
Festival de R$ 25 milhões teve momentos emocionantes, como a homenagem do Caprichoso a Chico Mendes (no estandarte carregado por Marcela Marialvo) e a passagem do boi Garantido de Denildo para o filho Denison Piçanã
O Festival de Parintins acaba de encerrar, com a vitória do Garantido, após três anos seguidos de derrotas. Nenhum bumbá tem competência para superar o outro em todos os itens, mas o absurdo está lá, em dois jurados que deram vitória de cabo a rabo e de rabo a cabo para o vermelho e branco. A torcida, que não quer nem saber, vai tomar uma semana de porre, como sempre ocorre na quebra de jejum. É papel do torcedor, do qual não se pode cobrar racionalidade. Há, porém, muitos detalhes que precisam ser expostos e analisados.
Três anos de crescimento
Garantido e Caprichoso receberam, cada um, em 2023, R$ 12 milhões. Esse valor saltou, em 2024, para R$ 20 milhões, ano em que os bumbás negociaram a famigerada dívida trabalhista. E agora, 2025, livres, leves e soltos, saltaram para o recorde de R$ 25 milhões/ cada.
Veja os números
Os bumbás receberam:
R$ 15 milhões da Lei Rouanet;
R$ 4 milhões de patrocínios sem incentivo;
R$ 10 milhões do Ministério do Turismo;
R$ 12 milhões do Governo do Amazonas;
R$ 8 milhões de ingressos.
R$ 1 milhão de royalties, eventos em curral, movimentos em Manaus etc.
Total: R$ 50 milhões, R$ 25 milhões para cada bumbá, em números arredondados.
Fim das dívidas
São R$ 21 milhões a mais, para cada um, em relação ao apurado há dois anos. Dinheiro suficiente para pagar todas as dívidas e reequilibrar as forças, entre quem administrou melhor o dinheiro e quem meteu o pé na jaca. Ou, aí sim, teremos um choro injustificável.
Apresentações
O Garantido evoluiu, do boi do deposto Antonio Andrade, até a apresentação deste ano. Mas ainda se vê diante da maior disparidade entre os 21 itens em julgamento na festa: as alegorias.
Não é só um item
Não há um “sempre foi assim” ou “é só um item” (galera também é só um item), quando se fala de alegoria. Jair Mendes, Junior de Souza, Ito Rodrigues e outros artistas fizeram trabalhos memoráveis no Garantido. A questão é que foi o trabalho artístico nas alegorias que levou parintinenses às grandes escolas do Carnaval e a ganhar o mundo. São elas que justificam as 2 horas e meia de apresentação para cada bumbá – um item anacrônico, que precisa ser revisto, afinal, é demais 15 horas do mesmo espetáculo em três dias.
Emprego e renda
São também as alegorias que consomem o maior investimento: galpão, alimentação, pessoal, obrigações trabalhistas e sanitárias etc. Não investir em alegoria só diante da necessidade de economizar dinheiro e, com o Festival de R$ 25 milhões, isso passou bem longe.
Artista e equipes
O Caprichoso contratou os maiores “artistas de ponta” da Festa dos Bumbás, aqueles consagrados por grandes trabalhos em anos anteriores. Ponto para o presidente Rossy Amoedo. Fred Góes deu o troco, contratando as equipes deles, o pessoal que põe a mão na massa e executa as ideias. Houve correria para formar equipe de última hora porque, sem o traquejo dos mais experientes, o trabalho leva muito mais tempo. Houve equilíbrio, portanto, no trabalho de galpão.
Julgamento
O Caprichoso impugnou, na fase preparatória do julgamento, os dois jurados que “gabaritaram” o Garantido. O Garantido impugnou outros quatro jurados. A organização deu uma “chamada” nos seis. Lembrou da responsabilidade de cada e do custo que significa trazê-los a Parintins – só de cachê, para julgar, cada um recebe R$ 15 mil. Os quatro do azul e branco se comportaram. Os do vermelho e branco, simplesmente, cumpriram à risca o acordo de dar vitória completa para o bumbá.
Equilíbrio
Acabou a disparidade em alguns itens, que é preciso reconhecer ter ocorrido, onde o Garantido levava vantagem. Os principais são galera e ritmo. Batucada e Marujada e as duas galeras são, hoje, itens de excelência nos dois bumbás, com visível equilíbrio.
Levantador
David Assayag, após uma primeira noite repleta de pequenas falhas, chegou a ser demitido. Bruno Costa deu entrevista como substituto. Venceu, nessa dita noite de 27/06, mesmo assim. Melhorou muito, nas noites seguintes, com toda a bagagem que tem, mas enfrentou um Patrick Araújo impecável, assumindo o protagonismo com a galera e a Marujada, como se exige do item.
Apresentador
Edmundo Oran, prestes à formatura em Direito, se tornou um concorrente à altura do item individual mais proeminente da Festa dos Bumbás, o apresentador Israel Paulain. Este ano, com aulas de teatro, incorporou uma performance mais dramática, na exposição de lendas e rituais. Os iluminados dos textos é que precisam “enxugar” essas falas, previamente redigidas – Joelmir Betting sintetizava dez minutos de comentário sobre a Economia, no Jornal Nacional, em 30 segundos. Falas longas derrubam a galera e criam buracos na apresentação.
Amos
A grande novidade do ano foi a estreia de Caetano Medeiros no item Amo do Boi. Arrebentou. Não sentiu a camisa. Foi estreante com postura de veterano. O julgamento, com toda a parcialidade, o considerou vitorioso. João Paulo reagiu bem. A disputa dos dois promete.
Família Gonzaga
O Amo do Garantido devolveu a Inácia Gonzaga, 85 anos, filha mais velha de Luiz Gonzaga, em plena arena, a medalha que Izolina Gonzaga recebeu da Assembleia Legislativa, em nome do fundador do Caprichoso. Mandou cunhar uma réplica daquela que uma dirigente do Caprichoso pediu (“para colocar no museu” do bumbá) e nunca mais apareceu. A família é eternamente grata.
Pré-história
Houve um tempo, lá pela década de 1970, começo de 1980, quando cada bumbá indicava três jurados. Todos votavam 10 a 0 para o bumbá indicante. A decisão cabia ao “voto de minerva” do presidente da comissão julgadora. Brincadeira? Não. É história. Ou pré-história.
Retrocesso
Todos julgavam que a parcialidade deslavada no julgamento havia ficado para trás. O Caprichoso, mesmo com o Garantido se desmanchando, demitindo presidente ou presidente reconhecendo a falta de meios, ganhou um tricampeonato por diferenças mínimas. De repente, este ano, a disputa voltou aos bastidores. A primeira consequência disso, imediata e visível, é mais investimento na compra de votos que na arena. Não pode haver maior dano à festa.
Parabéns ao Garantido
O torcedor, como todos sabem, coloca a paixão acima de qualquer racionalidade. A Argentina comemora até hoje a Copa do Mundo de 1986 com Maradona fazendo gol de mão, “la mano de Dios” (a mão de Deus). Então é um ano de festa na Cidade Garantido.
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