Um tributo ao debate escrito: o bom combate de ideias

* Jorge Henrique de Freitas Pinho

 

Introdução – Minha Jornada na Escrita e meu Agradecimento a Lourival Holanda

Escrever é, antes de tudo, um exercício de pensamento. Desde os meus primeiros rascunhos, percebi que a escrita não apenas registra ideias, mas as molda, lapida e fortalece. Foi Lourival Holanda quem me ensinou, ainda jovem, que escrever é mais do que comunicar: é organizar o caos da mente e transformar fragmentos dispersos de reflexão em argumentos coerentes.

Enquanto estudava francês com ele, na Aliança Francesa de Manaus, tive o privilégio de vivenciar um momento que redefiniu minha relação com a língua portuguesa. Em uma única tarde, entre uma aula e outra, Lourival me deu uma aula de gramática em português que foi absolutamente transformadora. Foi como se, naquele instante, todas as engrenagens da língua se alinhassem diante de mim, dissipando qualquer dúvida e me concedendo uma clareza que jamais me abandonaria. A partir desse momento, a gramática deixou de ser um obstáculo e tornou-se um instrumento a meu favor, algo que pude utilizar com segurança e precisão na construção dos meus textos.

Mais do que um mestre da língua, Lourival era um verdadeiro artesão do pensamento. Ele não apenas ensinava regras e estruturas; desvendava os mecanismos internos da linguagem, revelando sua lógica e sua beleza. No ambiente da Aliança Francesa, suas aulas seguiam a mesma abordagem reveladora: Lourival não ensinava apenas um idioma, mas a maneira de pensar dentro da língua. Suas aulas iam além das regras sintáticas e do vocabulário; ele introduzia nuances culturais, explorava o raciocínio por trás das expressões e fazia do aprendizado uma verdadeira imersão intelectual.

Este artigo é, em parte, um tributo a esse grande professor e pensador, que deixou em mim marcas profundas e permanentes. Não apenas por suas aulas e conselhos, mas pela maneira como me mostrou que pensar bem é o primeiro passo para escrever bem, e que escrever bem é, acima de tudo, um exercício de disciplina intelectual.

 

O Conflito Intelectual e a Camaradagem: A Justiça do Debate

O verdadeiro embate intelectual ocorre no plano das ideias, não no das pessoas. No meio jurídico e político é comum ver adversários que, após longas disputas, encontram-se para confraternizar como velhos amigos. Isso pode parecer estranho para quem enxerga os embates apenas pela ótica da inimizade.

Essa capacidade de separar ideias e pessoas não é apenas uma abstração teórica. Vivi isso na prática, especialmente em minha relação com meu querido Mestre de Direito Penal, Professor Félix Valois. Ele, que sempre se definiu como “um velho comunista”, e eu, que me desiludi precocemente com as falácias da esquerda, poderíamos nos ter tornado adversários ferrenhos. No entanto, nossa amizade sempre foi pautada pelo respeito mútuo e pela troca honesta de ideias.

Nosso diálogo nunca foi um esforço para converter o outro, mas um exercício genuíno de confronto argumentativo. Valois tinha (e tem) uma inteligência mordaz e um humor afiado, tornando cada conversa uma aula de ironia refinada e pensamento perspicaz. Aprendi que o verdadeiro debate não busca destruir, mas construir uma visão mais ampla da realidade.

Além disso, sua trajetória de vida, repleta de perseguições e injustiças, sempre me fez refletir. Cresci sob um regime autoritário e hoje, seis décadas depois, vejo o mesmo cerceamento de ideias, ainda que sob um discurso diferente. Na juventude, não pude ser comunista — desiludi-me cedo demais. Agora, na maturidade, descubro que expressar convicções conservadoras se tornou um desafio. Não ressoa como uma ironia machadiana?

Quando confessei ao Professor Valois minha hesitação em publicar textos sobre minhas convicções políticas, sua resposta foi concisa e precisa: “Respeito sua decisão de não publicar, mas acho que deveria”.

Essa lição reforçou uma verdade essencial: a honestidade intelectual exige coragem. Se figuras como Churchill, Rui Barbosa e Sobral Pinto compreenderam que o embate de ideias não precisa degenerar em animosidade pessoal, minha amizade com Valois consolidou essa visão na prática.

 

O Debate Escrito e a Importância de Separar Ideias e Pessoas

No campo jurídico, a escrita não é apenas uma ferramenta de expressão, mas de precisão argumentativa. No calor de um debate oral, nuances podem se perder e emoções podem distorcer argumentos. Já na escrita, o rigor lógico é testado sem pressa, permitindo que cada palavra seja lapidada antes de ser lançada ao mundo. Esse é o verdadeiro exercício do pensamento estruturado.

A psicologia e a filosofia nos ensinam a importância de distinguir a crítica de uma ideia do ataque à pessoa que a defende. John Stuart Mill advertia que “a verdade tem mais a temer do silêncio do que do erro”. Separar ideias de pessoas é essencial para a liberdade de pensamento.

Se o objetivo do debate for genuinamente a busca pela verdade, devemos seguir o exemplo de Sócrates, que, na República de Platão, desconstruía argumentos sem humilhar os interlocutores. O verdadeiro embate deve ser travado contra as falácias, nunca contra a dignidade do debatedor.

 

A Escrita como Caminho para a Verdade

Escrever é travar o bom combate de que falava São Paulo: uma luta justa e necessária, travada com honra e propósito. A palavra escrita, ao contrário da oralidade efêmera, permite reflexão, maturação e lapidação das ideias antes que sejam lançadas ao mundo.

Se escrever é um ato de coragem, que nunca nos falte essa ousadia. Que a palavra escrita continue sendo nosso escudo contra dogmas e nossa lâmina contra falácias. No fim, o verdadeiro bom combate não se dá contra pessoas, mas contra a escuridão que se instala onde a razão é silenciada.

* Agradeço ao meu querido amigo e colega de sala de aula Belém, por me ensinar a importância de um debate pautado na razão e no respeito ao interlocutor.

Jorge Pinho

Jorge Pinho

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