
Roraima recebe centenas de carretas do tipo bitrem, para transporte da soja. Na foto, um desses caminhões desbrava a BR-319, no meio da lama, poeira e buracos
Capote é uma expressão típica do dominó, um jogo que está entre os preferidos dos amazonenses, ideal para um feriado como hoje (1º/05). Refere-se a quando uma dupla chega aos 200 pontos e vence, sem permitir que os adversários passem da metade, os 100 pontos. É uma humilhação, para os inveterados. Roraima, o Estado mais excluído do Brasil, está dando um capote em desenvolvimento no Amazonas.
Por que o mais excluído? Simples: pequeno (717.793 habitantes, segundo IBGE/2024), ligado ao resto do País apenas pela BR-174 (Manaus-Boa Vista), tem que passar por Manaus para sair, via rodoviária. Para completar, o descalabro de Hugo Chavez e Nicolas Maduro, na Venezuela, provocou um crescimento de mais de 50% na população, formada por desabrigados, homeless, desesperançados… E, se não fosse suficiente, as companhias aéreas andaram boicotando a cidade e Boa Vista ficou ainda mais isolada.
O que se vê, no entanto, no lugar daquelas caravanas de choramingo, que o Amazonas costuma fazer, rumo a Brasília, em defesa da Zona Franca, é muita prosperidade. O amazonense, repentinamente, viu centenas de carretas do tipo bitrem romperem a BR-319, vindas de Porto Velho (RO), rumo a Boa Vista. Só depois veio a informação de que iam transportar a colheita de soja, hoje a locomotiva da economia roraimense.
Falar em soja, na Amazônia, é um sacrilégio que faz os ecoxiitas vermelhecerem de indignação. Mas, em Roraima, o agro está explorando milhares de hectares de campos naturais, onde não é preciso desmatar nada para plantar o grão. Há desmatamento em área de floresta? Deve haver, mas a ministra Marina Silva, tão eficiente na defesa da Amazônia, deve estar de olho nisso.
O que se sabe é que os silos para grãos florescem como erva do campo, em Boa Vista e arredores.
O emprego sobra. A produção de soja, que em 2021 foi de 226 mil toneladas, segundo o governo do Estado, atingiu 420 mil toneladas em 2024. E há estimativas de que ultrapasse 1 milhão de toneladas nos próximos anos.
Nada tão expressivo assim. O maior Estado produtor, o Mato Grosso, afinal, ostenta 44 milhões de toneladas/ano, numa produção nacional que passa de 147 milhões de toneladas/ano. Tocantins, inteiramente dentro da Amazônia Legal, atingiu 4,3 milhões de toneladas/ ano.
A produção de Roraima, ainda assim, é suficiente para alavancar a economia local. Foram anos de incertezas, com o fim da produção de arroz, ceifada pela Reserva Raposa Serra do Sol, mais a imigração venezuelana e o isolamento geográfico. Agora, essa “pequena” produção de soja lota o tráfego nas rodovias BR-174 e AM-010, rumo aos portos de Itacoatiara, num movimento econômico que o Amazonas apenas vê passar. Consome quase toda a produção de gás natural da Eneva, em Silves e Itapiranga – mais de 80% da energia de Boa Vista é produzida com gás natural.
O Amazonas parte para mais uma eleição de governador. Candidatos têm sido pródigos em mostrar o retrovisor e apresentar realizações passadas. O Estado precisa é olhar além do para-brisas, para a frente. Porque a Zona Franca de Manaus (ZFM) perdeu toca-fitas, cd, dvd, rádio e diversos outros produtos, para a virada tecnológica dos APPs de smartphones. Com a tecnologia caminhando na velocidade da luz, o castelo de cartas da ZFM pode ruir a qualquer momento, levando consigo a UEA (quase 100% financiada pelo modelo) e parte substancial dos quase R$ 40 bilhões de orçamento anual.
O senso comum costuma imaginar Roraima, na escala de Estados “coitadinhos” do Brasil, muito mais “coitado” que o Amazonas. O conceito precisa ser revisto porque, quando fecha a BR-174, falta da melancia ao cheiro-verde nas feiras de Manaus. E o agro está reinvestindo o dinheiro da soja em Boa Vista, tornando-se bem de raiz, coisa que a indústria da ZFM não faz por esta capital.
Este editorial não defende a produção de soja no território amazonense. Tampouco o fim ou mesmo o arrefecimento da defesa da Zona Franca. Longe disso. Mostra apenas que há saídas. Basta procurar. Está na hora de sair desse capote.
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