
Com um cenário dominado pelos tons de azul e verde, o Caprichoso entrou na arena com garra e brilhou (Foto: Elinaldo Tavares)
O Bumbódromo tremeu. Em uma noite de pura força e emoção, o Boi Caprichoso encerrou sua participação no Festival de Parintins 2025 com um espetáculo arrebatador, embalado pelo grito “Káá-eté”: a retomada da vida, das gentes, dos bichos, dos espíritos — o pulsar da floresta viva e sagrada.
Com um cenário dominado pelos tons de azul e verde, o Caprichoso entrou na arena com garra e brilhou. Brincou de boi como se dançasse pela sobrevivência do próprio coração da Amazônia.
A abertura trouxe um ser Curupira que adentrou o templo sagrado e se uniu ao boi preto como guardiões dos territórios esquecidos, onde as folhas calaram porque as rezas foram silenciadas. A floresta tomou forma no corpo cênico, na Marujada, nos bailados e nas luzes, como se cada detalhe gritasse por memória e resistência.
A lenda amazônica da noite foi Waurãga, do povo Maraguá — deusa da floresta que se ergue contra quem insiste em destruí-la. Garimpeiros, grileiros e madeireiros foram confrontados por espíritos da mata em forma de bichos gigantes. A cunhã-poranga Marciele Munduruku dançou como se cada passo fosse uma reza: por cada espírito expulso, por cada árvore tombada, por cada povo que viu seu mundo virar cinza.

Foto: Elinaldo Tavares
No auge da exaltação cultural, surgiram lanças de pássaros e araras trazendo o boi e a sinhazinha da fazenda, Valentina Cid, com um vestido feito de borboletas. A figura típica regional homenageou o Seringueiro da Amazônia — e com ele, Chico Mendes, Raimundão, Wilson e Ivair, guardiões da floresta e de tudo que ainda pulsa nas raízes e nas copas.
A presença de Ângela Mendes, filha de Chico, reforçou a mensagem que o espetáculo cravou na arena: a floresta não pede licença. Ela retoma. Foi ela quem plantou a esperança que, naquele momento, se colhia em forma de arte. A porta-estandarte Marcela Marialva veio como desataque da alegoria, cravando ainda mais esse recado.
O momento coreográfico dos povos originários trouxe Yacuruna, o senhor das águas. Um gigante emergiu com a rainha do folclore Cleise Simas, vestida de seres aquáticos, evoluindo como se o próprio rio dançasse com ela.
E então veio o clímax. O ritual indígena Yawanawá fez o Bumbódromo vibrar com um rito de cura ancestral. Da beira do Rio Gregório, no Acre, o povo da queixada trouxe o conhecimento da “medicina da floresta”. O pajé Erick Beltrão incorporou o poder do grande Rumeya, com uma fantasia viva — olhos e boca que se mexiam, em transe, como se o espírito estivesse ali. A galera foi ao delírio.

Foto: Elinaldo Tavares
Ao fim da apresentação, o presidente do Caprichoso, Rossy Amoedo, resumiu tudo em um só sentimento.“É muita emoção, fizemos o que nos propomos a fazer. Momento de gratidão porque são muitas pessoas que se dedicaram arduamente durante muitos meses pra fazer essa construção. Eu dedico os três grandes espetáculos a todas as pessoas que trabalham e fazem parte da família Caprichoso e que apresentaram três grandes espetáculos. Sabemos da capacidade do que foi apresentado”, disse.
Na arena, o Caprichoso não apenas se apresentou. Ele rugiu, dançou, rezou e curou — em nome da floresta que vive, resiste e, agora, retoma.
Texto: Peta Cid – Especial para o Portal Marcos Santos
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