
O encerramento da noite veio com a tão esperada saída do boi às 20h (Foto: Elinaldo Tavares)
Nesta terça-feira (24), a Baixa da Xanda, área alta da Ilha de Parintins (AM), foi tomada por emoção e fé durante o tradicional Dia da Promessa — um dos momentos mais significativos para o Boi Garantido. A data, que une religiosidade, cultura e memória, reafirma o vínculo da comunidade com São João Batista, padroeiro do boi, e com a história iniciada por Lindolfo Monteverde, fundador da agremiação vermelha e branca.
A programação começou às 17h com a inauguração do Museu Vivo, espaço dedicado não a objetos ou fotografias, mas às histórias de vida dos moradores que ajudaram a moldar a identidade do Garantido. “Como eu sempre digo em todas as entrevistas, é uma emoção de gratidão participar de um evento tão grande como esse. Eu faço parte desde que nasci. Meu avô fundou o Garantido, então a emoção é muito forte. Puxar a batucada no Bumbódromo é espetacular. O boi faz parte da nossa família”, declarou emocionado Reck Monteverde, neto de Lindolfo.
Um dos momentos mais simbólicos do dia foi a homenagem a dona Georgina, de 80 anos, que vive na Baixa desde 1973 e é considerada um pilar vivo da tradição encarnada. Ela relembrou tempos difíceis e sua convivência com Lindolfo Monteverde.
“Quando eu vim morar aqui, essa Baixa era muito feia. Tinha um córrego que ninguém suportava o cheiro. Mas graças a Deus e à luta do povo, muita coisa mudou. O boi faz parte disso. Faz parte da minha história, da minha juventude. Quando eu cheguei aqui, tinha 22 anos. Eu trabalhava na padaria, e a gente conversava com o próprio Lindolfo aqui na frente, ajudamos ele a organizar o boi. Eu vi ele botar o boi pela primeira vez, quando o boi ia para as ruas com lamparina, com poronga, eu já acompanhava o boizinho de coração na testa”, disse, emocionada. “O boi é uma vida pra mim. Eu não posso nem te explicar o que ele é. É amor, é uma coisa que vai comigo até quando Deus me chamar”, completou dona Georgina.
Às 18h, a comunidade se reuniu para a tradicional ladainha em honra a São João Batista. O momento de oração e cânticos foi marcado por emoção e espiritualidade. “São João é nosso intercessor. Essa promessa feita por Lindolfo é um elo entre a fé e o boi. O Garantido acredita nessa promessa, e nós também. É tudo pra nós”, afirmou Maria Olinda da Silva Borges, de 68 anos, torcedora do Garantido desde a infância.
Mais tarde, às 19h, o documentário “Símbolos de Resistência da Baixa da Xanda” foi exibido. Produzido por artistas e comunicadores locais, o filme relembrou a trajetória coletiva da comunidade, que transformou o Boi Garantido em símbolo nacional, sem perder suas raízes.
O encerramento da noite veio com a tão esperada saída do boi às 20h. Acompanhado por velhas e novas gerações, o cortejo percorreu ruas como a Armando Prado, iluminadas por fogueiras e embaladas por palmas e cantorias. “É uma emoção que a gente carrega no peito desde criança. Acender a fogueira, ver o boi dançar… isso é cultura viva. É coisa que a gente sente e não consegue explicar com palavras”, afirmou Wilhame Reis, morador da região há mais de 11 anos.
Dona Ana Cândida Reis, de 87 anos, ex-integrante da batucada do Garantido, também participou da celebração. “Eu brinquei muitos anos. Tocava palminhas, canto até hoje. Deus me abençoou com saúde pra continuar vendo tudo isso. E a minha família segue comigo nessa tradição. É a maior alegria da minha vida”, relatou.
Mais do que uma data no calendário, o Dia da Promessa é uma vivência de pertencimento e resistência. Na Baixa da Xanda, o boi é mais que folclore — é fé, história e identidade.
Texto: Oliver Freire – Especial para o Portal Marcos Santos
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