Vai-Vai explica que ala com policiais militares demônios não foi provocação

Foto: Divulgação

Durante o desfile de sábado (10), no Anhembi, em São Paulo, a escola de samba Vai-Vai levou uma ala com policiais militares do Choque fantasiados de demônios.

O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) divulgou uma nota para repudiar a ala, que classificou como “inversão de valores”. “Com direito a chifres e outros itens que remetiam à figura de um demônio, as alegorias utilizadas na ala ‘Sobrevivendo no Inferno’ demonizaram a Polícia – algo que causa extrema indignação”, disse a entidade.

O enredo da Vai-Vai leva o nome de música do grupo paulistano Racionais MC’s (“Capítulo 4, Versículo 3”), que fala da exclusão do povo negro, como alvo de violência policial e sem oportunidades.

Hoje (13), a escola de samba, por meio de nota, explicou que a ala não foi um ataque individualizado ou uma provocação, mas “uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais MC’s”.

Com forte crítica social, o enredo “Capítulo 4, Versículo 3 – Da rua e do povo, o Hip Hop — Um manifesto paulistano” marcou o retorno da Vai-Vai à elite do carnaval. O desfile, além dos PMs fantasiados de demônios, teve também a estátua do bandeirante Borba Gato pichada e “incendiada” por efeito de luzes e um carro alegórico que trazia também o Museu de Arte de São Paulo (Masp) pichado e uma placa com a frase “fogo nos racistas”.

Leia a nota da Vai-Vai na íntegra:

“Em resposta à nota de repúdio do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo

Em 2024, a escola de samba Vai-Vai levou para a avenida o enredo Capitulo 4, Versículo 3 – Da rua e do povo, o Hip Hop – Um manifesto paulistano.

Como o próprio nome diz, tratou-se de um manifesto, uma crítica ao que se entende por cultura na cidade de São Paulo, que exclui manifestações culturais como o hip hop e seus quatro elementos – breaking, graffiti, MCs e DJs. Além disso, o desfile buscou homenagear e dar vez e voz aos muitos artistas excluídos que nunca tiveram seu talento e sua trajetória notadamente reconhecidos.

Neste contexto, foram feitos, ao longo do desfile, uma série de recortes históricos, como a semana de arte de 1922 e o lançamento do álbum “Sobrevivendo no Inferno”, dos Racionais MCs, em 1997. “Sobrevivendo no Inferno” é o segundo álbum de estúdio do grupo, lançado pelo selo da gravadora Cosa Nostra em 20 de dezembro de 1997. É considerado o álbum mais importante do rap brasileiro. Em 2007, figurou na 14ª posição da lista dos 100 melhores discos da música brasileira pela Rolling Stone Brasil. Em 2018, o álbum foi incluído pela Comvest (Comissão Permanente para os Vestibulares da Universidade Estadual de Campinas) na lista de obras de leitura obrigatória para o vestibular da Unicamp a partir de 2020. Meses depois, a obra virou livro, publicado pela Companhia das Letras, tamanha sua relevância.

Segundo a Revista Rolling Stone Brasil, que ranqueou o álbum na 14ª posição da lista dos 100 melhores discos da música brasileira, “Sobrevivendo no Inferno colocou o rap no topo das paradas, vendendo mais de meio milhão de cópias. Racismo, miséria e desigualdade social — temas cutucados nos discos anteriores — são aqui expostos como uma grande ferida aberta, vide ‘Diário de um Detento’, inspirada na grande chacina do Carandiru”.

Ou seja, a ala retratada no desfile de sábado, da escola de samba Vai-Vai, à luz da liberdade e ludicidade que o carnaval permite, fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais Mcs, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação, mas sim uma ala, como as outras 19 apresentadas pela escola, que homenageiam um movimento. Vale ressaltar que, neste recorte histórico da década de 90, a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica. Além disso, é de conhecimento público que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundos, sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado pra época. O que a escola fez, na avenida, foi inserir o álbum e os acontecimentos históricos no contexto que eles ocorreram, no enredo do desfile.

Atenciosamente,

GRCSES Vai-Vai”

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