
ENTREVISTA João Simões, o presidente do TRE-AM que presidiu a eleição na maior vazante de todos os tempos nos rios amazônicos
O desembargador João de Jesus Abdala Simões, que este ano completa 73 anos, é o mais antigo do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM). É o decano da casa. Ele acaba de concluir uma missão da Corte, como presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM). Foi convocado para presidir a sempre complicada eleição municipal, desta vez com a perspectiva de enfrentamento do governador Wilson Lima e o prefeito da capital, David Almeida. A sua eleição para o cargo se deu por aclamação. O mandato iniciou em 13 de maio/2024 e terminou em 10/01/2025.
João Simões, formado em Direito pela Ufam (1974), é especialista em Direito Privado (1982) e pós-graduado em Direito Processual pela Fundação Getúlio Vargas (1999). Exerceu a advocacia de 1974 a 2004, foi duas vezes juiz jurista do TRE-AM e, desde 2004, é membro do pleno do TJAM, onde chegou à presidência (2010-2012). Ele venceu a primeira eleição direta para a vaga de desembargador pelo voto direto dos advogados, o chamado Quinto Constitucional da OAB-AM.
O agora duas vezes presidente do TRE-AM falou ao Portal do Marcos Santos sobre o desafio de fazer a eleição municipal, em meio à vazante recorde. Abordou os problemas ocorridos, como em Parintins, onde houve “o caso dos aloprados”, e em Coari, cidade na qual um candidato fez chover dinheiro. Veja, a seguir, a íntegra desta entrevista João Simões:
Portal do Marcos Santos – Explique, porque a opinião pública, de forma genérica, não compreendeu direito, como ocorreu o “mandato tampão” no TRE-AM.
Desembargador João de Jesus Abdala Simões – O Tribunal Eleitoral seguiu o calendário do TJAM. A ideia é começar o ano judicial na mesma data do ano civil. O nosso início era em maio e resolveram criar o mandato tampão para acertar o biênio, de 13 de maio a 10 de janeiro. Fui escolhido pelos meus pares para essa missão. E, hoje, o comando é de duas mulheres, desembargadoras Carla Reis e Nélia Caminha Jorge, além de ter, pela primeira vez, um plenário com maioria de mulheres, com a participação da juíza federal Mara Elisa Andrade e a juíza jurista, que vem da OAB-AM, Gisele Falcone Medina, esta pela segunda vez na Corte. Serão quatro mulheres e três homens no pleno. São sete membros, em todos os tribunais eleitorais do Brasil, inclusive no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
“O Tribunal Eleitoral seguiu o calendário do TJAM. A ideia é começar o ano judicial na mesma data do ano civil.”
pms.am – O grande desafio da gestão foi a eleição 2024. Qual o balanço que o senhor faz desse período?
João Simões – Nós encontramos o Tribunal já com os trabalhos iniciados para a realização do pleito/2024. Infelizmente, nos deparamos com a situação da seca histórica, que já havia ocorrido em 2023. Só que, em 2024, como os rios não chegaram a encher sequer à cota média, em torno de 28 metros, em final de maio ou junho começou a seca. Nossa preocupação começou a aumentar porque, em eleição municipal, embora nas gerais tenha a mesma quantidade de seções, eleitores etc., nós sabemos que é aí que têm mais candidatos. É, também, tradicionalmente, mais aguerrida, mais disputada, com questões mais paroquiais, localizadas, com candidato e eleitor frente a frente. Você sabe como é, que você é parintinense… E teve aquela peculiaridade lá…
Pms.am – Como ficou essa situação de Parintins, conhecida como “o caso dos aloprados”? Quais os desdobramentos?
João Simões – Tem uma investigação em curso e agora continua. Com certeza, os responsáveis serão devidamente processados e julgados, na forma da Lei. O caso de Coari, único lugar onde “choveu” no Amazonas (risos, pela referência ao candidato que jogou dinheiro para o povo), da mesma forma. A ministra Cármem Lúcia, quando soube, disse: “Nem nos filmes mais mequetrefes vi algo parecido”. Começa pela investigação, denúncia etc, todo o devido processo legal. Com a implantação do Juízo de Garantias fica assim: o juiz de Garantias de Parintins é o de Nhamundá e o de Coari é o de Codajás. São eles que comandam a investigação, até a apresentação da denúncia e quem a recebe (ou não) é o juiz da Comarca onde ocorreu o fato, que vai instruir e julgar o processo. Os casos estão em tramitação e não posso fazer previsão a respeito de quanto tempo vai demorar até o desfecho final.
“Com certeza, os responsáveis (‘os aloprados’) serão devidamente processados e julgados, na forma da Lei.”
pms.am – Voltando à eleição e aos problemas causados pela enchente…
João Simões – O prognóstico se confirmou e tivemos a maior seca da história do Amazonas, com alguns rios secando mesmo, para valer. As nossas estradas, que são esses cursos d’água, ficaram interditadas e como chegar ao eleitor, com instalação de urnas, seções eleitorais, condução de mesários? Para piorar, esse ano o horário foi o de Brasília. O Amazonas tem 13 Municípios com o fuso horário do Acre, duas horas a menos que a capital federal. Quando em Brasília era 7h, aqui, em alguns locais, era 5h. Isso provocou a ida dos mesários para as seções eleitorais muito mais cedo ainda. Tudo virou um desafio.
“Para piorar, esse ano o horário foi o de Brasília. O Amazonas tem 13 Municípios com o fuso horário do Acre, duas horas a menos que a capital federal.”
pms.am – O TRE-AM teve que recorrer às Forças Armadas, não é?
João Simões – Toda eleição temos cerca de 40 locais servidos, com seções montadas e instaladas, com auxílio de helicópteros, cedidos pelas Forças Armadas. O Bavex, Batalhão Aéreo do Exército, faz um arranjo com a Aeronáutica e Marinha, para nos dar esse apoio logístico. Os eleitores estão nos locais, em zonas indígenas e mais afastadas, esperando para votar. É o caso do Vale do Javari, no Alto Solimões, e da Cabeça do Cachorro, em São Gabriel da Cachoeira. Devido à forte seca, em 2024, duplicou o número de locais a serem servidos por helicópteros. Foram 80 localidades. Fizemos contato com o TSE e conseguimos que a ministra Cármem Lúcia, presidente, viesse a Manaus. Ela passou um dia conosco e conheceu a nossa situação. Importante dizer que ela, prontamente, se colocou à disposição, fornecendo os meios, os recursos, para que nós pudéssemos enfrentar a seca.
“Devido à forte seca, em 2024, duplicou o número de locais a serem servidos por helicópteros. Foram 80 localidades.”
pms.am – Como foi fazer caber essas mudanças todas no orçamento, que estava previsto para uma eleição, digamos, normal?
João Simões – Sim. O nosso orçamento era para o tipo de eleição tradicional, com rios baixos, mas não secos. A ministra-presidente entendeu e ficou em contato permanente conosco, disponibilizando os recursos necessários para que pudéssemos realizar o pleito. Fato inédito é que, em conversa com a ministra, mostramos que temos 60 zonas eleitorais, 10 na capital e 50 no interior. Há Município que não é Zona Eleitoral. Tonantins é Termo de Santo Antônio do Içá, por exemplo. Combinamos e colocamos juízes em todos os Municípios. Isso demanda recursos porque são juízes que são da capital e precisam voltar para o interior, de onde já saíram. É um trabalho de convencimento e conseguimos. Tivemos, em todos os Municípios, juízes nas sedes municipais. O Ministério Público seguiu a mesma orientação e conseguimos fazer esse trabalho conjunto. Levamos as urnas para todos os locais, possibilitando o voto livre para os eleitores.
“Mostramos que temos 60 zonas eleitorais, 10 na capital e 50 no interior. Há Município que não é Zona Eleitoral. Tonantins é Termo de Santo Antônio do Içá, por exemplo. Combinamos e colocamos juízes em todos os Municípios.”
pms.am – O desafio deve ter sido enorme. No meio dessa confusão tem, ainda, a questão da segurança…
João Simões – Foi um trabalho belíssimo, com muita ajuda de órgãos parceiros. Além das Forças Armadas, na distribuição das urnas, na logística, tivemos o emprego de tropas federais, na maioria dos Municípios. Nos outros, o Estado, por meio das polícias Militar e Civil, reforçou a segurança e não tivemos nenhum incidente relevante, nem no 1º, nem no 2º Turno, que foi só na capital. Nos grandes colégios, como Coari e Parintins, a Polícia Federal reforçou a presença. Em alguns locais tivemos o apoio da Polícia Rodoviária Federal; a Prefeitura, através do IMMU (Instituto Municipal de Mobilidade Urbana) nos ajudou na mobilidade do trânsito na capital e a Secretaria do Meio Ambiente, com sanções ambientais no derrame de santinhos, enquanto nós do TRE aplicamos multa por infração eleitoral. Foi plantão 24 horas por dia, praticamente dois meses antes da eleição, para julgar registros e preparar os ajustes finais.
“Foi plantão 24 horas por dia, praticamente dois meses antes da eleição, para julgar registros e preparar os ajustes finais.”
pms.am – O fato de a juíza amazonense Andrea Medeiros integrar a equipe da ministra Cármem Lúcia (o presidente do TSE escolhe, no Brasil inteiro, apenas dois juízes auxiliares), ajudou o TRE-AM?
João Simões – A juíza Andrea Jane Medeiros ajudou e muito. Como assessora, conhecendo nossa região, informou sobre vários detalhes importantes que tenha escapado em nossas reuniões porque conhece a fundo o Amazonas. Trabalhou, inclusive, no Vale do Javari. Essa interlocução nossa com ela e dela com a ministra, para nós, foi muito válida. Destaquei isso no meu discurso de despedida.
“A juíza Andrea Jane Medeiros ajudou e muito. Como assessora, conhecendo nossa região, informou sobre vários detalhes importantes que tenha escapado em nossas reuniões porque conhece a fundo o Amazonas.”
pms.am – Como decano do TJAM, como o senhor vê a chegada do presidente Jomar Fernandes e o processo de transição?
João Simões – A transição nos poderes, de um modo geral, é muito salutar. Cada um vai contribuindo com suas ideias, inovações, forma de administrar. Tivemos uma gestão excelente da desembargadora Nélia Caminha Jorge, com a desembargadora Joana Meireles na vice e o próprio Jomar, como corregedor. O tribunal conseguiu dois Selos Diamantes, nessa gestão, em 2023 e 2024, ambos inéditos. É um Selo de Qualidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), todos os anos, após a verificação, em todos os tribunais. São analisados os eixos de governança, transparência, produtividade e tecnologia e informação. São quase 200 itens a serem preenchidos, que vão desde redução de tempo médio de duração de processo, em todas as áreas, à redução de custo do tribunal. Tem que atender à parte ambiental, reduzindo copos plásticos etc., preocupado com a sustentabilidade. Outra coisa é a acessibilidade, tanto aos prédios, como aos sistemas. Hoje mesmo tive uma reunião sobre esse tema. Coordenei esse trabalho na gestão encerrada e o presidente Jomar me pediu para continuar no cargo.
“O tribunal conseguiu dois Selos Diamantes, nessa gestão, em 2023 e 2024, ambos inéditos. São analisados os eixos de governança, transparência, produtividade e tecnologia e informação. São quase 200 itens a serem preenchidos.”
pms.am – O trio no comando agora é Jomar Fernandes, presidente, Airton Gentil, vice-presidente, e Hamilton Saraiva, corregedor. O que significa a presença deles?
João Simões – Eles vão melhorar ainda mais os serviços do Tribunal, como um todo. São experientes e gostam de trabalhar, olhando as necessidades, numa administração voltada para fora, cada vez mais indo ao encontro daquele que tem necessidade de Justiça. Cada vez mais o tribunal busca atender aos chamados “invisíveis”, sem acesso à Internet, com carências diversas. Isso foi dito inclusive pelo presidente, em seu discurso de posse, avisando que está montando um observatório. O importante é que o tribunal sirva ao cidadão. Porque nós prestamos um serviço público. A mesma coisa no TRE-AM. Nós conseguimos o Selo Ouro de Qualidade e tenho certeza que as desembargadoras Carla e Nélia farão uma administração de excelência, melhorando ainda mais o nosso ranking.
“Cada vez mais o tribunal busca atender aos chamados “invisíveis”, sem acesso à Internet, com carências diversas. Isso foi dito inclusive pelo presidente, em seu discurso de posse, avisando que está montando um observatório.”
pms.am – O TJAM vai mudar três vagas, com desembargadores chegando à idade limite, os 75 anos, agora em 2025: Joana Meireles, Elcy Simões de Oliveira e Domingos Jorge Chalub Pereira. Como se dá esse processo de substituição?
João Simões – A primeira vaga, dos juízes, é por merecimento e a outra por antiguidade. A vaga da OAB-AM, do desembargador Chalub, tem todo aquele processo, com eleição direta, lista sêxtupla etc. Foi na minha eleição que esse procedimento foi inaugurado, com participação de todos os advogados, pelo voto direto. Depois essa eleição direta também foi realizada quando das eleições dos desembargadores Chalub e, depois, Delcio Santos.
pms.am – Para finalizar, se o senhor fosse um cidadão comum e tivesse um processo tramitando no TJAM, prestes a ser julgado, o que faria? É possível a alguém assim chegar até um desembargador e explicar detalhes, que possam ajudá-lo a julgar melhor?
João Simões – No Tribunal de Justiça do Amazonas nós adotamos a boa prática de receber os advogados das partes, sempre procurando atender o mais rápido possível. Daí porque o meu conselho é que sempre, por meio do advogado, façam contato com o juiz ou o desembargador, presencialmente ou por meio virtual, neste caso o Balcão Virtual, onde atendemos os advogados.
“O meu conselho é que sempre, por meio do advogado, façam contato com o juiz ou o desembargador, presencialmente ou por meio virtual, neste caso o Balcão Virtual, onde atendemos os advogados.”
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