos gaseificados. Os demais locais usam alternativas, como espumante (Brasil), cave (Espanha) ou prosecco (Itália).

Queijos e azeites de oliva também buscam essa diferenciação. O Inpi disse que guaraná pode ser produzido no mundo inteiro, mas com Indicação Geográfica original em Maués.

 

Veja os dados do processo de Indicação Geográfica do Guaraná publicados no site do Inpi:

Número: BR402015000001-0

Requerente: Associação dos Produtores de Guaraná da Indicação Geográfica de Maués

No de folhas: 981fls.

Nome Geográfico: Maués

País/UF: BR/AM

Produto/ Serviço: Guaraná

Espécie: Indicação de Procedência

Data do registro: 16/01/2018

Delimitação: A área delimitada pela Indicação Geográfica Maués corresponde à área circunscrita na Região do Município de Maués, no Estado do Amazonas, excetuando-se a área da Terra Indígena Andirá-Maraú, localizada na porção nordeste do Município.

 

Entrevista

O prefeito Júnior Leite, 36, tem agora o desafio de transformar a IG do guaraná em uma diferenciação do produto. A batalha de marketing está começando, mas ele se mostra disposto a enfrentá-la. O Portal do Marcos Santos foi ouvi-lo. Maués é um Município extenso, com uma natureza exuberante e em grande parte intocada. O prefeito cita nomes de rios que grande parte dos leitores nunca ouviu. Vale a pena essa viagem pelo Município que, agora, está oficialmente reconhecido como o que produz guaraná original. Leia a íntegra da entrevista de Júnior Leite:

 

Portal do Marcos Santos – O guaraná voltou a ser de Maués?

Júnior Leite – Sempre foi e agora continuará sendo, de forma oficial. O próximo passo é a implantação de selo municipal para identificar produtos, bebidas e demais artigos produzidos com fruta original.

 

pms.am – Como foi essa disputa com a Bahia pelo guaraná?

Júnior Leite – A Bahia, também tem um plantio enorme, mas o jeito de processar é diferente. Eles disputaram conosco, mas nós conseguimos garantir o reconhecimento para Maués.

 

pms.am – Quanto tempo durou a contenda?

Júnior Leite – Foi um processo longo. Envolveu vários atores. A Associação de Guaranás e Produtores, Sebrae, Sepror. A discussão iniciou quando o Sidney Leite ainda era prefeito. Quando assumi, este ano, a questão estava em stand by no Sebrae. Nós juntamos as pontas para que a associação dos produtores do Alto Urupadi viajasse e voltasse à luta. O secretário estadual de Produção (José Aparecido) entrou no processo e, no lote de novos selos, Maués foi contemplado.

 

pms.am – Guaraná ganhou impulso quando a atriz Tônia Carrero, na década de 1980, disse que o produto a mantinha em forma. O selo de Indicação Geográfica é um novo impulso comparável à declaração dela?

Júnior Leite – Garante mercado. O mercado internacional, que venha procurar o guaraná no Brasil, reconhece que é onde está a origem. O guaraná de Maués é diferente. Tem concentração de cafeína muito maior. A torrefação é diferente, feita no forno de barro. Ele é até mais caro. Na Bahia eles torrefam guaraná como secam cacau e parte do café, ao sol. Aqui não. É como os índios faziam, no forno de barro. É mais lento. Mas garante a qualidade.

 

pms.am – A Indicação Geográfica é um dos caminhos de outros produtos, como o vinho. Depois, os próprios produtores criam controles, como o Denominação de Origem Controlada e Garantida (DOCG). Ou seja, o produto é legalmente originário de Maués e agora é preciso trabalhar a qualidade dele. Isso está nos seus planos?

Júnior Leite – Eu desconhecia isso. Mas é uma opção que garante valor e mercado. Um nicho de mercado mais seleto. Vou tomar essa sugestão e vou pesquisar e me debruçar para que a gente possa pensar nisso.

 

pms.am – A Cia de Bebidas das Américas (Ambev) está em Maués e faz um trabalho de estudo do DNA do guaraná. Como está isso? Como é a atuação da empresa em Maués?

Júnior Leite – Esse é um estudo que continua. A Ambev está realizando, com outras instituições, inclusive a Prefeitura. Agora é o início do trabalho que se chama Aliança Guaraná. Envolve a Embrapa, Prefeitura, produtores, em torno de modelos de produção. A Ambev está instalada em Maués. Ela compra, obrigatoriamente, uma parte da produção anual. Eu, particularmente, sou a favor de que a gente discuta mais garantias de preço e volume. Este ano, por exemplo, ela comprou muito menos que o normal. O consumo de guaraná no mundo caiu, mas ainda assim, com os incentivos fiscais, ela deveria comprar mais. Essa é uma discussão que vamos intensificar e garantir cada vez mais. Este ano ela comprou menos, além do preço ter caído, pela supersafra, com a antecipação do inverno. Tem muito guaraná sobrando, que a gente chama de “guaraná boiado”. Eu lastimo e me preocupa essa queda na cota.

 

pms.am – Qual é o volume da safra do guaraná?

Júnior Leite – Isso oscila. Hoje temos 700 toneladas de guaraná excedentes. Isso muda muito. Tanto a produção quanto a produtividade do guaraná decresceram nos últimos anos. Estamos fazendo um trabalho para retomar isso. O preço de produção ainda é alto, por conta da torrefação. Um quilo custa R$ 20 para produzir em Maués e na Bahia e outros lugares R$ 8, com boa margem de lucro. O degrau é grande. Queremos aumentar área plantada e produtividade. Queremos dividir em guaraná em pó, que esse termo IG vem reforçar, e o extrato, que pode ser torrefado como em outros locais. A gente vai ter que trabalhar muito a questão cultural, a tradição dos produtores. Outro desafio é buscar o mercado internacional, aumentar essa escala para entrar onde buscam o guaraná tipo A.

pms.am – O senhor pode explicar porque os sataré-mawé são maioria na região do Andirá, em Barreirinha, mas os produtores de guaraná estão em Maués?

Júnior Leite – Não sei te falar sobre a realidade de Barreirinha, mas falo dos sataré de Maués. Nos rios Marau e Manjuru, o guaraná é rotina diária. Eles nascem, processam em bastão, defumam, ralam numa pedra porosa e consomem diariamente. Faz parte dos rituais sagrados e da alimentação. Tem um relato, lá atrás, do período colonial, de um escritor. Ele dizia havia indígenas que caçavam dois três dias sem sentir fome, nem sono, por conta de uma bebida maravilhosa. Foi uma das primeiras referências ao guaraná. Eles fazem isso a vida inteira e todos os dias.

 

pms.am – O senhor falou, na primeira resposta desta entrevista, no Alto Urupadi. Onde é isso e o que significa?

Júnior Leite – É uma região de rio que está na divisa entre os rios Marau e Manjuru. É de colonização branca, mas há também sataré-mawé morando lá. Há uma associação, na confluência, que processa o guaraná em pó. Foram eles que trabalharam no selo de Indicação Geográfica.

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